Notícia fúnebre.

1580 Palavras
Ettore Quinze dias depois.... Sicília é a maior ilha do Mediterrâneo, fica perto do "dedo" da "bota" da Itália. Sua história se reflete em lugares como o Vale dos Templos, as ruínas bem conservadas de 7 templos gregos monumentais em estilo dórico e os mosaicos bizantinos da Cappella Palatina, antiga capela real na capital, Palermo. No extremo leste da Sicília está o Etna, um dos vulcões ativos mais altos da Europa. Sou filho dessas terras, sou fruto dessa Itália que é marcada por diversos acontecimentos, como a formação de um Estado a partir da união de povos que habitavam a península Itálica, a queda do Império Romano do Ocidente, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial e muitos outros. Meu país é considerada o berço de diversas manifestações culturais, como a Igreja Católica, o Renascimento, o humanismo, as repúblicas marítimas e o fascismo. Respiro o cheiro da maresia ou DMS ( dimetilsulfureto) composto orgânico volátil que é liberado na atmosfera quando esses organismos se decompõem ou são perturbados. Da varanda do meu apartamento em Cefalú, comuna Italiana situada na região da Sicília, província de Palermo, degusto do meu desjejum tendo essa vista privilegiada. Na minha opinião Cefalú é uma das cidades mais bonitas da Sicília; pequena e fascinante localizada aos pés de um imenso rochedo e dona de lindas praias como essa que meus olhos mergulham. O mar calmo e límpido com sua faixa de areia fina e dourada encanta qualquer um. _ Buongiorno amore mio! ( Bom dia, meu amor). - braços delicados se entrelaçam ao meu redor. _ Bom dia, Caterina. - recebo um suave beijo no rosto da loira que, após a pressão da noite anterior, pediu um tempo. _ O dia está maravilhoso. Que tal um passeio de barco ou um mergulho? - sua voz é um sussurro sedutor em meu ouvido. _ Preciso trabalhar, não posso. Mas aproveite. - tomo um gole do meu café. Ela se acomoda à minha frente, vestindo uma camisola curta que instiga a imaginação de qualquer homem. _ Sem você, não tem graça. Acho que vou para... - meu celular toca e levanto a mão, pedindo que ela se cale. Olho a tela e o nome do meu pai brilha incessantemente. Cosimo raramente me liga; normalmente, é meu primo Tiziano quem traz notícias. Estranho, essa ligação não parece ser um bom sinal. Aperto os olhos, ciente de que ouvirei algo que não me agradará. _Buongiorno, papà. - digo ao atender. _ Onde você está, Ettore? - sua voz é cortante, fria e carrega uma emoção rara. _ No Cafelú, saindo para o trabalho. - informo e ouço uma respiração pesada do outro lado. _ Vieni a casa. Abbiamo bisogno di te qui. Tuo nonno ci ha lasciato ieri notte. - minhas palavras se congelam no ar; estou absorvendo o impacto. Meu avô Gino faleceu. Meu coração se enche de dor pela perda do meu mentor, aquele que me acolheu no clã. _ Estou a caminho, papà. Meu avô teve um papel crucial na minha trajetória; foi ele quem me ensinou os segredos da organização. O meu primeiro disparo foi feito com a sua pistola. A primeira vez que segurei uma faca, ele estava ao meu lado, orientando-me sobre os golpes que eu deveria aplicar para ser ágil e mortal, assim como no arco e flecha. Comigo, a atenção foi redobrada. Meu nonno sempre dizia que o herdeiro da coroa precisava ser duplamente tenaz, superando tanto ele quanto meu pai em todos os aspectos. A primeira vez que tirei uma vida, eu tinha apenas dezessete anos. Já fazia mais de quatro que eu assistia às sessões de tortura, apenas como espectador. Precisava aprender a extrair informações, a identificar quando o prisioneiro estava blefando ou jogando. Aprendi que existem pessoas que, mesmo sabendo que não sobreviverão, mentem até o último instante. Lembro-me como se fosse ontem; estava no meu quarto quando meu pai entrou acompanhado do meu avô. Olhei para os dois, pressentindo que algo pesado estava por vir. — É hora de colocar em prática tudo o que você aprendeu, Ettore — disse Cosimo, fitando-me nos olhos. Naquela época, meu pai era conhecido como Lucifer: belo, brilhante e temido. — O que eu preciso fazer? — perguntei, tentando controlar meus nervos; o sangue seria derramado. — Temos um sujeito em Vita que nos deve. A quantia não é grande, mas o pagamento está atrasado há meses. O último prazo expirou; é hora de cobrarmos do nosso jeito — disse meu avô, estendendo-me uma faca. Olhei para ela, sentindo o peso da responsabilidade. Na calada da noite fria, fui acompanhado por Tiziano e um grupo de soldados rumo a Vita, uma comuna italiana na província de Trapani. Entramos em um bairro onde as edificações não estavam em seu melhor estado; prédios abandonados e até em ruínas contrastavam com casas habitadas e terrenos cobertos de vegetação. Engoli em seco quando Tiziano, que vinha em outro veículo, abriu a porta para mim. Olhei para meu pai e meu avô. Estava prestes a manchar minhas mãos, seria um rito de passagem, uma consagração para descobrir se eu tinha a vocação e a habilidade para liderar um grupo de mais de sete mil pessoas, todas ligadas direta ou indiretamente à organização. Desci arrastando a barra do meu sobretudo pelo chão. O nervosismo me consumia mais do que a ferrugem ao metal. Caminhei ao lado de Tiziano, enquanto meu avô e meu pai permaneciam no carro, aguardando meu retorno. Volto ao presente quando Caterina chama meu nome. — Ettore, o que houve? Você parece ter se desconectado por um tempo! — diz a loira de olhos verdes. — Estou de saída, Caterina. Troque-se. — respondo, levantando-me do assento. Dirijo-me ao meu quarto, onde troco de roupa. Pego minhas pistolas e verifico os carregadores. — Você não parece bem. O que aconteceu? — Se tem algo que não suporto é alguém insistente querendo saber da minha vida pessoal. — Estou atrasado. Seja ágil, por favor ! — digo, deixando-a sozinha no quarto. Ao chegar na sala, dou de cara com Juliano, um dos meus soldados. — Bom dia, chefe! - olho para o meu fiel escudeiro que mantém a posição de guarda até dentro da minha residência. Juliano nunca desvia da sua responsabilidade é um bom homem. _ Bom dia, Juliano. Peça para Carlo preparar o carro, estamos de saída. - aviso colocando o paletó. _ Qual direção senhor? _ Palermo. - aviso, pegando minha pulseira aberta( bracelete) que possui a cabeças de dragão nas duas extremidades. Presente do meu avô; ganhei ao fazer vinte anos. Pego a jóia confecionada em ouro branco e diamantes. _ Você, agora, tem vinte anos. Não deixe no mundo apenas dinheiro, deixe o seu nome como marca para que ele não desapareça no meio de tantos outros que por aqui passaram. Você não deve cometer erros, porque quando um líder erra coloca todo o seu clã em perigo. Teu coração é o coração dos seus irmãos, sua cabeça é o guia desses que, por obrigação, você deve zelar e proteger. Essa estrada não é fácil, por isso ande sempre olhando onde pisa, nunca ande olhando para o céu. Portanto, cuide das suas escolhas e só as faça realmente se forem importantes. Nunca faça se tiver dúvidas. Quando houver uma luta, lute. Desistir não é uma opção, mesmo que tenha que correr na direção do sol e ser queimado ou correr para o escuro e perder-se. Que seus passos sempre sejam firmes como a sua voz e autoridade. Mesmo que essa nossa vida cheia de branco e preto não agrade a ti ou aos outros, jamais decline do que és, meu neto, um Falzone. - suas palavras marcaram muito a minha alma corrompida. Coloco a peça em meu pulso. Sabendo que o meu precursor se foi, mas os seus ensinamentos ficaram. _ Sabe o significado simbólico do dragão? - meu nonno me perguntou quando abriu o estejo de veludo em que a jóia estava resguardada. _ Não. - respondi porque nunca fui de procurar saber sobre mitologias, coisas sobrenaturais ou qualquer outro assunto desse tipo. _ O dragão é associado ao m*l e ao terror; mas ao mesmo tempo representa a proteção dos tesouros. Esse ser mitológico é símbolo da imortalidade, união dos contrários e do poder divino. Cada um de nós temos um dragão, alguns são submissos a ele, outros lutam contra e quando conseguem o vencer conseguem alcançar a iniciação e a evolução através das provações. - sabidamente disse o homem que possuía os olhos de mesma tonalidade que os meus: azuis. _ Provações? Achei que eu já tinha passado por essa fazer? - perguntei, enquanto ele colocava a jóia em meu pulso. _ O dragão, no Oriente, é associado a criação do universo. Ou seja, provações nunca irão ter fim enquanto você respirar. Seja como esse ser, meu pupilo, simultâneo, voe pelos céus, mas não deixe de explorar grutas e cavernas. Porque aqui, nessa Sicília, você é o príncipe da casa dos Falzones Raschiere. - recebi um beijo na testa e um abraço apertado. Eu não teria mais isso; não teria mais o meu nonno. A nossa despedida eterna será comigo segurando a alça do seu caixão. Olho para a janela, meus olhos se perdem na imensidão azul. As águas turquesas estão calmas muito diferentes da tempestade que o meu mar sofre dentro do meu peito. O meu clã perdeu uma lenda e eu perdi um pedaço de mim.
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