A Revelação

873 Palavras
Tito Porra, esse Lobo tá me deixando com o pé atrás. O c***a é frio, cumpre o trampo direitinho, mas tem um olhar que não me desce. É um olhar de quem já viu o fundo do poço e não tem mais p***a nenhuma a perder. E homem sem nada a perder é o bicho mais perigoso que existe. Chamei ele pro QG hoje. Quero botar pressão, ver se ele pisa na bola. — Lobo, vem cá. Preciso trocar uma ideia. Ele veio, na dele. Postura reta, olhar fixo. Parece um soldado, p***a. Não tem jeito de malandro, de vagabundo. — Fala aí, chefe. — Cê é de onde mesmo? — jogo a isca, encarando ele. — Do Complexo, chefe. Já falei. — E o que fazia lá? Tava com que boca? — Era segurança também. Mas a boca de lá tava fraquinha, aí vim pro morro do senhor. Aqui é mais movimentado. A resposta veio lisa, sem hesitar. Mas não me convence. Tem algo errado. Nisso, chega o Dedé, um dos meus vapô, arrastando um Zé ruela que devia uma grana da boca. — Chefe, o Ratinho aqui tá devendo há duas semanas. Tá enrolando. O Ratinho tá todo cagado, tremendo. É a deixa perfeita. — Lobo — viro pro segurança, com um sorriso de maldade. — Mostra pra esse o****o que aqui não é brincadeira. Jogo uma .40 na mão dele. O Lobo pega a arma, natural, como se fosse uma chave. Ele olha pro Ratinho, que tá suplicando, e depois pra mim. Os olhos dele não tremem, não mostram nada. É a p***a de um robô. — Aqui é assim, irmão — o Lobo fala pro Ratinho, com uma voz calma, quase educada. — Quem não paga, não joga. E pah. Um tiro na testa. Limpo, rápido. O Ratinho cai igual um saco de batata. O Lobo me devolve a arma, ainda quente. — Tá pago, chefe. Porra. Até eu fiquei impressionado. O cara não pestanejou. Não é qualquer um que mata com essa frieza. Isso me deixa ainda mais desconfiado. Quem é esse filho da p**a? — Tá bom, Lobo. Pode vazar. Ele acena com a cabeça e sai, andando normal, como se tivesse acabado de matar uma barata. Viro pro Jacaré, que tá do meu lado. — Tá vendo? Muito frio. Fica de olho. Esse cara tem olhar de quem perdeu tudo. E homem que não tem nada a perder é bom de guerra, mas é r**m de confiar. O resto do dia fiquei noiado com isso. Fui pro barracão, peguei umas mina, fumei um baseado pra tentar relaxar. Mas a parada não saiu da cabeça. Quem será que o Lobo perdeu? Mulher? Filho? Tô com o pé atrás. Chego em casa todo drogadão, a cabeça a mil. A Soraia tá na cozinha, jantando com o Evandro. O menino me vê e fica duro. Ela também. Aquele clima de merda, de sempre. Na hora, a raiva sobe. Toda a desconfiança, a noia, o ciúme, tudo vem à tona. Chego perto dela e puxo o cabelo. — Anda, sua v***a. Vamos pro quarto. — Tito, para! O Evandro tá aqui! — ela grita, tentando se soltar. — f**a-se o Evandro! Ele é meu filho, ele tem que aprender como que é! O menino começa a chorar. E aí, ele faz uma coisa que nunca fez. Ele levanta e corre. Corre pro Lobo, que agora se materializou e tá parado na porta da cozinha, e se esconde atrás das pernas dele, agarrado. Porra. Na minha própria casa. O filho que eu roubei pra chamar de meu, correndo pro segurança. Pro mesmo cara que eu tô desconfiando. Soltei a Soraia com tudo, que caiu no chão chorando. E vou pra cima do Lobo, puto da vida. — O que foi, seu merda? Tá fazendo o que com meu filho? O Lobo não se mexe. Fica parado, com o Evandro agarrado nele. — Ele veio pra mim, chefe. Tá assustado. — Assustado do quê? EU SOU O PAI DELE! — grito, na cara do Lobo. — p***a, EVANDRO, POR QUE CORREU PRO SEGURANÇA? PRA ESSE MERDA? Aí o moleque, aquele pedaço de nada que eu trouxe pra dar um jeito na minha vida, solta a bomba. Ele sai de trás do Lobo, com o rostinho cheio de lágrima, e aponta pra mim. — Eu não sou seu filho! Eu tenho pai e mãe! — ele grita, com uma voz que não é de criança assustada, é de criança com ódio. — EU QUERO A MINHA MÃE! O silêncio que cai na cozinha é mais pesado que chumbo. A Soraia para de chorar no chão e fica me olhando, com os olhos arregalados. O Lobo continua imóvel, mas eu juro que vi um brilho nos olhos dele. De satisfação? E eu, o Tito, o dono do morro, o cara que todo mundo tem medo, fico parado ali, tomando invertida de um moleque de cinco anos. A raiva é tanta que eu não consigo falar. Só consigo olhar pra ele, pra ela, pra aquele segurança filho da p**a. A minha máscara caiu? O menino quebrou nosso acordo? E agora, a merda tá feita. E eu sei, no fundo, que a culpa é toda minha.
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