A luz amarelada do abajur iluminava o pequeno apartamento de Lia, destacando as pilhas de papéis desorganizados sobre a mesa. Currículos amassados, listas de empregos cortados de jornais, e uma caneca de café frio formavam o retrato perfeito de sua situação. O espaço apertado refletia o peso que ela sentia no peito: o aluguel estava atrasado, a geladeira quase vazia, e a conta de luz ameaçava ser cortada a qualquer momento.
Lia suspirou, passando os dedos pelo cabelo preso de qualquer jeito em um coque. Seus olhos ardiam de cansaço, mas desistir não era uma opção. Com o último currículo impresso à sua frente, ela revisava cada detalhe, mesmo sabendo que a maioria das respostas dos empregadores era um “não” educado ou, pior, o silêncio absoluto.
A cidade já dormia, mas Lia continuava. O relógio marcava quase meia-noite quando seu celular vibrou, interrompendo o silêncio do apartamento. Ela franziu a testa. Não esperava nenhuma ligação àquela hora. Pegou o aparelho hesitante, observando o número desconhecido piscando na tela.
— Alô? — Sua voz saiu baixa, quase temerosa.
Uma pausa estranha antecedeu a resposta. A voz masculina do outro lado era firme, mas sem emoção:
— Boa noite, senhorita Lia. Recebemos seu currículo para a vaga de babá. Estamos interessados em uma entrevista amanhã, às nove horas. O endereço será enviado por mensagem.
Ela ficou em silêncio por um momento, surpresa. Não se lembrava de ter enviado um currículo para aquela vaga em específico. Ainda assim, precisava do emprego.
— Claro. Eu estarei lá. Obrigada.
A ligação terminou abruptamente, sem qualquer saudação ou explicação adicional. Lia encarou o celular por alguns instantes, o desconforto misturando-se à esperança. Era estranho, mas o que ela tinha a perder?
Colocando o celular de lado, ela se jogou no colchão, tentando afastar os pensamentos. Amanhã seria um dia importante, e, mesmo com o estranho pressentimento que a rondava, Lia não tinha outra escolha a não ser seguir em frente.
Na manhã seguinte, Lia estava diante do portão de ferro n***o da mansão, seus detalhes ornamentados pareciam intimidadores à luz do sol. Um dos seguranças a observava com expressão séria enquanto falava algo no rádio, e ela cruzou os braços, balançando o pé no chão impacientemente.
— Vocês vão me deixar entrar ou devo acampar aqui fora? — Lia disparou, com uma sobrancelha arqueada.
O segurança não respondeu de imediato, mas deu um passo para trás, abrindo o portão lentamente. Lia soltou um suspiro exasperado, ajeitando sua bolsa no ombro enquanto adentrava o terreno com passos decididos.
Por dentro, a mansão era luxuosa, mas fria. Lustres de cristal pendiam do teto alto, e os pisos brilhantes pareciam refletir sua figura de forma exagerada. Tudo era impecável, mas também carregava um ar de vazio, como se ali faltasse vida.
Antes que pudesse explorar o ambiente, a governanta apareceu e a conduziu até uma sala de estar ampla, decorada em tons escuros. Lia, com seu vestido simples e expressão desafiadora, parecia deslocada naquele espaço, mas manteve a postura firme. Ela não estava ali para ser intimidada.
Então, Dante Moretti entrou. Sua presença era esmagadora: alto, de cabelos negros perfeitamente penteados para trás, e olhos afiados que pareciam analisar cada detalhe dela. Ele usava um terno impecável, mas o ar de arrogância era o que mais se destacava.
— Você deve ser Lia. — Sua voz era grave, mas havia algo cortante nela, como se não esperasse nada além de obediência.
— Sou. E você deve ser o homem que acha que intimidar as pessoas com seguranças na porta é um bom jeito de receber alguém. — Ela rebateu, mantendo o queixo erguido.
Dante arqueou uma sobrancelha, surpreso pela resposta. As pessoas geralmente se calavam em sua presença, mas ela parecia alheia à sua autoridade. Ele caminhou até a poltrona de couro próximo à lareira, sentando-se como se fosse o dono do mundo — e, de certa forma, ele era.
— Sou um homem ocupado, senhorita Lia. Gosto de objetividade. Vamos ao que interessa. — Ele cruzou as pernas, os dedos tamborilando no braço da poltrona.
— Que conveniente, porque também sou objetiva. — Lia sentou-se sem esperar permissão, cruzando as pernas e encarando-o com firmeza. — Você precisa de uma babá, e eu sou qualificada. Mas vou deixar claro: se espera que eu atenda às suas ordens como uma marionete, pode riscar meu nome da sua lista.
Dante a encarou por alguns segundos, o silêncio entre eles era quase palpável. Então, um sorriso torto surgiu em seu rosto. Era um sorriso que não transmitia simpatia, mas algo entre desafio e curiosidade.
— Interessante. — Ele se inclinou levemente para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Eu só espero que sua “objetividade” inclua seguir as regras desta casa.
— Desde que suas regras não interfiram no meu trabalho com o seu filho, não vejo problema. — Ela deu de ombros, mas seu tom ainda era firme.
Nesse momento, um garotinho entrou na sala, correndo com um sorriso brilhante no rosto. Diego, com seus cabelos escuros bagunçados e olhos inocentes, era uma figura encantadora. Assim que viu Dante, o menino correu para ele, e o mafioso, que até então parecia uma muralha de frieza, se suavizou completamente.
— Papai! — Diego exclamou, abraçando as pernas de Dante.
Dante o ergueu com facilidade, os traços rígidos se transformando em algo quase irreconhecível: puro afeto. Ele apertou o menino contra o peito e bagunçou seus cabelos de leve, o sorriso agora genuíno.
Lia observou a cena em silêncio, surpresa com a mudança repentina no comportamento dele. Era quase impossível associar aquele homem amoroso e pai com o sujeito arrogante de segundos atrás.
— Diego, essa é a senhorita Lia. Ela vai cuidar de você enquanto eu estiver fora. — Dante disse, a voz mais suave ao falar com o filho.
Diego olhou para Lia com curiosidade e, em seguida, sorriu timidamente. Ela não resistiu ao charme do garoto e sorriu de volta, sentindo uma conexão imediata.
— Oi, Diego. Vou cuidar muito bem de você. — Lia disse, sua voz agora doce e acolhedora.
Dante observou a interação com atenção, a expressão se fechando novamente quando seus olhos recaíram sobre Lia. Algo nele parecia incomodado, embora não fosse claro o quê.
— Espero que esteja à altura do trabalho, senhorita Lia. Aqui, não toleramos erros. — Ele disse, seco, antes de se levantar com Diego nos braços e sair da sala, deixando-a sozinha.
Lia o acompanhou com o olhar, sentindo uma mistura de raiva e curiosidade. Quem, afinal, era aquele homem?
Após a conversa inicial, Lia foi informada pela governanta que começaria naquela mesma noite. A ideia de passar a noite em uma casa tão opulenta, mas cheia de regras, a deixou inquieta. Enquanto arrumava suas coisas rapidamente no apartamento, ela não conseguiu evitar que pensamentos contraditórios surgissem.
De um lado, havia Diego, um menino doce e cheio de energia que parecia precisar de alguém atencioso. Do outro, havia Dante, cujo tom arrogante e controle opressor a deixavam incrédula. Ela só conseguia pensar em quanto nojo tinha de um ser tão metido.
— Ele acha que pode me tratar que nem uma v***a só porque tem dinheiro. — murmurou enquanto dobrava uma troca de roupa. — Pois bem, vamos ver quem sai por cima.
Mesmo dizendo isso para si mesma, um calafrio subia pela espinha ao lembrar da intensidade nos olhos de Dante. Havia algo nele que fazia sua mente se dividir entre querer provar que ele não a intimidava e uma sensação inexplicável de desconforto.
Ao retornar à mansão, Lia foi guiada a um quarto destinado a ela, simples, mas ainda mais luxuoso do que qualquer coisa que já tivera em sua vida. Tentando se ambientar, ela organizou suas poucas coisas e decidiu explorar a casa um pouco mais.
Na calada da noite, a casa estava silenciosa. Diego já estava dormindo, e Lia finalmente teve um momento de descanso. O garoto era tão falante e cheio de energia que Lia estava esgotada, mesmo que o serviço não fosse pesado. Contudo, ao sair para pegar um copo d’água na cozinha, ela ouviu vozes abafadas vindas de um dos escritórios.
Movida pela curiosidade e pelo tom intenso da conversa, ela se aproximou lentamente, os pés descalços para não fazer barulho. A porta estava entreaberta, e as palavras de Dante chegaram até ela.
— Se ele acha que pode me passar para trás, está muito enganado. Eu dou as ordens aqui, não interessa quem ele é. — Dante falava com firmeza, mas havia um tom perigoso em sua voz, algo que fazia o estômago de Lia revirar.
— Mas não podemos arriscar chamar atenção agora, Dante. Não com o garoto aqui. — outra voz respondeu, soando mais nervosa.
Lia prendeu a respiração. “O garoto”? Eles estavam falando de Diego? Ela tentou se aproximar mais, mas a madeira rangeu sob seus pés, interrompendo a conversa abruptamente.
— Quem está aí? — a voz de Dante cortou o silêncio como uma faca.
Lia congelou. Pensou em correr, mas sabia que seria pior. Engolindo em seco, empurrou a porta lentamente e colocou apenas a cabeça para dentro, tentando parecer casual.
— Desculpa, eu... estava procurando água. Não queria interromper.
Os olhos de Dante se estreitaram enquanto ele a avaliava com intensidade, mas seus traços endurecidos suavizaram ligeiramente, talvez pelo fato de ela não parecer intimidada.
— Este é o escritório, não a cozinha. Certifique-se de não se perder na casa novamente. — disse, seco, mas havia um tom de provocação em sua voz.
— Claro. Vou fazer o possível para não atrapalhar suas reuniões “importantes”. — Lia respondeu, erguendo as sobrancelhas e cruzando os braços.
A tensão no ar era palpável, mas Dante simplesmente indicou a saída com a cabeça, ignorando o outro homem na sala. Enquanto Lia se afastava, podia sentir o olhar dele queimando em suas costas.