Quando Lia chegou ao pequeno apartamento onde morava, a luz da sala já estava acesa, e o cheiro familiar de café fresco tomou conta do ambiente. Sua amiga e colega de quarto, Camila, estava sentada no sofá, enrolada em uma manta, com um livro aberto no colo. Assim que ouviu a porta se abrir, Camila levantou os olhos, percebendo imediatamente a expressão carregada no rosto de Lia.
— Você está com uma cara... pesada. O primeiro dia foi tão r**m assim? — Camila perguntou, colocando o livro de lado e se ajeitando no sofá.
Lia largou a bolsa na cadeira mais próxima, soltando um suspiro enquanto afrouxava os sapatos. — r**m é pouco. Você não tem ideia.
Ela caminhou até a cozinha e pegou um copo de água, bebendo de uma vez antes de continuar. — O lugar é incrível, claro, uma mansão gigantesca e toda aquela ostentação... Mas o chefe... Nossa, o chefe é insuportável.
Camila sorriu de canto, já imaginando o tipo. — Rico, arrogante e acha que pode pisar em todo mundo?
— Exatamente isso! — Lia respondeu, jogando-se ao lado dela no sofá. — Ele fala comigo como se eu fosse... Sei lá, descartável. Um comentário atrás do outro, tentando me diminuir ou me intimidar. Mas, ao mesmo tempo, ele é tão... — Lia parou, franzindo a testa.
— Tão o quê? — Camila a incentivou, curiosa.
— Não sei explicar. Ele tem um jeito que irrita, mas também... Ele é protetor com o filho. Dá pra ver que Diego é tudo pra ele. — Lia apoiou a cabeça no encosto do sofá, encarando o teto. — Acho que é isso que me deixa dividida. Não é só o chefe arrogante. Tem algo mais nele.
Camila riu suavemente e colocou uma mão no ombro de Lia. — Olha, você está lidando com um cara que, claramente, gosta de sentir que tem controle. Homens assim têm o ego maior do que a própria mansão. Mas sabe o que eu acho? Ele está te testando.
— Me testando? — Lia franziu o cenho, erguendo a cabeça.
— Sim. Ele quer ver se você vai ceder. Se vai abaixar a cabeça e aceitar as provocações. Mas, conhecendo você, ele vai é perder feio. — Camila piscou, tentando aliviar o humor da amiga.
Lia riu, mesmo que um pouco sem vontade. — Ele vai mesmo. Não sou de abaixar a cabeça pra ninguém, mas... Não vou mentir, Mila. Foi difícil.
— Claro que foi. Tudo é difícil no começo. Você acabou de entrar no mundo dele, nas regras dele. É só o início. As coisas vão se ajustar, Lia. E se não ajustarem, você faz isso acontecer.
Camila tinha um jeito natural de transmitir confiança, e suas palavras fizeram Lia se sentir menos sobrecarregada. Ela fechou os olhos por um instante, absorvendo a tranquilidade daquele momento.
— Obrigada, Mila... Eu precisava ouvir isso. — Lia abriu um sorriso leve, mesmo que ainda carregasse alguma preocupação no peito.
— Sempre aqui por você. Agora, vai descansar. Amanhã, você vai enfrentar aquele Idioter de novo, e aposto que ele não vai saber o que o atingiu.
Lia riu e se levantou, indo para o quarto. No fundo, sabia que Camila estava certa. Era só o começo, mas algo dentro dela dizia que os dias na mansão Moretti seriam muito mais complicados do que ela podia imaginar.
A noite estava fria e silenciosa enquanto Lia caminhava pela calçada rumo ao trabalho. O céu estava sem estrelas, e a iluminação pública parecia insuficiente, criando sombras longas e distorcidas pelas árvores à beira da rua. A mochila pesava em seu ombro, mas não tanto quanto a inquietação que sentia no peito.
Por um momento, ela parou para ajustar o casaco e olhou ao redor. A rua estava deserta, mas uma sensação incômoda a fez franzir o cenho. Era como se estivesse sendo observada.
— Tá vendo coisa onde não tem, Lia. — murmurou para si mesma, balançando a cabeça enquanto retomava o passo.
Mesmo assim, seus olhos se moviam rapidamente, buscando alguma explicação para o desconforto. Foi então que, ao virar a esquina, quase tropeçou em um homem que vinha na direção oposta.
— Ei, cuidado! — Lia exclamou, recuando um passo.
O homem, vestido com um casaco escuro e capuz, nem sequer se desculpou. Apenas lançou um olhar rápido e seguiu adiante, as mãos escondidas nos bolsos. Lia sentiu um arrepio estranho, mas sacudiu a cabeça, tentando afastar o desconforto.
Quando finalmente chegou ao portão da mansão, virou-se uma última vez para olhar para a rua atrás de si. Estava deserta, como antes, mas a sensação de que havia algo fora do lugar não desaparecia.
Dentro da mansão, as sombras pareciam ainda mais densas, e Lia não sabia dizer se era a tensão da nova experiência ou algo mais que a deixava tão alerta.
Assim que Lia tocou a campainha da mansão, a grande porta de madeira foi aberta quase de imediato. Diego apareceu no vão, o rosto iluminado por um sorriso animado.
— Lia! Você voltou! — ele exclamou, a alegria em sua voz fazendo o peso no peito dela diminuir por um instante.
— Claro que voltei. Prometi que ia cuidar de você, não foi? — Lia respondeu com um sorriso, inclinando-se para ficar na altura do garoto.
Diego segurou sua mão, puxando-a com entusiasmo para dentro da casa. — Vem, quero te mostrar meus brinquedos antes do jantar!
Lia m*l teve tempo de largar a mochila perto da entrada antes de ser guiada para uma sala repleta de prateleiras com livros, jogos e carrinhos. Apesar de a casa parecer fria e intimidadora, aquele espaço era um refúgio aconchegante, cheio de cor e vida.
Eles passaram a tarde jogando e construindo prédios de centenas de peças que o garoto amava. Diego era uma criança curiosa, cheia de energia, e Lia não pôde deixar de se encantar com sua criatividade. Mas, enquanto brincavam, ela percebeu que o garoto tinha uma certa maturidade em seus comentários, algo que parecia além de sua idade.
— Você é bem esperto, sabia? Aposto que é o orgulho do seu pai. — Lia comentou, encaixando uma escadinha na casa.
Diego parou por um momento, segurando um dos carrinhos nas mãos. Seu semblante mudou, e ele olhou para baixo antes de responder. — Meu pai gosta de mim, mas ele é... complicado.
Lia franziu o cenho, intrigada com o tom sério do menino. — Como assim, complicado?
Diego deu de ombros, evitando seu olhar. — Ele tem muitos segredos. E às vezes fala com gente estranha.
Aquelas palavras fizeram o coração de Lia acelerar levemente. Ela tentou não demonstrar sua inquietação, mantendo o tom casual. — Gente estranha? Tipo quem?
Diego hesitou, como se estivesse tentando decidir o que podia ou não dizer. Por fim, apenas balançou a cabeça e voltou a brincar com os carrinhos. — Não sei. Só sei que você é diferente.
— Diferente? — Lia perguntou, sorrindo, embora sentisse uma ponta de desconforto.
— É. Você não parece ter medo dele. Todo mundo tem medo do meu pai.
Lia ficou sem palavras por um instante. A sinceridade de Diego era desarmante, mas ao mesmo tempo levantava mais perguntas. Antes que pudesse responder, o som de passos ao longe chamou a atenção dos dois.
— Deve ser a governanta chamando para o jantar. Vamos? — Lia sugeriu, tentando mudar o clima da conversa.
Diego concordou, mas a curiosidade agora ardia na mente de Lia. O que mais aquele menino sabia que ela ainda não tinha descoberto?