Pré-visualização gratuita cap 01 meu primeiro dia
Atena narrando . . .
Hoje é minha primeira vez no postinho, numa das favelas do Rio de Janeiro.
Se estou nervosa? Como não estar?
Entro no ônibus e logo desço no Vidigal. Aperto a alça da minha bolsa, buscando forças. Subo o morro, atenta a tudo.
Vejo pessoas saindo para trabalhar, crianças indo para a escola… bastante movimento. Um garoto, que parece ter a minha idade, passa com uma arma na cintura e um rádio na mão. Ele me encara.
Abaixo a cabeça e sigo em frente. Chego ao postinho 24h, falo com a moça da recepção, peço algumas informações e vou para uma sala restrita, só para funcionários.
Guardo a bolsa no armário e coloco o crachá. Hoje, fico na emergência.
Carla: Oi! — dei um sorriso tímido. — Meu nome é Carla. Você é novata?
Atena: Sim. Sou Atena.
Carla: Humm… ok, deusa grega — riu. — Parece que vou ter que te mostrar como as coisas funcionam por aqui.
Ela me apresenta tudo. Apesar de ser uma unidade pública, é bem cuidada… tirando a má organização e a falta de funcionários pra tanta demanda.
Uma médica chamou a Carla pra fazer um exame de rotina em uma paciente, e acabei ficando sozinha na emergência.
Tudo corria bem. Carla voltou e estávamos dando conta.
De repente, fogos estouram, seguidos de rajadas de tiros. Olhei assustada para a Carla.
Carla: Deve ser invasão… nesses dias, o postinho vira um caos.
Os tiros não paravam. Depois de horas, cessaram, e a emergência lotou de feridos — a maioria, segundo a Carla, envolvida no crime.
??: CADÊ A p***a DE UM MÉDICO NESSA c*****o?! — silêncio geral. — ENFIARAM A LÍNGUA NO CU, p***a?
Ele me olhou direto.
??: Você… chega aí. — ajeitou o fuzil nas costas.
Fiquei parada.
Carla: Vai, Atena… pior pra você.
??: Qual foi? Tá esperando comunicado por escrito?
Fui até ele, e ele segurou meu braço.
??: Pega os bagulhos aí, tu vai atender um paciente em casa.
Atena: O quê?!
??: Vai logo, p***a… não tenho o dia todo.
Atena: Eu sou enfermeira, não médica!
??: Tanto faz… é tudo a mesma merda. Anda logo!
Peguei um kit de socorro e mais algumas coisas. Ele me arrastou pra fora e me jogou num carro. Partimos.
Paramos numa casa simples. Entramos. No sofá, um cara sangrando na perna, com o braço enrolado numa blusa encharcada de sangue.
Fiquei olhando, meio em choque.
??: Ô praga…
Voltei à vida e fui até ele.
Atena: A bala tá alojada? — perguntei.
Ferido: O que você acha? — respondeu fraco, mas com arrogância.
Atena: Precisa de anestesia… só tem no posto. — olhei pro brutamonte que me trouxe.
Ferido: Não! Eu aguento.
Atena: Ok… pega um pano, por favor.
Uma senhora trouxe.
Atena: Morde isso.
Ele resistiu, mas pegou e mordeu.
Sem os instrumentos ideais, tive que improvisar. Achei melhor usar uma pinça.
Limpei o local com soro e algodão, e comecei o trabalho. Ele gemia, suava, mas aguentava.
Puxei a bala e coloquei numa bandeja.
Fiz compressa por uns dez minutos até estancar o sangue.
Limpei, dei alguns pontos, passei remédio e enfaixei. Fiz o mesmo com a perna — era só de raspão.
Organizei tudo e pedi uma sacola pra descartar o material.
Ele me encarava.
Ferido: Valeu mesmo… teu nome?
Atena: Atena. — respondi firme.
Ferido: Pode me chamar de Neurótico. Pega lá o bagulho, Gordão. — disse pro cara que me trouxe.
Gordão: Aê, chefe… — entregou um tijolo de dinheiro.
Neurótico: Mandou bem… sem caô. Essa grana é tua. — me entregou.
Fiquei em choque e neguei.
Neurótico: Coé? Vai amarelar? Pega logo essa p***a!
Peguei, trêmula.
Atena: Se piorar, vá ao postinho.
Neurótico: Eu te chamo lá…
Assenti.
Saí, com o "Gordão" atrás — que de gordo não tinha nada.
Incrível… meu primeiro dia e já passo por tudo isso.
Depois, fui digerir a situação e percebi como aquele traficante era… bonito. Mas ainda assim, um TRAFICANTE.
Ele parou o carro no postinho e eu desci. Dei de cara com a Carla.
Carla: Você tá bem?
Assenti.
Gabriel: Ocorreu tudo bem? — o diretor.
Atena: Sim… ferimento no braço e perna, só de raspão. Usei pinça, sem anestesia. — eles fizeram cara feia. — Ele se recusou a vir.
Gabriel: Entendi… você fez o seu trabalho. Parabéns pela calma.
Atena: Obrigada.
Fui pra sala e guardei o dinheiro no armário.
Carla: Atena?
Atena: Oi?
Carla: O pessoal vai no barzinho da laje hoje… eu sei que o dia foi puxado, mas se quiser ir…
Atena: Tudo bem… eu vou.