Cap. 7: Rumo a Kaleu.
Miliane.
Eu não me importava se meus pés estavam machucando nas raízes, ou se às vezes desequilibrava quando tentava acelerar podendo até mesmo cair, essa era a liberdade que eu queria enquanto meu cabelo esvoaçava agressivamente ao mesmo tempo que o vento parecia querer agredir meu rosto, já fazia tanto tempo que não saía.
Mas o que eu queria na verdade, de verdade mesmo… era encontrar ele naquele lugar estranho e abandonado, ou talvez… não tão abandonado assim.
Parece que esse lugar mudou muito, a casa tinha passado por reformas e as madeiras estavam restauradas, apesar de sua cor e aspecto rústico, parecia estar mais aconchegante do que antes, já que até um tempo atrás até mesmo as janelas estavam quebradas e algumas madeiras velhas.
Não me importo se os troncos ainda estão ali marcando o limite onde posso pisar, passo pela área e me aproximo do quintal aberto, a fogueira recém-apagada acende as minhas memórias da última vez que estive aqui, não teve um dia que eu não tivesse pensado o que teria acontecido se eu tivesse vindo a esse lugar no dia seguinte, qual seria minha vida, mas isso já não importa mais, eu mesma posso decidir sobre a minha vida.
Continuei observando tudo ao redor, ele parecia não estar ali, a janela de vidro tinha seus vidros trocados, eu sei que sim porque posso ver do outro lado um pouco do que há lá dentro, se eu comprimir os olhos e tentar ver através da cortina consigo até ver a lareira no centro da parede.
— Que diabos é isso? — ouvi a voz que me fez petrificar, suspirei aliviada por um segundo por reconhecer ser a voz dele, mas não tive coragem de me virar, não ainda, meu coração parece que vai sair pela garganta com o medo crescente. — Se vire! — a voz dele ecoa com força em meu ouvido, a voz de meu pai Vando era firme, mas a dele era ainda pior, parecia que trazia consigo um peso de autoridade medonha.
Me virei com dificuldade ainda com as pernas travadas pelo medo, eu não estava pronta para olhar para ele, por que corri sem pensar?
Meu peito subia e descia agressivamente quando parei de frente a ele, mantendo as pálpebras apertadas sem conseguir o encarar, o silêncio se instalou, então abro os olhos lentamente e a imagem dele se forma diante dos meus olhos, em vez de curativos, ele agora usava um tapa-olho e por baixo dele descia a linha de uma cicatriz que descia de sua sobrancelha até a metade da bochecha, mas suas feições eram marcantes de seu cabelo m*l crescido são lisos e negros como a noite, eu poderia o observar mais, mas ele estava com uma arma sacada em minha direção e seu olhar me encarando outrora com determinação agora demonstrava curiosidade.
— Você… é aquela menina muda? Mas que merda, pensei que estava livre de você! — ele asseverou guardando a arma. — Mas vejo que está viva, então volte de onde você veio! — ele disse de forma severa demonstrando mau humor em seguida me dando as costas seguindo em direção contrária à minha para se afastar.
Bom… pensei em uma reação diferente, não amigável, mas diferente dessa, quem sabe… um “que bom que você está bem”, ou “olá”! Mas está tudo bem, ele não me conhece e nem eu conheço ele.
A verdade é que… depois que vi o quanto as pessoas o temem, eu pensei que seria alguém de quem eu deveria me aproximar, para me proteger.
— Kaleu! — gritei e ele petrificou no mesmo lugar. Eu só queria mostrar que estava falando, mas chamar seu nome lhe causou uma reação mais digna do que quando ele me viu. Ele me encarou surpreso, mas continuava com aquele maldito olhar sério e frio. — Pensei que não ficaria surpreso, afinal eu tinha confirmado suas perguntas e pensei que tinha entendido que minha condição não era de nascença. — eu disse e ele continuou parado me encarando com surpresa.
— Não importa… — ele disse com calma e frieza. — Além disso, não me chame mais. Eu disse meu nome apenas por não saber falar, agora que sabe, suma, se voce se atrever pronunciar meu nome de novo, eu não vou ter pena, ainda mais agora que não estarei mais matando uma criança.
— Kaleu, não está curioso para saber o que estou fazendo aqui? Não quer saber por que desapareci? — perguntei animada ignorando sua ameaça, saltitando em direção a ele, que se afastou de forma precavida.
Ele parecia ter mais medo de mim do que eu dele, eu sei que não preciso sentir medo dele.
— Não fale comigo, não se aproxime, ou eu vou fazer seu corpo desaparecer em qualquer buraco nessa floresta.
— Não seria… me jogar na estrada como fez com aqueles três homens?
— Ah... e voce acha que foram so tres homens? — ele perguntou com um sorriso leviano se formando em seus labios, isso me fez ter calafrios.
— EntÂo eles sabem so do que voce quer que eles saibam? — perguntei mas ele deu de ombros me ignorando. — Você parece ser um homem bem perigoso. — comentei com indiferença.
— E você uma menina bem burra! Por que você acha que aqueles homens morreram? — ele perguntou de forma repentina, se aproximando de mim como se fosse me atacar. Eu não pronunciei um ai. — Eles morreram porque fizeram o mesmo que você. — ele respondeu como um sopro.
— Hum! — dei de ombros indiferente. — Eu já ultrapassei isso várias e várias vezes e nunca morri, não vai ser agora.
— O que há de errado com essa menina. — ele murmurou irritado, recuando novamente e me dando as costas.
— Eles me prenderam! — anunciei em alta voz quando ele já estava a alguns metros. — Estive presa por todo esse tempo e hoje eu consegui sair e… vim aqui te visitar.
— Por que aqui? — ele perguntou novamente, se virando para me encarar.
— Porque eu não tenho medo do perigo, eu posso enfrentar tudo! — digo com convicção e ironia.
— Que explicação furada! — ele asseverou.
— Kaleu! Kaleu! — gritei na empolgação, correndo atrás dele.
E ouvi um barulho que me fez ter a sensação de que levei um golpe. Caí com força no chão, o impacto surdo do meu corpo contra as raízes me tirando o fôlego com o barulho estridente do tiro.