Capítulo 6

1730 Palavras
Pietro Mancini O cigarro queimava entre meus dedos, mas eu nem percebia. Olhava fixo para a tela do celular, para aquela maldita foto que um dos rapazes da segurança da universidade havia enviado mais cedo. Sofia. Ela estava saindo da universidade de mãos dadas com Giovanni De Santis. Sorrindo. Sorrindo, como se aquele desgraçado tivesse o direito de ver qualquer coisa que se parecesse com felicidade no rosto dela. A mandíbula travou. Respiração pesada. O sangue pulsando nas têmporas. Eu não sabia se queria quebrar o celular, matar Giovanni ou... — Você viu isso, né? — A voz de Luca invadiu o escritório como uma lâmina. Leve. Insolente. Preguiçosa. Mas o tom dele carregava mais. Algo que nem ele conseguia disfarçar. Não respondi. Só joguei o celular sobre a mesa de mármore, com força suficiente pra ouvir o estalo do impacto, mas não o bastante pra quebrar. Ainda. Luca caminhou até o bar no canto da sala, serviu uma dose de uísque, apoiou o quadril no balcão e ficou me olhando. — Eu sabia. — Disse, girando o copo nos dedos. — Sabia que, uma hora ou outra, ela ia cansar de ser nosso brinquedo esquecido e procurar diversão em outro lugar. Meu punho fechou. — Cuidado com as palavras. — Por quê? Vai fazer o quê, Pietro? Me bater? — Ele deu um sorriso cínico, aquele maldito sorriso que sempre me fez querer quebrar os dentes dele desde que éramos moleques. — Ou vai fingir que isso não te incomoda? Levantei, devagar. Meus passos ecoaram no piso de mármore enquanto eu me aproximava dele. — Isso não é diversão, Luca. Não é jogo. — Não? — Ele deu um gole. — Porque parece exatamente isso. Ela tá jogando com a gente. E jogando muito bem, por sinal. O olhar dele endureceu por uma fração de segundo. Só uma fração. Mas eu vi. — Ela não tem ideia do que está fazendo. — Minha voz saiu mais baixa, mais perigosa. — Esse idiota... esse merda do Giovanni acha que pode encostar nela, sorrir pra ela, olhar pra ela como se tivesse direito a alguma coisa? Luca pousou o copo, cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha. — Engraçado, Pietro... — o tom ficou mais cortante — você fala dele... mas não fala dela. Silêncio. Meu maxilar doía de tanto apertar os dentes. E Luca percebeu. Claro que percebeu. — Você está surtando porque, pela primeira vez na vida, ela não tá girando na nossa órbita. Não está te olhando esperando aprovação. Não está pendurada nas migalhas da sua atenção, irmão. — Ele sorriu, venenoso. — E isso te destrói, não é? Avancei. Prendi Luca pela gola da camisa, empurrei contra o balcão. — Cala essa boca antes que eu te cale — rosnei, tão perto dele que podia sentir o cheiro do uísque misturado ao perfume dele. Ele não recuou. Nunca recua. É meu irmão, tão prepotente e altivo quanto eu. E é isso que me irrita mais nele. — Ah, tente me calar, então. Porque estou cansado, Pietro. Cansado de fingir que não percebo. — Ele sorriu, mas agora não havia humor. Só raiva. Raiva e algo mais sujo, mais obscuro. — Você a quer tanto quanto eu. Tanto quanto aquele bastardo do Giovanni. E sabe o que é pior? Você finge que não. Vocês eram tão próximos quando ela chegou aqui, não sei o que mudou, mas se quer continuar bancando o durão, deixe o caminho livre para mim. Soltei. Com força. Luca ajeitou a camisa, deu dois passos pra trás, e a expressão mudou. Ficou mais neutra. Mais fria. — Você acha que tá irritado com ela. — Disse, olhando nos meus olhos. — Mas, na verdade, está irritado com você mesmo. Porque, no fundo, você sabe que a quer. E sei lá porque acha que não devia. Fiquei imóvel. Travado. O peito subindo e descendo rápido demais. — E sabe o que mais, irmão? — Ele girou nos calcanhares, já indo em direção à porta. — Eu também quero. E, agora que ela abriu o jogo... — virou-se, sorrindo de canto — que vença o melhor. A porta bateu atrás dele. E, por um segundo... só por um segundo, eu precisei me apoiar na beira da mesa pra não perder o controle. Porque Luca estava certo. ... Desci as escadas com passos controlados, mantendo a postura rígida, como se isso fosse suficiente pra segurar o caos que fervia por dentro. A discussão com Luca ainda latejava no fundo da mente, como uma ferida que eu não sabia mais se queria curar... ou aprofundar. Cada degrau parecia mais pesado que o anterior. E, ainda assim, não parei. No fundo, eu sabia o motivo. Fingir que não... não mudava nada. A mão apertou o corrimão com mais força do que precisava, os nós dos dedos estalando, denunciando a tensão que eu tentava disfarçar até de mim mesmo. Não podia estar fazendo isso. Não podia... sentindo isso. Era inaceitável. Irracional. Doentio. Ela não era minha. Nunca foi e não deveria ser. O problema era que meu corpo... meu peito... meu instinto inteiro parecia ter esquecido disso. Cruzei o hall e parei bem na frente da porta, olhando através dos vidros altos que emolduravam a entrada da mansão. Me apoiei na moldura, os braços cruzados, a respiração pesada, mas controlada, porque homens como eu não perdem o controle. Pelo menos, não na frente dos outros. O portão eletrônico começou a se abrir, aquele barulho metálico cortando o silêncio do jardim como uma lâmina. E foi nesse exato momento que eu sou soube que nada do que eu dissesse pra mim mesmo funcionava. Porque, assim que o carro cruzou o caminho de pedras e estacionou, o meu corpo inteiro reagiu. A porta abriu, e Sofia desceu. O vestido curto, o cabelo solto balançando com o vento, os olhos carregando aquele olhar que sempre me destruiu. Não porque ela era frágil, mas porque ela nunca foi. Porque, mesmo quebrada, ela sempre caminhou como se não devesse nada a ninguém. E, logo atrás... Giovanni, na cola dela. A mão dele pousada com naturalidade nas costas dela fez meu estômago revirar de imediato. Aquilo era mais do que provocação. Mais do que desrespeito. Era um lembrete. Um lembrete de que ela não estava mais disponível. Não do jeito que eu... que a gente estava acostumado. Respirei fundo, obrigando os músculos a não reagirem. Eles caminharam até a entrada como se tudo aquilo fosse normal. Como se ela não estivesse, naquele exato instante, me destruindo só por existir. — Curioso — minha voz saiu grave, firme, mas perfeitamente polida —… não achei que a mansão dos Mancini fosse motel. O que ele faz aqui, Sofia? Sofia parou no mesmo instante. Virou-se devagar, como quem mede cada movimento, e, por mais que tentasse disfarçar, havia um brilho nos olhos dela que não era só desafio. Era mágoa. Orgulho ferido. E uma porção considerável de provocação também. — Não tenho tempo pra isso, Pietro. — A voz dela veio seca, cortante. — Vim falar com meu pai. Me aproximei, os passos firmes, sem desviar os olhos dos dela. — Ah... com o MEU pai? — Inclinei levemente a cabeça, deixando a ironia escorrer nas palavras. — E trouxe um acompanhante pra garantir que não se perca no caminho? Ela apertou a bolsa contra o corpo, cruzou os braços, e o queixo subiu, desafiando-me. — Eu trouxe quem eu quis. E, sinceramente, isso não é problema seu. Giovanni deu um meio sorriso, lento, provocante, daquele tipo que parecia ensaiado a vida inteira. — Você ouviu, Pietro. — Ele cruzou os braços, inclinando o corpo levemente, como quem se sente confortável onde não foi chamado. — Acho que você devia começar a entender que não manda em tudo. Meu olhar deslizou dele de volta pra ela, e naquele segundo eu tive certeza de que, se ele não calasse a boca, eu perderia completamente a linha. — Engraçado... — falei, ajustando minha jaqueta nos ombros, mantendo a expressão impassível. — Mas sabe, quem não sabe exatamente onde pisa... geralmente afunda rápido por aqui. Ele segurou o maxilar, o sorriso morrendo na boca, e, por um segundo, vi o sangue ferver nos olhos dele. Sofia respirou fundo. — Vocês são patéticos. — Ela balançou a cabeça, a voz carregada de desprezo. — Dois homens brigando como crianças. E, adivinha? Nenhum dos dois me impressiona. Me aproximei ainda mais. O suficiente pra que minha voz chegasse só até ela. — Isso não tem nada a ver com te impressionar, Sofia. — Falei tão baixo que soou mais como uma ameaça. — Isso tem a ver com você entender, de uma vez, até onde você pode ir... antes de se queimar. Ela não recuou. — E você devia entender que eu já aprendi a brincar com fogo, Pietro. E, se você acha que me assusta… — Ela arqueou uma sobrancelha. —... você realmente não me conhece. O ar parecia mais pesado. Denso. O espaço entre nós virou um campo de guerra onde ninguém recuava, ninguém cedia. — Nossa… eu amo quando vocês fazem isso. — Lucadesceu os degraus devagar, as mãos nos bolsos, o sorriso desenhado no rosto, mas o olhar carregado daquele mesmo incômodo que ele nunca admitiria. — Sério, é melhor que qualquer filme. Ele olhou pra mim, depois pra Giovanni, e finalmente pra Sofia, passando os olhos lentamente, como quem analisa uma cena que sabe que vai explodir a qualquer segundo. — Você trouxe um convidado, princesa. E nem avisou... estou decepcionado. — Você parece sentir o cheiro de confusão, Luca — Giovanni rebateu, seco, cruzando os braços. — E você... — Luca sorriu, afiado. — Está com essa mania de querer o que não te pertence. Antes que Giovanni respondesse, o som da porta do escritório se abrindo ecoou. E então a voz que fazia qualquer um calar surgiu. — Chega! Giorgio, meu pai, surgiu no topo da escada, a presença tão pesada que parecia moldar o ar em volta. A postura imponente, as mãos cruzadas nas costas, e aquele olhar que não permitia resposta. — Sofia e o convidado. No meu escritório. Agora. Sofia ajeitou a bolsa no ombro, passou direto, sem nem olhar pra mim, nem pra Luca. O perfume dela ficou no ar, junto com tudo que eu não podia, e não devia, sentir.
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