Capítulo 7

1336 Palavras
Sofia Valente O som da porta se fechando atrás de mim parecia mais alto do que deveria. Como se, naquele segundo, tudo o que ficou do lado de fora não existisse mais. Nem Pietro. Nem Luca. A sala era exatamente como sempre foi. Escura. Imponente. Cheia daquele cheiro forte de couro, madeira e... poder. Giorgio estava sentado na poltrona atrás da mesa, os cotovelos apoiados, as mãos entrelaçadas, os olhos fixos em mim. Não, em nós. Mas era um olhar diferente. Não tinha frieza, nem exatamente reprovação. Tinha peso. E tinha algo que eu não sabia nomear... mas que eu conhecia muito bem. — Giorgio... — eu era a única que ele permitia chama-lo pelo nome, já que eu não conseguia chama-lo de pai quando ele estava presente. — Eu queria que conhecesse, formalmente, meu namorado. — Então... — A voz dele preencheu o cômodo inteiro. — Você acha que pode chegar aqui, me olhar nos olhos, e me dizer que tá namorando, esse aí? Giovanni se mexeu, abriu a boca, mas meu pai ergueu uma mão, sem sequer olhar pra ele. — Cala a boca. — A voz foi firme, baixa, mas carregada de autoridade. — Você não fala aqui. Não é um de nós. Giovanni respirou fundo, cruzou os braços, e eu sabia. Sabia que cada músculo dele gritava pela vontade de responder. Mas sabia, também, que seria suicídio. — Eu não vim pedir permissão — soltei, cruzando os braços, mantendo o queixo erguido. — Eu vim... comunicar. Os olhos do meu pai estreitaram. Um sorriso quase imperceptível apareceu no canto da boca dele. — Você sempre teve essa maldita mania de achar que tem escolha, Sofia. — Ele recostou na cadeira, cruzou as pernas, os dedos tamborilando no braço da poltrona. — E, por incrível que pareça... eu sempre admirei isso em você. Meu peito apertou. Doeu. Porque, mesmo quando ele finge que não, está sempre observando tudo. — Você não é sangue do meu sangue — disse, a voz mais baixa, rouca — mas, por Deus... você é mais parecida comigo do que os dois que carregam meu DNA. A garganta fechou. E eu odiei que aquilo ainda pudesse me afetar. Giovanni tentou de novo. Tentou. i****a. — Senhor Mancini, eu só... — Cala a boca, garoto. — A mão dele bateu na mesa, não em fúria... mas com um som seco que fez meu coração disparar. — Eu já falei. Você não é um Mancini. Você não tem voz aqui. O silêncio que se seguiu foi sufocante. Meu pai me olhou, e, pela primeira vez em muito tempo, não era o chefe que estava ali. Era só... ele. O homem que me criou. O homem que, de alguma forma, me quis quando ninguém mais quis. — Você sabe... — a voz dele ficou mais baixa, quase rouca — que, como seu pai... eu faria qualquer coisa pra te proteger. Eu respirei fundo, tentando não ceder. — Eu sei. — E você também sabe... — Ele apertou os olhos — que isso aqui... — fez um gesto com as mãos, apontando pra mim e Giovanni — me incomoda. Porque você não é qualquer uma. Você não é qualquer coisa. Você merece muito mais. Senti o estômago apertar. Aquele orgulho dele... me quebrava inteira. — Mas... — ele respirou fundo, passando a mão no rosto. — Eu sou seu pai. E se essa é a sua decisão... então é isso. O alívio e o aperto vieram juntos. — Vai ser namoro. — Ele me encarou, sério. — Só namoro. Nenhuma decisão além disso. Nenhuma palavra sobre noivado. Sobre futuro. Você entendeu? Assenti, segurando o peito com as próprias mãos, como se aquilo fosse o suficiente pra acalmar o coração que parecia bater fora do compasso. Ele olhou pra Giovanni, e o olhar foi uma lâmina. — E você... — se inclinou pra frente — vai entender muito bem que, se quebrar qualquer coisa aqui... se machucar um fio de cabelo dela... ou se simplesmente me fizer acreditar, por um segundo, que não é digno... — ele sorriu, mas foi aquele sorriso frio, pesado, mafioso —... eu te faço desaparecer desse mundo. E ninguém vai te encontrar. Giovanni não respondeu. Só sustentou o olhar. Meu pai voltou pra mim. — Você sabe que, no fim... tudo o que eu faço... é por você, certo? Respirei fundo. As palavras saíram mais baixas do que eu imaginei. — Eu sei... Saí do escritório com a sensação de que estava segurando uma bomba prestes a explodir. E, claro, como se tudo não pudesse piorar… Eles estavam lá esperando, Pietro e Luca, encostados na parede do corredor, de braços cruzados, posturas rígidas, olhares afiados como lâmina. Dei dois passos pra fora e parei, cruzando os braços e mantendo o queixo erguido. — Não precisam me olhar assim. — Falei, firme. — Já não podem dizer nada. Seu pai... autorizou. Por um segundo, o silêncio foi absoluto. Então Pietro descruzou os braços devagar. O maxilar dele travou, os olhos escureceram, e eu quase podia ouvir os pensamentos dele berrando. Luca soltou uma risada seca. Irônica. Incrédula. — Isso é piada, né? — Passou a mão pela mandíbula, balançando a cabeça. — Ele não... não. Ele não fez isso. — Luca soltou uma risada seca. Irônica. Incrédula. Pietro nem piscou. Só deu um passo, ficando tão perto que quase me fez recuar. Quase. — Você acha mesmo que isso muda alguma coisa? — A voz saiu baixa, grave, tão carregada de ameaça que minha espinha inteira enrijeceu. — Acha que, porque ele autorizou... nós vamos aceitar? Antes que eu pudesse abrir a boca, Luca já empurrou a porta do escritório. — Isso não fica assim. — Disse, atravessando o vão com Pietro logo atrás, os ombros tensos, o peito inflando como se o ar ali fosse mais denso do que podiam suportar. — Nem fodendo. O som da porta batendo atrás deles reverberou no corredor inteiro. Respirei fundo, apertando os olhos, tentando segurar o impulso de bater a cabeça na parede. A mão de Giovanni tocou meu braço, leve, mas presente. Quando olhei, ele tinha aquele meio sorriso de sempre, o tipo de sorriso que não sabia se era charme, provocação ou... de um suicida. — Acho que eles gostaram de mim. Revirei os olhos, puxando-o pelo braço, guiando-o até a porta principal. — Vamos. Antes que eles voltem pra te matar. Descemos os degraus rápido, atravessamos o jardim, e só quando chegamos perto do portão foi que ele virou o rosto pra mim, com aquele olhar que, ultimamente, parecia mais perigoso do que eu queria admitir. — Eu vou te buscar na faculdade a partir amanhã. — A voz dele saiu firme. Não era pergunta. Era uma decisão. — E vou te levar. Todos os dias. Parei. Travei o corpo. E olhei pra ele como se ele tivesse acabado de anunciar uma terceira guerra mundial. — Giovanni... — Inclinei o corpo um pouco pra frente, abaixando a voz até que só ele pudesse ouvir. — Não faz isso. — Fazer o quê? — Fingiu inocência, arqueando a sobrancelha. Apertei o braço dele com mais força, segurando a mandíbula. — Nada disso é real. — Falei entre os dentes. — E você sabe. Então, não provoca. Não provoca eles. Não faz eles desconfiarem. Porque, se eles descobrirem... — Respirei fundo. — Não vai sobrar nem o seu sobrenome pra contar história. Ele segurou meu olhar por dois segundos longos demais. Depois sorriu. Aquele maldito sorriso que parecia viver entre o deboche e o perigo. — Eu sei que não é real, Sofia. — A voz dele ficou mais baixa, mais rouca. — Mas, às vezes... pode ser. O portão eletrônico se abriu, e ele se afastou, caminhando até o carro, os ombros relaxados, como se não tivesse acabado de provocar dois leões prestes a despedaçá-lo. Fiquei ali, olhando, sentindo o estômago revirar, o coração apertar, e uma voz no fundo da mente gritar que nada disso ia acabar bem.
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