capitulo2

1404 Palavras
Eu me chamo Robert Demian, tenho 40 anos e, dizem, envelheci como um bom vinho – com caráter, intensidade e aquela beleza que resiste ao tempo. Sempre fui considerado um homem atraente, não só pelo físico, mas pela maneira resoluta e, às vezes, enigmática de olhar para a vida. No entanto, por trás dessa fachada há uma história marcada por amores intensos, perdas devastadoras e uma dedicação quase obsessiva ao trabalho – uma fuga constante de um vazio que insiste em apertar o coração. Lembro-me de momentos que parecem pertencer a outra vida. Fui casado com minha amiga de escola, uma paixão que amadureceu lentamente e, com o passar dos anos, se transformou em um amor profundo. Foi uma união que demorou a florescer no sentido de formar uma família, e quando finalmente tivemos nosso filho, a vida deu uma reviravolta inesperada. Em pleno parto, perdi minha amada – um golpe que me desarmou por completo e que até hoje ecoa em cada decisão que tomo. Naquelas horas de dor, enquanto segurava o recém-nascido, senti algo se quebrar dentro de mim. Desde então, carrego um misto agridoce de alegrias e cicatrizes. Em algumas noites, enquanto o silêncio da casa se faz ouvir, consigo ouvir o som distante da risada dela – minha esposa –, como se ecoasse de um tempo que já não volta. Foi essa perda que me afundou no trabalho, um refúgio que, embora temporário, me ajudava a enterrar o luto que se instalava silenciosamente dentro do meu peito. Hoje, sou conhecido por ser duro e exigente, tanto com os outros quanto comigo mesmo. A paciência não costuma ser minha maior virtude e, muitas vezes, o sorriso que ofereço é apenas uma máscara para esconder a tristeza que, em alguns momentos, ameaça me consumir. A vida me ensinou a ser resiliente, mas também me deixou com um jeito meio amargurado – como se cada dia fosse uma batalha para encontrar um significado que ainda me escapasse. E, mesmo com toda essa dureza, há diálogos que me acompanham diariamente. Minha mãe, Dona Maria Boasinha, é uma presença constante e inconfundível na minha rotina. Ela é a única que me lembra, com seu jeito carinhoso e insistente, que a solidão não precisa ser eterna. Lembro-me de uma manhã em que, após uma reunião particularmente difícil, o telefone tocou com sua voz trêmula, mas cheia de ternura: — “Arrume uma namorada, Robert,” ela dizia, como se aquela simples frase pudesse, de alguma forma, preencher o vazio que sinto. Eu suspirava ao responder: — “Mãe, eu sei… mas você sabe que depois de tudo isso, acho difícil acreditar em mais um amor.” Ela insistia: — “Meu filho, você é feito de ouro! Não pode se entregar ao desânimo. Lembre-se: o coração tem uma capacidade incrível de se renovar. Dê uma chance a esse novo capítulo.” Em silêncio, eu escutava sua voz e tentava convencer meu próprio coração de que talvez um novo começo fosse possível. Essa é a minha história – uma história de alguém marcado pela beleza que persiste, pela dor que ensina e pela busca incessante de um amor que ainda parece distante. Em uma das poucas vezes em que permito que meus sentimentos transpareçam, lembro-me das conversas com colegas de trabalho. Numa tarde, durante um intervalo, um dos meus assistentes me perguntou, com a sinceridade que só os que me rodeiam possuem: — “Robert, você já parou para pensar se esse isolamento não está te fazendo perder algo importante?” Eu olhava pela janela, perdendo-me em pensamentos, e respondi: — “Às vezes, sinto que me refugio tanto no trabalho para não encarar o vazio que me consome. Mas enfrentar esse vazio… isso é algo que ainda não sei como fazer.” Um outro colega, com tom reconfortante, comentou: — “Você sempre é tão exigente consigo mesmo, Robert. Talvez um pouco de leveza não te faça mal.” Eu sorri, mesmo que timidamente, reconhecendo que talvez ele tivesse razão. Contudo, a dor do passado e o medo de se machucar novamente eram sombras fortes que insistiam em me acompanhar. Ainda assim, a vida insiste em me lançar desafios. Em uma reunião de diretoria, enquanto discorríamos sobre novas estratégias para a Müller Holdings – empresa onde meu rigor e dedicação são indispensáveis – a conversa se voltou para um novo projeto que poderia reverter a maré para nós. Um cliente importante, envolto em mistério e expectativas, surgia como uma nova oportunidade de redenção profissional. Durante esse encontro, Meg Muller, a vice-presidente, dirigiu-se a mim com aquela voz segura que sempre admirei: — Vamos fazer de tudo para que sua eperieencia com a nossa empresa seja melhor possivel. No silêncio dos corredores do meu escritório, enquanto organizava papéis e revisava planilhas, eu me pegava refletindo sobre a mulher que um dia amei e que, mesmo ausente, continuava a me desafiar a ser melhor. Numa dessas tardes, após o fim de um dia particularmente longo, minha assistente, que sempre demonstrava uma sensibilidade quase maternal, comentou: — “Robert, você parece tão cansado. Alguma vez já parou para se perguntar se vale a pena lutar tanto para não sentir essa dor?” Eu a encarei e disse, com um tom misto de resignação e esperança: — “Às vezes, acho que estou preso num ciclo. Trabalho, perco, luto, trabalho... Talvez eu esteja com medo de enfrentar o que realmente preciso encarar.” Ela sorriu, com aquele olhar que parece ler minha alma, e respondeu: — “Talvez seja o momento de permitir que o coração também trabalhe, de aceitar que a vulnerabilidade faz parte do processo de cura.” Eu deixei essas palavras ecoarem em mim, sem saber ao certo se era a coragem ou o cansaço que me permitia acreditar nelas. Nas poucas horas de silêncio da noite, quando finalmente me retiro para o meu escritório privativo, costumo revisar velhos e-mails, documentos e até conversas gravadas que me lembram de momentos de esperança. E, em meio a esses registros, as palavras de minha mãe – sempre tão insistentes – voltam à tona: — “Lembre-se, Robert, o amor é capaz de transformar até o mais amargo dos momentos. Não se feche para novas possibilidades.” Essas palavras me fazem pensar sobre a chance que a vida me oferece, mesmo que em meio a tudo o que perdi. Afinal, não é à toa que, mesmo amargurado, ainda sinto um desejo profundo de encontrar um amor que possa, um dia, preencher aquele vazio intransponível. E assim, sigo adiante, equilibrando minha vida entre o rigor profissional e os interlúdios de lembranças e diálogos que marcam o meu cotidiano. Em cada reunião, em cada conversa com minha equipe e em cada ligação de minha mãe, há uma chama que insiste em brilhar, lembrando-me de que, apesar de todas as cicatrizes, ainda sou capaz de amar, de sonhar e, principalmente, de recomeçar. Hoje, enquanto reorganizo a agenda de amanhã – entre prazos apertados e metas a serem alcançadas – pego um instante para refletir diante do espelho do meu escritório. Vejo um homem que, mesmo carregado de dores e experiências, ainda encontra motivos para acreditar que o futuro pode ser diferente. — “Talvez, amanhã, eu aceite o convite daquela amiga para um jantar… ou até mesmo, permita-me ouvir mais uma vez o conselho da minha mãe…” — murmuro para mim mesmo, com um tom de leve esperança na voz. Em meio a essas nuances, descubro que a verdadeira força reside não apenas em enfrentar os desafios diários com determinação, mas também em abrir espaço para os diálogos que transformam o coração. Mesmo que as cicatrizes do passado insistam em me lembrar dos momentos mais sombrios, elas também servem como lembretes de que estou vivo – e que, enquanto houver coragem para se reinventar, sempre há uma nova possibilidade à espreita. Essa é a minha vida: um constante entremeio de reuniões, negociações, recordações e, acima de tudo, diálogos que me lembram que, apesar de tudo, ainda posso sonhar com um amor verdadeiro, capaz de aquecer os recantos mais frios do meu ser. E enquanto minha mãe, meus colegas e até mesmo minha própria essência me instigam a buscar algo melhor, aprendo que, a cada novo dia, tenho a chance – por menor que seja – de reescrever meu destino e provar que, mesmo depois da dor, é possível florescer de novo.
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