Janel - parte 1

4352 Palavras
Eu não seria capaz de contar isso a ninguém até a última semana. Falando a verdade, eu não era capaz de muita coisa até os meus últimos dias. Porém, ela chegou. E eu morri, de certa forma. Ela diz isso. Troian não reconhece mais a antiga Janel. Ela desapareceu. E é por isso que você está lendo isso agora. É pela mudança que irei contar a minha história. Porque muitas não sabem, mas como eu era. E isso preciso ser mostrado. A mudança causada dentro de mim por um glorioso movimento é o grande motivo das palavras escritas aqui. Espero que todas entendam.Eu não nenhuma escritora, nem nada. Sou alguém comum que precisa contar uma história. É isso.                                                                                                 ♀                                                                                        "O CIRCO"                                                                                  Alguns anos antes. Foi num jantar de negócios. Foi onde nos conhecemos. Mas, não era um jantar de elite, pessoas com roupas de grife e taças caras. Era a minha própria casa, a casa dos meus pais, no Kansas. Os pais dele e os meus pais estavam se tornando sócios. Éramos crianças, mas já entendíamos praticamente tudo. E foi justamente sobre esse assunto que ele veio falar comigo na primeira vez. O tal jantar. O talvez, novo negócio entre as famílias. — Animada? — David sentou-se ao meu lado no sofá. Extremamente perto. Perto demais. E tinha espaço suficiente para umas dez pessoas naquele sofá. — Sim. — disse, não dando tanta atenção a ele. Eu ainda não tinha reparado muito em David naquela noite. Eu era nova demais para pensar em garotos. A única coisa que havia me chamado atenção nele era o cabelo. — Não parece. — ele deu uma balançada estranha. E sorriu. Eu tive que olhar. — É tão... — Verde? — completou ele. — É, eu sei. Incrível, não? — Gostei. Como seus pais deixaram? — Meus pais são os melhores pais do mundo. E olhei para a mesa do jantar. Nossos pais começaram a rir alto demais. A televisão estava ligada, David não parava de falar e eu só queria ir para o meu quarto. Mas, aquele cabelo verde não me deixou saltar do meu velho sofá marrom-azul. — Minha mãe tinha o cabelo roxo até semana passada... — o garoto comentou quando eu o pedi para que chegasse um pouquinho para o lado. — Era legal? — Muito! Você devia pintar o seu cabelo de roxo. Acho que fica legal em garotas bonitas. Você é tão bonita quanto a minha mãe, não acha? Nesse momento, de repente, mamãe apareceu na sala. Ela me pediu que fosse até o quarto buscar os meus desenhos. Sim, eu costumava desenhar quando criança. E, desde que meus pais comentaram sobre a ideia de abrir um circo, passei a fazer desenhos e mais desenhos com esse tema. Eu sonhava com aquilo todas as noites. Até fazia malabarismo com objetos impossíveis. Pintava o meu rosto. Fazia todo tipo de arte. Fui até o quarto para buscar os desenhos. David foi atrás. Não sei se meus pais perceberam ou se realmente não ligaram. — Bem legal. — ele disse, já bisbilhotando minhas fotos num quadro grande ao lado da porta. — Era só pra pegar esses desenhos. Minha mãe pediu. Ela quer mostrar pros seus pais. — falei, praticamente tentando o expulsar do quarto de maneira educada. — Posso ver? — Claro. — respondi, nervosa. Estava preocupada por estar com um garoto dentro do meu quarto. Acho que o único homem que entrava em meu quarto até então era o meu pai. Eu sabia que precisava tirá-lo dali. Só não sabia como. Dei dois passos à frente, mas ele já estava quatro depois de mim. — Que legal! — ele disse, sentado em minha cama. Dava pequenos pulos, mesmo sentado, na medida do possível. — É quase um pula-pula. Podemos pular nela? O que você acha? — Minha mãe não gosta que eu pule na cama. Ela diz que estraga. — Seus pais são chatos. — David resmungou. — Os meus me deixam pular na minha cama. Até na cama deles! — o menino se gabou. — Na cama deles? — duvidei, assustada. — Meus pais nunca deixariam! — Posso te contar um segredo? — ele disse, olhando para todos os lados, como se estivesse procurando por alguém que pudesse ouvi-lo escondido. — Adoro segredos! — e adorava mesmo. — Meus pais não me deixam pular na cama deles. Mas eu pulo escondido.— ele falou quase que num sussurro. — E como eles não descobriram ainda? — sussurrei, admirada. — Porque eu faço escondido, ué. — o garoto riu de mim como se eu fosse a criatura mais inocente que ele já conhecera. — E é sempre assim. As coisas mais divertidas precisamos fazer escondidos. E pular na cama é o menos pior. Esse é um segredo pequeno. Existem segredos muito maiores. Meus pais também não me deixam fazer quase nada. Mas, eu faço. E você deveria fazer o mesmo. Depois de entregar os desenhos na sala de jantar, voltei para o quarto. David me esperava na cama, já de pé. Coloquei um dos meus CDs em meu pequeno rádio para que meus pais não ouvissem o barulho das molas da cama se mexerem enquanto David e eu pulávamos sobre o meu lençol azul. E sorrimos. Nos ares, nós ríamos e fazíamos caretas ao som de uma música que eu não me lembro. Mas lembro-me da melodia, da sensação que tive ao ter aquele momento libertador ao lado de David. O seu cabelo verde balançava de um lado para o outro, enquanto a minha trança ia da esquerda para direita. E foi assim que tudo começou. Quando achei que estava me libertando. — Não pensei que você fosse tão legal assim, David. — falei quando finalmente tínhamos cansados de pular. A música havia acabado. Estávamos deitados lado a lado, de barriga para cima, com a respiração ofegante. — Dave. — ele disse. — Me chame de Dave. — Tá legal, Dave. — falei, rindo. — É mais descolado? Dave é mais descolado? — Você não acha? — e virou-se, apoiando seu cotovelo esquerdo no travesseiro. Continuei como estava, nervosa. — Não vão querer a sobremesa? — e mamãe apareceu na porta do quarto. Achei que ela nos daria um esporro, mas não. Na minha cabeça, tudo ali estava errado. Mas mamãe tinha um sorriso enorme. — Eu quero, senhora Benson. — falou, movendo-se. Dave saltou da cama e caminhou até a porta. Quando deu um passo para fora, olhou para trás, com os olhos semicerrados. — Você não vem, Janel?                                                                                               ♀                                                                                     Meses depois. Os nossos pais fecharam negócio. O circo ganhou vida alguns meses depois de investimentos em infraestrutura, transporte e, claro, em artistas. O velho circo dos Cornard, pais do Dave, havia falido cinco anos antes dessa nova aliança. Como era uma cidade pequena, todos ficaram sabendo que o meu pai havia ganhado uma grana generosa em um desses sorteio de apostas. Não foi coincidência. Ele sabia que papai tinha o dinheiro para investir. E nem foi um m*l negócio. O circo deu certo, até. Mas, entre os meses de preparação para a inauguração, a ida dos Cornard se tornou ainda mais rotineira. Toda semana, Dave, Debra e Dennis estavam lá. A família D, como gostavam de ser chamados. — Pirogafia. Quero muito fazer isso. — Piro o quê? — Pirofagia. Pi-ro-fa-gia. — Dave soletrou calmamente. — Que isso? — Já foi a um circo, Janel? — Já sim. Mas não lembro de alguém falar em pi-ro-fa-gia por lá. — Tem certeza? É o número mais especial da noite. É quando as crianças pulam e ficam boquiabertas, Janel. Até mesmo quem já viu milhares de vezes. Alguns até ficam com medo. — Têm animais nele? — Não. — David balançou a cabeça. — Pirofagia é cuspir fogo. Engolir fogo. Cuspir fogo. Pegar o fogo com as mãos, passar no corpo. Como a minha mãe diz, é um trabalho artístico quente e perigoso. Não é pra crianças. — Nunca vi de perto. — admiti. — Quero muito fazer algo com fogo. É injusto. Sou grande o suficiente, não acha? — Estou treinando para os Tecidos. Dói muito. — disse, passando as mãos em meus meus ombros. E era verdade. Depois do Jantar e o pula-pula com Dave em meu quarto, papai me matriculou na aula de tecidos acrobáticos. O treino era duro. Todos os dias, depois da escola, mamãe me levava até um lugar bem longe para que eu pudesse tentar me segurar naqueles longos tecidos como se fosse a Mulher-Aranha. Exige muita força e coragem. Lembro que tive que mudar minha alimentação para que eu não emagrecesse muito. No começo, cai-se no chão — ou melhor, no colchão — o tempo todo. É difícil manter-se preso nos tecidos. Mas, com o tempo, fui melhorando. Em casa, meus pais e eu ainda treinávamos malabarismo juntos. Era divertido. —Meus pais são os melhores no trapézio. — Dave comentou. — Eu tenho medo. Na verdade, no circo, tudo parece muito perigoso. É um lugar para corajosos, não acha? — Você pode ser corajoso, Dave. Só precisa confiar em você mesmo. — Enquanto eu não confio em mim mesmo, fico com meus pés no chão e o meu malabarismo. Se você quiser, posso te ensinar algumas coisas. O que acha? Eu tinha acabado de fazer onze naquela época. Dave tinha 12, quase treze. Ele já praticava o malabarismo desde os sete anos, então, ele realmente era bom naquilo. Peguei as pequenas bolas de tênis que eu costumava usar para treino e David foi me mostrando como fazer. E essa era a minha rotina semanal. Escola, Tecidos, Dave e as bolas de tênis. Muita coisa mudou após algumas semanas.                                                                                                 ♀                                                                                      "NEBRASKA"                                                                        1 ano e alguns meses depois. O Bernard's Circo (Uma junção de Benson e Cornard) inaugurou na cidade de Wichita para uma curta temporada de estreia. Até então, eu não estava pronta para estrear nos palcos do circo. Dave se apresentou como malabarista três vezes, e numa delas, ele acabou errando uma parte do número. Os pais dele ficaram extremamente decepcionados, e ele, muito triste. Eu tentei dizer que ele estava se cobrando demais, mas ele não ouviu. Para Dave, aquilo era o fim do mundo. Ainda mais para um filho de circenses. E foi então que uma tour se iniciou em direção à Dakota da Norte. Mas, antes, deveríamos passar por Nebraska, o primeiro destino do Bernard's. Viajamos em uma trupe: Um furgão para os Benson's e os Cornard's, outro para os circenses e um caminhão para os equipamentos maiores. Foi quando Dave e eu nos tornamos ainda mais íntimos. Nós saímos do Kansas pouco antes ao meu aniversário de 12 anos. Era madrugada, as nossas mães ainda conversavam à mesa no centro do furgão, e os nossos pais, lá na frente. Um dirigia e o outro falava sem parar. O meu pai era quem falava. — Feliz aniversário. — Dave sentou-se ao meu lado da cama, a primeira da beliche, enquanto eu lia o meu livro favorito daquela época. — Já? — arregalei os olhos, surpresa. — Olhe. — ele me mostrou o seu pulso esquerdo equipado com um relógio azul. Estava zerado.  — Mamãe é sempre a primeira a me dar os parabéns. — disse, um tanto decepcionada. Fechei O Mágico de Oz lentamente enquanto me lembrava dos meus aniversários passados. — Ela está se divertindo. Deve se dar conta em alguns minutos, não tem problema. — Dave apontou para nossas mãos. Elas riam como se fossem amigas de infância. — Mas, ela sempre é a primeira. E você estragou isso. — Ei, Janel. Eu não sabia disso. Eu só quis ser legal e te dar os parabéns... — David fechou a cara. Olhei para mamãe. A senhora Cornard contava um segredo em seu ouvido enquanto ela esboçava mais um sorriso no rosto. E olhei para Dave e o seu cabelo verde. Estava triste, cabisbaixo, decepcionado. Mexia em seu relógio normal como se não soubesse o que fazer. Foi quando tudo começou. — Você tem razão. — pus minha mão sobre seu ombro. — O quê? — disse, ainda sem olhar em meus olhos. — Você foi legal. Você é legal, Dave. Desculpa. — Feliz 12 anos. — e ele se debruçou em minha direção. Nossos lábios se tocaram rapidamente. Eu tomei um susto. Mas, naquele momento, eu me senti o máximo. David saiu rapidamente e se trancou no banheiro por longos minutos. Por sorte, os nossos pais não viram nada. Estavam ocupados demais se divertindo sem a gente.                                                                                                ♀ A minha primeira apresentação foi naquele final de semana. Saímos na quinta, e, domingo, tudo estava pronto. Eu estava uma pilha de nervos. O palhaço, acrobata, malabarista e mímico da trupe, Leonard, estava em um número hilário em seu monociclo, onde equilibrava claves e ainda contava piadas ao público — tudo ao mesmo tempo. Não me pergunte como ele fazia isso, mas, Leo já era extremamente experiente na época. Trinta anos de idade, vinte deles no circo. — Eu não vou conseguir. Eu vou acabar caindo e morrendo. — Que dramática! — Dave disse. — Você vai conseguir, Janel Benson. É só acreditar em você mesma, lembra? — Falar isso é bem mais fácil do que fazer. — E por que acha que ainda não larguei o malabarismo? — David levantou uma das sobrancelhas e deu um beijinho em um de seus aros, sua grande especialidade. — E ainda me colocam depois do Leonard... Todos adoram o Leonard! — lamentei. — Nervosa? — mamãe apareceu de supetão atrás de mim. Estávamos atrás das cortinas do palco, observando numa fresta pequena a apresentação do monociclo. — Eu não quero mais. Eu não consigo. — balancei a cabeça, chorosa. — Que bobagem, filha. Você é ótima! O restante da conversa foi um discurso encorajador de mamãe sobre como eu era a Melhor Acrobata Aérea que ela já vira em toda a sua vida.  E eu fui. As luzes estavam apagadas. O público me olhava atentamente. Umas cem pessoas? Não sei ao certo. Talvez um pouco mais ou pouco menos. Porém, naquele momento, os meus olhos enxergavam uma multidão de dez, vinte mil pessoas. Meus braços tremeram quando uma luz amarela acendeu em direção ao meu corpo. E eu subi, subi e subi. Com dificuldade, mas subi. O pai de Dave, o grande apresentador da noite, disse ao público que eu era a "estreante" da noite, para que as pessoas não criassem grandes expectativas do meu número. Eu sei que ele só quis me ajudar, mas eu senti raiva do modo no qual ele pronunciou aquelas palavras. "Estreante. Nova. Sua primeira vez." A música cresceu no recinto. Eu estava nas alturas, com pernas e braços entrelaçados aos tecidos azul e vermelho. E a música cresceu ainda mais. Foi quando eu brilhei. Comecei a enrolar meu pé direito no pano vermelho. Girei uma vez. Depois outra vez, e outra. Meu corpo estava apoiado em um único tecido, enquanto minhas pernas estavam completamente esticadas e amarradas. Joguei meu corpo para trás e meus braços flutuaram. Minha perna direita era a minha segurança naquele momento. De cabeça para baixo, nervosa e com medo de cair, sorri para o público, confiante. Segundos depois, a minha queda que tanto havia ensaiado. Impulsionei-me para frente e girei para esquerda. A música acalmou-se. As luzes alternavam de cor a todo tempo. Relaxei no alto, passei os tecidos pelos braços e respirei fundo. Estiquei as pernas e me deitei no ar, aguentando firme o meu peso para a descida final. A orquestra subiu e peso, e, nesse momento, virei-me e desci de cabeça para baixo por alguns metros e, próxima ao chão, retornei a posição normal e saltei no chão com muita graça. A música encerrou-se. As luzes se acenderam. Eu sorri. E o público aplaudiu.                                                                                               ♀ Era verão. Passamos três semanas em Nebraska. Depois, partimos para Dakota do Sul, a terra do Monte Rushmore. Esse é o monte que representa os primeiros 150 anos dos Estados Unidos, com os rostos de G. Washigton, Thomas Gefferson, Roosevelt e Lincoln. Infelizmente, nós não passamos por lá para ver de perto as esculturas gigantes de Keystone. Três semanas após, Dakota do Norte. Eu já começava a perder a vergonha, pouco a pouco. E, Dave, que eu havia perdido, começara a se reaproximar de mim aos poucos, daquele seu jeito nada discreto. É que depois do nosso beijo, nada mais pareceu certo. A única vez que nos falamos normalmente depois daquilo foi no momento antes da minha primeira apresentação nos Tecidos, já que ele estava ali para me dar apoio e eu estava muito nervosa para me lembrar sobre os meus sentimentos por ele. A essa altura, a única outra criança da trupe, Theodore, filho do Leonard, o faz tudo, passou a criar uma pequena amizade conosco. Numa tarde livre de sexta, onde teríamos apresentação somente no sábado a noite, já no Norte, Theodore e eu conversamos dentro do furgão dos circenses, que estava vazio naquele momento. — Como é a sensação? — perguntei a ele, enquanto pegávamos sanduíches e água para a caminhada. — Sensação do quê? — Ted pegou um sanduíche e o cheirou, com os olhos semicerrados. — Será que isso ainda tá bom? — Ter um lugar enorme desses com o seu nome. — Você quis dizer com o nome do vigésimo sexto presidente da América. — Theo corrigiu. — Por que as pessoas te chamam de Ted? — perguntei. — Apelido. Não sabe o que é? — Sei. Mas o apelido de Theodore é Theo, e não Ted. — concluí. — A vida não tem sentido. Se tivesse, você não namoraria o b****a do Dave. — Eu o quê? — deixei um dos sanduíches de queijo cair. — Foi o que ele disse. — Ted afirmou. Saí furiosa do furgão. Os circenses disfarçados de pessoas normais estavam a poucos metros e, no meio deles, além dos meus pais, David. Nós estávamos numa espécie de estacionamento no meio do Theodoro Roosevelt National Park. Havia uma pequena cerca de madeira de um lado, carros e pessoas ao meio e a estrada e mais verde do outro. O Park é uma gigante área rochosa, com muito verde, pessoas passeando a cavalo e um rio extenso. Depois de nossa partida,  começamos uma caminhada como uma única família;  logo após, Dave afastou-se um pouco de todos e caminhou até a beira do rio. Enquanto eu caminhava até ele, David tirou os sapatos, dobrou a calça até os joelhos e pôs os pés para dentro rio, raso e quase seco. — Qual é o seu problema? — já cheguei indo direto ao assunto. — De onde tirou isso? — Isso o quê? — ele respondeu sem olhar. Agachou-se no rio e jogou um pouco de água em seu rosto com as duas mãos. — Nós não estamos namorando, Dave. Nós m*l somos amigos. — Então por que me beijou? — Você me beijou! — Mas você também não empurrou. Nós dois queríamos, mas só eu tive coragem. Como você disse, eu só acreditei em mim mesmo. Segui seu conselho, Janel. Respirei fundo. No fundo, ele tinha razão: eu havia gostado daquele rápido e intenso beijo. As imagens daquela cena inesperada surgiram em minha mente. Olhei para Dave, e ele para mim. Sorri. Discretamente, mas sorri. Ele, discretamente, chamou-me apenas com as mãos para que eu entrasse no rio. David já estava quase na metade. Tirei as sandálias e entrei. Estava de vestido, então não precisei dobrar nada. Agachei-me e, inevitavelmente, as bordas de meu vestido foram molhadas. Ele sorriu, mas não disse nada. Olhamos para o rio raso. Pequenos peixinhos nadavam, de um lado para o outro. — Acho que não vivo mais sem você. — ele sussurrou. Fiquei assustada, e engoli em seco. Olhei para os peixes mais uma vez. E para trás. Theo me observava com um olhar de reprovação. — Eu... —Também sei que não vive sem mim, Janel Benson. — Dave cortou-me, sorrindo. Sua mão encontrou a minha dentro d'água. Ficamos em silêncio por mais um bom tempo. Ali, no meio do rio raso de Theodoro Roosevelt. O sol nos beijava na nuca. Em poucos minutos, nossas mãos se entrelaçaram com mais força quando Ted nos gritou da beira do rio para que seguíssemos a trilha com o resto do grupo.                                                                                                ♀                                                                                        "O GRITO"                                                                                   Semanas depois. A tour durou dois meses e uma semana. De volta ao Kansas, Dave e eu tínhamos pouco mais de três semanas até as aulas retornarem. Nós não éramos da mesma escola até então, mas, depois de tanto perguntar sobre a minha escola e descobrir o quanto ela era mais legal que a dele, David implorou para que o seu pai o colocasse na Pretty Lake School. E o meu até o incentivou a fazer isso, fez um grande marketing de Pretty Lake, até. Como os Cornard estavam grandes amigos dos meus pais, eles também aprovavam a minha grande proximidade com Dave. Nessas últimas semanas de férias, David me beijou mais algumas vezes. Eu ainda estava nervosa por ter que enfiar a minha língua dentro da boca dele em algum momento, mas, depois da terceira ou quarta tentativa dele, acabou acontecendo. Expliquei que estava nervosa e que talvez não conseguisse bem agora, mas ele era insistente. Resultado? Nós batemos o dente de forma trágica e ficamos sem nos falar durante três dias. Nos últimos dias antes da escola, David completou 14. E então deixamos de ter apenas um ano de diferença. Eu gostava de ser apenas um ano mais nova, Mas Dave gostava de ser mais velho. Depois do seu décimo quarto aniversário, ele vivia dizendo que eu deveria respeito a ele. "Eu sou mais velho DOIS ANOS, Janel Benson." Além da mudança de Dave para Pretty Lake, descobri alguns dias depois do episódio do rio raso que Ted também era um estudande da Pretty. Contudo, Theodore é um ano mais novo, então eu nunca o tinha visto por lá. A escola não é tão grande, mas o Ted é um daqueles que chamam de "invisíveis", então, nem se eu quisesse eu teria notado a sua presença por lá. — Talvez eu já tenha te visto. A escola é pequena, Ted. Não é possível! — disse, no primeiro dia do retorno à escola, quando caminhava com ele pelos corredores. — Já falamos sobre isso. Eu quero saber como você tá. Você e o Dave...Nós não nos falamos direito desde aquela barbaridade sua no rio. Era pra você xingá-lo, não dar as mãos como num filme romântico. Foi até incrível ele não ter te empurrado para que você caísse de b***a no chão e se molhasse toda! — Ei, Ted, que isso! — eu o acalmei, já que seu tom de voz aumentou. — Dave não é um monstro. — Ele não merece uma garota como você. — Nós não temos nada. — Então não estão namorando? — ele perguntou, esperançoso. — Não exatamente. Não houve um pedido. Precisa haver um para se dizer que está "namorando" oficialmente? — disse, fazendo as aspas com os dedos. — Depois conversamos, Jane. — Ted disse assim que o sinal tocou por toda a escola. Enquanto o alarme soava, vi Dave e dois amigos caminhando ao fundo. Andei depressa para que eu pudesse alcançá-lo antes que entrasse em sua turma de Inglês. Porém, no meio do caminho, Paige, uma colega de classe desde os meus nove anos veio me dar um abraço de "volta as aulas". Ela falou durante dois minutos sem parar, enquanto eu fingia dar atenção a ela e olhava para Dave e os seus amigos mais velhos. Os meus amigos ao lado dos dele pareciam crianças do jardim, o que me fez sentir vergonha de estar com Paige ali, no corredor da escola, exposta. Interrompi Paige de seu discurso fofo quando vi Dave e os seus amigos encerrarem a conversa e caminharem até a sala 13. — Dave! — gritei quando ele pôs a mão na maçaneta e alguns metros ainda nos separavam. — Ei, Dave! — e continuei. Ele olhou para trás, para os lados, mas não me viu. E entrou na sala depois disso. Um grupo de garotas que devia ter 15 passou ao meu lado com olhares estranhos. Depois da escola, David foi lá em casa, e logo a discussão começou. Eu disse a ele que havia gritado suficientemente alto para que ele pudesse me ouvir, mas, ele não concordou comigo. Parecia uma briga infantil demais até pra nossa idade, e era, mas o modo de como elas aconteciam não parecia tão imaturo assim; Não hoje. — Você até olhou para os lados, Dave! — eu o acusei, tentando argumentar. — Eu não olhei para os lados por esse motivo. Eu costumo fazer isso sempre, Janel. Eu sempre acho que esqueci alguma coisa antes de entrar na sala. Aí eu faço aquela minha cara de pensativo e tento me lembrar quais aulas tenho no dia. — Não adianta inventar história, Dave... — disse, já desistindo. — Você ouviu. Foi exatamente no momento que eu gritei que você se assustou. — Eu só me assusto quando vou pegar a minha nota de matemática, Janel. Eu não ouvi o seu grito. — Você ouviu. — Não, não ouvi. Culpa dessa sua voz de criança. — ele resmungou. — Gritei o mais alto que pude... — sussurrei. — Eu entendo. Mas, você sabe que foi culpa sua, não sabe? Eu jamais teria fingido. Eu correria até você, Janel. Sabe que eu correria, não é? — e pôs sua mão sobre a minha perna. Estávamos sentados no chão à beira da minha cama. Deixei que David acariciasse minha coxa por alguns minutos no silêncio. Mesmo não tendo certeza daquilo, algo em mim gritava para que eu dissesse aquilo mesmo acreditando nos fatos, no que realmente aconteceu. Mordi os lábios e pus minha mão sobre a dele. — Desculpe. — falei, num fio de voz, e olhei para ele. — Tá tudo bem, Janel. — ele balançou a cabeça. — Só grite mais alto da próxima vez.                                                                          
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