Meus pés latejam. Cada passo parece um castigo e tudo o que eu quero é chegar em casa, tomar um banho quente e esticar as pernas. Essas malditas sandálias de salto são um tormento diário, mas fazem parte do uniforme exigido na lanchonete onde trabalho — a mesma onde comecei aos quatorze anos, varrendo o chão e servindo cafés.
Engraçado como um lugar que antes eu amava frequentar se tornou uma prisão.
Uma prisão com salto alto e salário baixo.
— Já vai embora? — pergunta Sienna, minha colega de trabalho, do outro lado da porta do vestiário.
Tiro as sandálias e suspiro de alívio, sentindo o calor escapar dos meus pés machucados.
— Sim. Precisa de alguma coisa?
Minha pergunta é automática, educada, mas silenciosamente imploro para que ela diga não.
Hoje não. Justo hoje.
É o aniversário de morte da minha mãe.
O dia em que meu pai mais bebe.
O dia em que ele mais sofre.
E o dia em que eu preciso ser mais forte do que nunca.
Desde que mamãe se foi, ele se tornou um homem que eu m*l reconheço. O luto o levou para o fundo do poço, afogando as dores em álcool, drogas e apostas.
Perdeu empregos, perdeu a dignidade. Quase perdeu a mim também.
— Aquele rapaz com quem estou saindo... ele quer me encontrar. É a folga dele hoje e acho que vai me pedir em namoro, mas vou sair tarde daqui...
A hesitação na voz de Sienna me faz fechar os olhos.
O nó na garganta aperta.
Maldição. Eu devia dizer "não". Devia aprender a me colocar em primeiro lugar.
Mas Sienna é mãe solteira, tem minha idade e carrega o mundo nas costas com um bebê de dois anos e uma mãe doente em casa. E por mais que eu precise ir, ela merece viver esse momento.
— Quer que eu cubra pra você? — pergunto, já sabendo a resposta.
— Você faria isso?
— Vai lá. Torço pra que ele te peça em namoro.
Ela me abraça apertado e agradece. Eu calço novamente os sapatos do inferno e volto ao salão da lanchonete. É a quarta vez na semana que fico até o fechamento.
Meus pés protestam. Meu coração também.
Mas alguém precisa manter esse lugar funcionando. E alguém precisa pagar o aluguel.
Esse "alguém" sou eu.
Enquanto outras garotas da minha idade estão curtindo festas, viajando ou entrando na faculdade, eu vivo entre o trabalho, as contas e a cozinha de casa. Meu único refúgio — a dança — também ficou esquecida. Eu adorava dançar com minha mãe. A dança do ventre era nossa conexão, nosso mundo secreto. Agora, é só mais uma lembrança que me recuso a tocar para não doer.
Naquela noite, depois que o último cliente sai, fecho a lanchonete com Domenico.
— Quer ir a um barzinho? Só uma bebida — ele tenta, sorrindo enquanto tranca a porta.
— Estou cansada.
— Cinema então? Você só precisa sentar e assistir.
— Eu dormiria nos primeiros dez minutos — respondo, sem ânimo para sorrir.
— Posso ao menos te acompanhar até em casa?
— Domenico... — começo, cansada demais até para inventar desculpas.
— Fico em silêncio, prometo — insiste, com aquela carinha de bom moço. Ele é jovem, gentil... mas não é o que eu procuro. Nunca foi.
— Eu sei me virar sozinha — corto, mais firme. O que não sei é o que vou encontrar quando chegar em casa.
— Tudo bem... — Ele suspira, decepcionado. — Te vejo amanhã?
— Se as bolhas dos meus pés não me impedirem de andar, sim.
Nos despedimos. Ele é um bom rapaz. Só não é o meu.
Corro pelas ruas vazias da cidade, ignorando a dor nos pés. A ansiedade cresce dentro de mim como um monstro faminto.
Mas quando viro na esquina da minha rua, meu corpo congela.
Dois carros pretos, caros demais para estarem naquele bairro esquecido por Deus, estão parados em frente à nossa casa. Meu coração dispara.
Corro até a porta e a empurro com força.
— PAPAI?! — Grito, assim que vejo a cena.
Ele está caído no chão da sala. Bêbado. Machucado. Coberto de sangue e sujeira.
Dois homens de terno o chutam sem qualquer remorso, enquanto outros quatro conversam como se estivessem em uma confraternização de domingo.
— PAREM! — grito, me jogando sobre o corpo dele. — Papai! Meu Deus!
Os chutes cessam, mas o horror não.
— O que vocês fizeram? Quem são vocês?!
— Estávamos esperando por você, Elisa — responde um dos homens, com uma voz branda e c***l, como se me conhecesse.
— O que poderiam querer comigo?
— Seu pai tem uma dívida de vinte mil euros. Se não for paga até amanhã, ele morre.
Sinto o chão sumir sob meus pés.
— Isso é loucura! Como... como ele fez uma dívida desse tamanho?
— Drogas e apostas. Foi perdendo e apostando mais. E perdeu de novo. Deu garantias que não tinha.
Olho para meu pai, quase inconsciente.
— Papai, não... não é possível...
Ele ergue os olhos turvos e uma lágrima solitária escorre por seu rosto.
— Me desculpa, filha...
Meu coração despenca.
Não há mais o que dizer. Não há mais esperança. Só desespero.
— Por favor... por favor... — imploro, ajoelhada. — Somos pobres, não temos esse dinheiro.
— Então prepare o caixão — diz um dos homens, indiferente.
— Meu pai... ele está doente. Ele não é um criminoso, ele só está... quebrado — tento argumentar, a voz falha. — Por favor...
— Nosso chefe não quer desculpas. Quer o dinheiro.
— Quem é o chefe de vocês?!
Um deles sorri.
— Vai se oferecer pra ele?
— QUEM É O CHEFE?!
— Dereck Salvatori — responde com malícia. — O homem mais perigoso da Itália. E que, sinceramente, não pagaria vinte mil euros pela tua b****a.
Engulo em seco, paralisada.
Eles saem rindo, deixando um último chute em meu pai e uma ameaça mortal no ar:
"Até amanhã, querida. O dinheiro ou o enterro."
Fico ali, ajoelhada, com a alma em pedaços.
Cuido dos ferimentos do meu pai como posso. Limpo cada corte, estanco cada sangue, ignoro cada lágrima. Depois, o carrego até a cama com o resto de força que me resta.
Ele dorme. Eu não posso.
Não consigo odiá-lo.
Ele era bom. A dor o destruiu.
E agora...
Sou eu quem precisa ser forte.
Vou até o banheiro, tiro o uniforme, tomo um banho rápido e encaro meu reflexo.
O vestido que escolho é o mais ousado que tenho. Me sinto exposta, vulnerável, mas é o que preciso fazer.
Se vou ao inferno, que seja bem vestida.
Porque amanhã, vou olhar Dereck Salvatori nos olhos.
E vou negociar minha alma.