4 - Lembranças

2481 Palavras
Asher — Essas malditas pessoas ricas, vou te contar... — zombei, me jogando no sofá com um suspiro satisfeito. Era uma sensação maravilhosa estar de volta em casa. De volta ao Colorado. Longe do ridículo que era Los Angeles. O ritmo aqui era mais lento, menos caótico, mais tranquilo. Exatamente o oposto do sul da Califórnia. Meu irmão Jaxon assentiu em silêncio, em perfeita concordância. — Eu não sei como alguém consegue viver lá, cara — comentei, aceitando a cerveja que ele me entregava. — Eu também não — murmurou Jaxon, abrindo a dele com um estalo seco. Levei a lata gelada até a testa, sentindo o frescor aliviar o calor. Ele se sentou na poltrona à minha frente, parecendo tão exausto quanto eu. Jaxon era apenas um ano mais velho que eu, e éramos tão parecidos que a maioria das pessoas achava que éramos gêmeos. Ele foi planejado. Eu, o feliz acidente. Cheguei de surpresa, quando nossos pais menos esperavam. Mas nunca me fizeram sentir como um erro. Muito pelo contrário. Sempre fui amado. Nossos pais costumavam dizer que queriam ter mais filhos eventualmente... eu só cheguei um pouco antes da hora. Diziam que eu era uma bênção disfarçada. Crescer com um irmão tão próximo em idade foi uma bênção por si só. Jaxon sempre foi o mais calado e centrado entre nós dois. Ele me trazia de volta ao chão quando eu perdia a linha — o que acontecia com frequência, justiça seja feita. Várias vezes me tirou de encrencas na infância. Não sei o que teria feito sem ele. Fisicamente, éramos muito parecidos: cabelos castanho-escuros, olhos castanhos. Mas havia diferenças. O cabelo de Jaxon era mais escuro, quase preto, e seus olhos também — de um marrom profundo, intenso. Já os meus tinham reflexos dourados à luz do sol, quase âmbar. Ele puxava mais à nossa mãe, eu puxava mais ao nosso pai. Que Deus os tenha. — Não acredito que ele tava mesmo transando com a secretária. Quão clichê isso consegue ser? — comentei, balançando a cabeça e tomando um longo gole da cerveja. — E com uma mulher como a Andrea Chang em casa? Alguns homens realmente não merecem o que têm. Nosso caso mais recente foi justamente sobre isso. Uma modelo famosa, Andrea, nos contratou porque suspeitava que o marido — um CEO arrogante — estava tendo um caso. E, bem, estava. David nem tentou esconder. Era como se achasse que a esposa fosse burra demais pra perceber. Andrea era uma das mulheres mais lindas do país. A maioria dos homens babava só de olhar pra ela. Mas não era só beleza — ela era inteligente, esperta, e já comandava a própria grife. Não precisava de homem nenhum. Ficamos mais do que felizes em entregar as provas que ela precisava pra dar um fim naquele casamento e seguir em frente. O caso foi fácil. Mas, mesmo assim, só o fato de estarmos em Los Angeles já nos drenava. Jaxon e eu sempre fomos mais do campo. Preferimos nosso refúgio nas montanhas, o lugar onde crescemos. A cidade nos deixava esgotados de mil maneiras. Aqui, entre as árvores e os animais selvagens, conseguíamos respirar de verdade. Não dava pra nos pagar o suficiente pra largar essa vida. — Muitos homens não merecem quase nada do que têm — disse Jaxon, encarando o vazio, perdido em pensamentos. — É um mundo injusto, Asher... mas o que dá pra fazer? — Nada demais, na real. Além de ajudar esses babacas a se ferrar quando a gente pode — falei, com um sorriso malicioso. Eu amava o que fazíamos. Era bom ver a justiça acontecer, mesmo que fosse uma justiça silenciosa. Em nove de cada dez casos, quem nos contratava tinha razão. Raramente alguém era só paranoico. As pessoas precisavam aprender a confiar mais nos próprios instintos. E quando precisavam de provas... bem, aí entrávamos em ação. Claro que, se todo mundo confiasse nos próprios instintos, meu irmão e eu estaríamos desempregados. O que seria uma pena. Olhei ao redor da nossa casa, o lar que herdamos quando nossos pais morreram. Às vezes, parecia que tudo nos foi entregue de bandeja. Às vezes, parecia fácil demais. — Você acha que a gente merece tudo isso? — perguntei. Jaxon acompanhou meu olhar, analisando a casa com a testa levemente franzida. — Provavelmente não... Mas ninguém mais merece também. E ele estava certo. Quem realmente merecia aquilo tudo já não estava mais aqui. Nossos pais construíram esse lar com esforço. Era quase uma mansão em formato de cabana, e fazíamos de tudo pra mantê-la do jeito que eles gostariam. Honrar a memória deles era o mínimo. Mesmo assim, era estranho. Só nós dois naquele lugar tão grande, silencioso. Às vezes, a solidão parecia pesar ainda mais. Costumávamos brincar que, se algum dia nos casássemos, teria que ser com melhores amigas ou irmãs — pra todas morarem juntas. A verdade é que a casa era cheia demais de memórias pra abrirmos mão dela. E também... havíamos construído uma rotina confortável. Não havia motivo para mudar só por mudar. Criávamos cabras e galinhas nos fundos, e, claro, cavalos. Nossa mãe era apaixonada por cavalos. A égua preferida dela morreu pouco depois que eles se foram, e aquilo me destruiu. Foi como perder minha mãe de novo. Mas ainda tínhamos cavalos da mesma linhagem, e isso mantinha um pedaço dela vivo com a gente. O legado deles ainda vivia ali, de um jeito ou de outro. Claro, não era como se Jaxon e eu estivéssemos prestes a ter filhos pra continuar o sobrenome. A gente m*l saía de casa. As opções de encontros na cidade eram limitadas, e, quando estávamos trabalhando, mantínhamos tudo estritamente profissional. E olha que algumas clientes... tentavam. Mais vezes do que você imaginaria. Mas nunca misturamos negócios com prazer. Era uma daquelas regras silenciosas que simplesmente sabíamos que não devíamos quebrar. — Melhor eu dar uma olhada nos cavalos — murmurei, me levantando. Tínhamos ajuda com os animais quando viajávamos, mas eu sempre ficava ansioso de deixá-los. Amava bichos. Herdado da minha mãe, sem dúvida. Eu podia ter puxado mais ao meu pai em aparência, mas o coração... esse era dela. Jaxon assentiu, ainda imerso nos próprios pensamentos. Deixei ele com a cerveja e saí andando. Nossa casa era grande, então precisei atravessar todo o corredor até a cozinha. No caminho, passei pela antiga suíte dos nossos pais. Ficava nos fundos da casa, com vista pro quintal. Desde que eles morreram, raramente entrávamos lá. Era quase sagrado. De vez em quando, alguém limpava por nós, mas nunca mexíamos em nada. Dez anos haviam passado, e tudo ali permanecia praticamente igual. Abri a porta dos fundos e saí. Nosso quintal era praticamente uma extensão da floresta. A propriedade se estendia até onde a vista alcançava. À direita, meio escondida entre as árvores, dava pra ver a antiga casa dos Moore. Estava vazia na maior parte do tempo, a não ser quando Brien aparecia pra escapar da cidade. Os pais dele estavam aposentados na Flórida, então Jaxon e eu cuidávamos do lugar de vez em quando, já que éramos os vizinhos mais próximos. Na verdade, os únicos por quilômetros. Mesmo distraído, algo me chamou a atenção ao olhar pra casa deles. O galpão no fundo da propriedade, bem ao lado da cerca que nos separava. Lembro que, na infância, era nosso esconderijo preferido. Íamos pra lá quando saíamos escondidos à noite, longe o bastante pra que ninguém ouvisse nossas risadas, mas perto o suficiente pra não nos perdermos na floresta que, naquela época, parecia infinita. E um pouco assustadora. Agora, alguma coisa estava diferente por ali... Só não sabia ainda dizer o quê. Pelo que eu sabia, o galpão estava fechado há séculos. Com uma equipe de paisagismo vindo algumas vezes por mês, não havia necessidade de se preocupar com o gramado ou com o equipamento. Só mantinham o básico, o suficiente para afastar guaxinins e outros bichos da floresta que pudessem tentar construir morada ali. O Sr. Moore tinha selado todas as janelas e portas quando decidiu não construir mais nada na propriedade. Só que, dessa vez, a porta do galpão mais próximo da nossa propriedade não estava mais fechada. Estava entreaberta; a madeira que a travava havia sido arrancada. E não parecia obra de nenhum animal. Um alarme disparou na minha cabeça. A possibilidade de invasores rondando a área não era absurda — mesmo no alto das montanhas. Talvez especialmente ali, onde a população escassa tornava mais fácil ocupar construções abandonadas sem chamar a atenção da polícia. Eu sempre andava com uma faca, mas verifiquei duas vezes se ela estava presa à minha cintura. Pegar um rifle seria exagero. Por enquanto. Ainda era dia, o que significava que qualquer coisa — ou pessoa — ali dentro me veria chegando de longe. Não que houvesse muitas rotas de fuga. Aquele galpão tinha só uma entrada e uma saída, e eu não tirava os olhos dela. Caminhei em direção à construção, mantendo a mão na faca, só por precaução. Não fazia ideia do que ia encontrar, mas sabia que não ia descansar até descobrir. Me movia o mais silenciosamente possível, atento a cada som. Mas tudo que ouvi foram os pássaros e o farfalhar das folhas com o vento. Nenhum ruído vindo de dentro. Nenhum movimento. Saltei a cerca com facilidade, graças à minha altura e preparo físico, e continuei o trajeto em passos cuidadosos. O estômago revirando, os ombros tensos. A porta de madeira estava m*l pendurada nas dobradiças, então empurrei devagar até abrir e entrei, examinando o interior. Nada parecia fora do lugar. Ainda era o mesmo galpão de sempre, meio empoeirado, com cheiro de madeira velha e umidade. Foi quando um barulho do lado de fora me pegou desprevenido. Segurei firme na faca e me posicionei perto da porta, escondido. Outro som. Passos. Um galho estalando sob pés pesados. Quem quer que fosse, não estava nem tentando ser discreto. Talvez achasse que não havia ninguém ali. A porta rangeu ao ser empurrada. Uma sombra caiu sobre o chão do galpão. Sem pensar, agi por instinto. Avancei, arma em punho, pronto para atacar. Só para dar de cara com meu irmão. — Que p***a é essa, cara? — ele resmungou, franzindo a testa para mim e para a faca. — Tá achando que é o Rambo agora? Guardei a lâmina rapidamente. — Desculpa. Vi que a porta não estava mais trancada e achei que algum invasor tivesse se instalado aqui. O que você está fazendo? — Te vi vindo pra cá. Quis ver o que estava acontecendo — respondeu ele, dando de ombros. Passou a mão pela barba espessa e castanha enquanto olhava em volta. Juro que vi a nostalgia bater forte. Apesar da cara fechada de sempre, ele parecia tocado. — Muita memória aqui — murmurou. — Muita história. — É... me conta. — São muitas, se quer saber. — Você ainda sente falta dela? Ele estreitou os olhos e cerrou o maxilar. — Claro. E você? — Claro que sim. Todo dia. — Mas ela deixou claro que não queria mais nada com a gente — falei, tentando manter a voz firme. — Não tem nada que possamos fazer. — Mas isso foi anos atrás — Jaxon rebateu. — As coisas mudam. — Anos atrás e ainda não tivemos nenhuma notícia. Nada. Não quero te dar falsas esperanças. Se ela voltasse... não acho que gostaria de nos ver. — É, eu sei — disse ele, voz distante, um sorriso melancólico nos lábios. — Lembra daquela vez que o Brien achou aquele estoque de bebida velho na floresta e trouxe pra cá? Ri ao lembrar. — Fomos muito idiotas de beber aquilo. Nem sabíamos de onde tinha vindo. — Mas a gente sobreviveu — ele disse, rindo. — Por pouco. Brien vomitou por dias. E a gente teve que limpar tudo antes dos pais dele descobrirem. — Totalmente valeu a pena. — Acho que sim. Só lembro da Ava estar tão feliz naquela noite. Mais do que o normal. Ela sorria como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Não conseguia parar de nos abraçar, de rir, de nos puxar pela mão pra deitar no campo e olhar as estrelas. Depois, jogou tudo pra fora, e nós dois cuidamos dela. Segurei seu cabelo enquanto ela vomitava atrás de uma árvore perto do galpão. Quando terminou, voltou a rir como se nada tivesse acontecido. Mas então tudo mudou. Ava se afastou de nós sem nenhuma explicação. E isso doeu. Perdê-la daquele jeito foi um golpe duro, especialmente por nunca termos entendido o porquê. — Enfim, é melhor trancar isso aqui de novo antes que os guaxinins se mudem — disse Jaxon. — Ia ser um desastre se os Moores voltassem e encontrassem uma família morando no galpão. — Eles não vão voltar — murmurei, sorrindo. Só o Brien apareceu por aqui de vez em quando. E mesmo ele passou um bom tempo afastado, sem nos explicar por quê. Quando falávamos com ele sobre a Ava, ele apenas nos mandava procurá-la. Mas ela nunca respondia. Com o tempo, Brien foi se reaproximando, e embora nossa relação não voltasse a ser como antes, ainda tomávamos uma cerveja juntos, conversávamos. Era pouco, mas melhor que nada. Ah, como eu sentia falta dele. Brien era meu melhor amigo, meu cúmplice. Enquanto Jaxon e Ava eram os mais certinhos do grupo, ele e eu sempre arrumávamos algum jeito de nos meter em encrenca. Matávamos aula, vagávamos pela floresta, fumávamos, bebíamos escondido. Bons tempos. Ava e Jaxon sempre foram mais próximos. Estavam em todos os clubes escolares, tiravam notas altas, praticavam esportes. Viviam treinando juntos. E, claro, isso os aproximava ainda mais. Eu... sempre tive sentimentos por ela. Assim como meu irmão. Mas nenhum de nós teve chance. Ela partiu. E nunca mais falou conosco. O que mais doía, o que me corroía por dentro, era não saber o motivo. Não ter respostas. Ajudei Jaxon a fechar a porta com novas tábuas, e voltamos em silêncio para casa. Era bom estar de volta, mesmo que entre empregos, mesmo que cheio de lembranças antigas. A floresta era um lugar de cura, mesmo com todos os fantasmas. Olhei uma última vez para a casa dos Moore. Havia tanto da nossa história ali. Talvez, um dia, Ava voltasse para visitar. No meu mundo ideal, ela nos explicaria tudo, e poderíamos seguir em frente, quem sabe até voltar a ser próximos. Mas essa não era a realidade. E mesmo que ela voltasse, algo dentro de mim duvidava que ela fosse bater à nossa porta. Enquanto eu permanecia ali, parado, parte de mim ainda esperava ver algum movimento. Qualquer sinal de Brien. Como se ele fosse o elo que ainda nos ligava a ela. Mas havia apenas silêncio. E a casa vazia parecia tão solitária quanto eu me sentia naquele momento.
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