JACE
Mano, eu tentei de tudo pra ela ficar. Juro. Fiz até dengo, cara de pidão, usei minha lábia de cantor de funk que já conquistou multidões. Mas não teve jeito. A Bela foi firme na decisão dela.
— Jace, eu preciso ir. Amanhã tenho prova cedo e depois trabalho até tarde. — ela disse, ajeitando a blusa enquanto eu segurava a cintura dela com os dois braços, querendo prender ela ali pra sempre.
— p***a, mas nem dá pra te ver um pouquinho amanhã? — perguntei, já bolado por dentro.
— Não vai dar. Juro. Tô numa correria.
Aí, pra piorar, ainda solta que não pode me passar o endereço dela. Que tá morando num quartinho alugado, que nem recebe visita.
Mano... aquilo me deu um aperto no peito. Fiquei mudo. Só observei ela ajeitando o cabelo no espelho e saindo pela porta.
Fiquei parado ali, no quarto, olhando pro nada.
Com a cama ainda com o cheiro dela, a marca do corpo dela no lençol. Eu tava com o coração cheio, mas também pesado.
A real é que eu tô tentando respeitar o tempo dela, o jeito dela, a independência dela. Mas é difícil. Porque eu olho pra Bela e só penso em proteger.
Em dar tudo.
Casa, carro, comida, roupa bonita.
Ela não ia mais precisar matar um leão por dia se tivesse comigo.
Ela não fala muito, mas eu sei da história.
Cresceu em orfanato, rodando por aí sem um lar fixo. Não tem pai, nem mãe, nem parente que encoste. Teve que devolver o apartamento por causa daquela desgraça do Ryan e agora tá escondida num canto qualquer, só com a roupa do corpo e os corres dela.
Enquanto isso, eu tô aqui, com apê espaçoso, closet entupido de roupa, carro na garagem, dinheiro na conta. E queria só uma coisa: dividir tudo com ela.
Pode parecer precipitado.
Pode ser até que eu esteja sonhando alto demais. Mas, mano… eu quero casar com a Isabela.
Quero ela comigo de verdade.
Dormindo do meu lado todo dia. Quero filhos correndo pela casa, Natal em família, domingo com farofa e jogo passando na TV.
É doido, né?
A gente acabou de se reencontrar, nem se resolveu direito ainda. Mas meu coração já decidiu. E quando ele decide… pode crer que é pra valer.
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Não aguentei ficar em casa remoendo tudo. Ficar longe da Bela já tava me deixando noiado. Precisava fazer alguma coisa. E quando o coração aperta, mano, a única coisa que me acalma é música. Então peguei a chave, meti o boné na cabeça e fui direto pra gravadora.
Cheguei lá e geral se assustou. Fazia meses que eu não aparecia. Teve até produtor que arregalou os olhos e falou:
— Caraca, Jace? É você mesmo, irmão?
— Sou eu, pai. Quero gravar uma parada hoje. Tá rolando estúdio?
Na hora os caras se mexeram, abriram uma sala só pra mim. Tava inspirado. Tava no gás. Aquele tipo de inspiração que só vem quando a gente tá amando, sofrendo e querendo mostrar pro mundo inteiro o que sente.
A música?
Era sobre ela.
Sobre a Isabela. Sobre o que eu vivi, o que eu senti, o que eu ainda sinto.
Peguei o mic e comecei a soltar a voz:
"Cê foi embora mas ficou no meu lençol
Teu cheiro ainda me sufoca, me joga no maior vendaval
Eu tentei seguir, tentei esquecer
Mas nenhuma rebola igual a você
Nenhuma me olha com o mesmo olhar
Que me faz querer largar tudo pra te amar"
A batida era pesada, envolvente, bem funk mesmo. Mas os versos eram verdade pura. Era desejo, saudade, amor. Uns palavrões aqui, umas sacanagens ali, mas com sentimento. Porque é isso que eu sou — quente, intenso, mas verdadeiro.
Enquanto eu cantava, me lembrei de tudo. Da nossa primeira vez, dos papos jogados fora, da risada dela, da forma que ela me olha quando tá entregue. E da forma que ela desvia quando quer fugir do que sente.
Meus pais sempre me disseram que quando um homem ama uma mulher de verdade, ela vira o lar dele.
O centro.
O começo e o fim.
Meu pai sempre tratou minha mãe como rainha. Me ensinou que a esposa tem que ser prioridade.
Que o amor não é só flor e beijo, é atitude.
E era isso que eu queria com a Isabela. Fazer ela entender que ela é a pessoa mais importante da minha vida.
Que eu não tô mais nessa de farra, de várias, de zoeira. Que se ela quiser, eu paro tudo agora e começo uma vida nova com ela.
Finalizei o som, os caras bateram palma, perguntaram se eu queria lançar no próximo EP.
— Ainda não. — respondi. — Essa é só pra ela ouvir. Se tocar o coração da Bela, aí sim vai valer a pena lançar pro mundo.
E eu fiquei ali, parado no estúdio, olhando pra luz vermelha apagando... pensando se ela ia entender tudo isso quando escutasse.
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Assim que finalizei a mixagem da faixa ali mesmo na sala com o DJ Nando, pedi pra ele fazer um corte só com a parte principal. Um trecho de 40 segundos, só voz e violão, antes da batida pesada entrar.
Um trecho bonito, verdadeiro.
Que doía de escutar até pra mim.
Peguei o celular e mandei direto pra Bela, com uma legenda simples:
“Escuta isso, por favor. É pra você.”
Fiquei esperando a notificação de visualizado, mas nada. Dez minutos. Vinte. Uma hora. Silêncio.
Tentei me convencer que ela tava ocupada mesmo. Que tinha aula, depois trampava até tarde. Mas não vou mentir: a ansiedade me consumia por dentro. Eu queria muito que ela escutasse.
Que ela entendesse tudo o que eu tava tentando mostrar. Que ela sentisse o que eu sentia naquela letra.
A madrugada chegou, o estúdio esvaziou, e eu fiquei ali, sentado, olhando pra tela do celular sem reação. Última visualização dela? Quase meio-dia. E já eram quase duas da manhã.
"Ela nem viu a p***a do áudio…"
Respirei fundo, tentando manter o controle.
Não podia surtar.
Não agora. Não com ela.
Ela tinha dito que o dia seria cheio, que a prova ia ser difícil e que depois o trampo era puxado. E eu sabia que ela não tava mentindo.
A Bela era assim: guerreira.
Sempre na correria.
Nunca teve ninguém pra facilitar nada pra ela.
Mesmo assim… doeu. Porque quando a gente coloca tudo o que sente numa letra, num verso, num refrão, a gente quer ser ouvido. A gente quer resposta. E o silêncio mata mais que qualquer “não”.
Fechei os olhos, joguei a cabeça pra trás e falei baixinho:
— Só queria que cê visse… que entendesse que tudo que eu mais quero é cuidar de você.
Mas naquele momento, ela tava distante. Correndo atrás dos sonhos dela, como sempre fez. E eu ali, torcendo pra ser parte desse futuro que ela tava construindo. Mesmo sem saber se tinha espaço pra mim.