O Que Você Quer De Mim?

1088 Palavras
Lívia O silêncio dele me sufoca. Estou sentada à beira da cama, de novo com o vestido amarrotado do dia anterior, tentando encontrar coragem para falar enquanto ele, de pé junto à janela, encara a cidade lá fora como se fosse dono de tudo. Talvez ele seja mesmo. O sol da manhã recorta sua silhueta, realçando as costas largas, as mãos enfiadas nos bolsos da calça e o maxilar tenso. Ele ainda não olhou para mim desde que acordamos. Eu deveria aproveitar a distração dele para correr. Mas depois do que aconteceu ontem, depois do aviso que ele me deu no elevador, sei que isso não seria só inútil seria suicídio. Então respiro fundo e finalmente falo: — O que você quer de mim, Dante? Ele não se mexe. — Já não está óbvio? — pergunta, a voz baixa, fria. — Não. Não está. — Minha voz falha no final. Ele gira lentamente, finalmente me encarando. Os olhos negros prendem os meus com a mesma intensidade sufocante de sempre. — Quero você. — diz, como se fosse a coisa mais simples do mundo. — Só isso? Ele caminha até mim, devagar, predador, até parar bem na minha frente. Sua mão sobe e prende meu queixo, inclinando meu rosto para que eu não possa desviar os olhos. — Isso já não é o bastante? — Para você, talvez. — murmuro. — Para mim, não. Ele sorri, mas sem humor. — Então diga o que quer, Lívia. — Liberdade. — respondo sem pensar. O sorriso dele some. — Isso eu não posso te dar. Ele se agacha na minha frente, ficando na altura dos meus olhos. Seus dedos percorrem meu rosto devagar, como se quisesse gravar cada detalhe na memória. — Você não entende, cara mia. Desde o momento em que te vi, algo em mim… quebrou. Eu tentei. Juro que tentei ser razoável. — Então por que não me deixa ir? — insisto, a voz quase um sussurro. — Porque você é a única coisa que me mantém inteiro agora. — Seus olhos escurecem, e por um instante vejo mais do que só desejo ali — vejo dor. — Eu sobrevivi a muita coisa, mas não sobrevivo a perder você. — Você não me ama. — digo, tentando convencê-lo — ou a mim mesma. — Ah, eu amo. — A mão dele aperta minha nuca. — Só não amo do jeito certo. Ele se levanta e caminha até a cômoda, pega uma garrafa de uísque e serve um copo. São nove da manhã. — Por que eu? — pergunto, ainda sentada na cama. — Você poderia ter qualquer mulher. Por que eu? Ele se vira, a expressão fechada. — Porque só você me olha como se eu não fosse invencível. — Ele dá um gole longo e completa: — E porque só você consegue me deixar de joelhos e me fazer querer te arrastar comigo pro inferno. — Isso é doentio. — Eu já te disse. — Seu olhar queima o meu. — Sou doente por você. Fico em silêncio, encarando minhas mãos. Sinto a respiração dele atrás de mim antes mesmo de perceber que ele voltou a se aproximar. — Sei que você me odeia agora. — Ele se senta ao meu lado, os dedos deslizando pela minha coxa. — Mas um dia vai entender que ninguém nunca vai te querer assim. — Você me quer ou me possui? — pergunto, encarando-o. Ele não responde de imediato. Apenas inclina a cabeça, um meio-sorriso surgindo. — Ambos. Puxa-me de repente para o colo dele, e seu beijo é urgente, desesperado. Eu deveria empurrá-lo. Eu deveria dizer não. Mas não digo. As mãos dele já estão sob meu vestido outra vez, me apertando como se temesse que eu evaporasse entre seus dedos. — Você sempre tenta fugir… — murmura, os lábios percorrendo meu pescoço. — E eu sempre acabo te trazendo de volta. Eu arqueio quando sinto seus dedos me despir com habilidade, deixando o tecido cair no chão. — Por que não se rende logo? — pergunta, a voz rouca. — Pouparia a nós dois tanta dor. — Porque eu tenho medo. — admito. — Bom. — Ele me deita de costas na cama, cobrindo meu corpo com o dele. — O medo te faz lembrar que você ainda sente. — Você gosta de me ver assim? — pergunto, a voz embargada. — Eu gosto de ver você de todas as formas. — Seus olhos se fixam nos meus. — Mas principalmente assim: tremendo, respirando por minha causa, implorando sem perceber. Suas mãos descem por minhas coxas, me puxando para mais perto enquanto sua boca toma a minha. Ele me possui outra vez, com mais calma dessa vez, mas não menos intensidade. Cada movimento é calculado para me arrancar suspiros, para me lembrar de quem eu sou quando estou debaixo dele. E, no fundo, eu odeio admitir que parte de mim já não quer lutar. Quando finalmente termina, ele deita ao meu lado, o braço pesado sobre minha cintura, e por longos minutos nenhum de nós diz nada. — Quem machucou você assim? — pergunto, finalmente, quase num sussurro. Ele fecha os olhos, a mandíbula se contraindo. — Não é assunto seu. — Se quer que eu fique, precisa confiar em mim também. O silêncio dele dura tanto que acho que ele não vai responder. Mas, por fim, ele fala: — Eu tinha oito anos quando meu pai me trancou num porão por três dias, porque quebrei um vaso. Minha mãe só abriu a porta quando já não conseguia me ouvir chorar. — Ele respira fundo, a voz falhando por um segundo. — Aprendi cedo que tudo o que eu amo acaba me machucando. Até você. Sinto um aperto no peito, e por um instante esqueço do medo, da raiva, da dor. Só consigo ver o menino que ele foi. — Dante… — começo, mas ele me corta. — Não. — Abre os olhos e me encara. — Não ouse ter pena de mim. — Não tenho pena. — respondo, firme. — Só queria entender. Ele sorri, triste, e se levanta, pegando a camisa no chão. — Você nunca vai entender. — diz, vestindo-se. — Mas vai ficar. — E se eu disser que não? — desafio. Ele para à porta e se vira, o olhar tão frio quanto fogo. — Então eu arranco de você qualquer pedacinho de vontade que ainda te resta. Antes que eu possa responder, ele sai do quarto, me deixando sozinha mas ainda prisioneira.
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