O Preço da Rendição

836 Palavras
Lívia O cheiro de Dante no travesseiro era tudo o que eu conhecia, tudo o que eu odiava e tudo o que, subitamente, me acalmava. O sol já estava alto, e a exaustão da noite ou melhor, da minha vingança me manteve presa até tarde. Ele não estava na cama. Por um momento, o pânico me gelou. Eu o droguei, o subjuguei. O Dante de ontem me mataria por menos. Levantei-me, vestindo a camisa dele novamente, e saí do quarto. O apartamento estava silencioso. A tensão que habitualmente sufocava o ar, aquela eletricidade perigosa que anunciava a iminência de um confronto, havia se dissipado. No lugar, havia apenas o silêncio. Um silêncio que me assustava mais do que qualquer grito. Eu o encontrei na cozinha, algo que nunca imaginei ver. Ele estava de pé, encostado ao balcão de mármore, pálido, mas de pé. E estava fazendo café. Seus olhos me encontraram. Não havia fúria, nem ameaça imediata. Havia algo mais estranho, algo que me fez parar na soleira da porta: resignação. — Você vai me pagar por isso — ele disse, e eu me preparei para o rugido. Mas a voz dele estava apenas baixa, rouca. O resquício do veneno ainda o enfraquecia. — Você já disse isso — respondi, apoiando-me no batente, imitando sua pose descontraída que não sentia. Ele sorveu “tomou lentamente” o café, os olhos fixos em mim, não no meu corpo nu sob a camisa, mas nos meus olhos. — Não. Você não entendeu. Não vou mais te forçar a nada. Se quiser ir embora agora, vá. Meu coração saltou. Isso era um truque. — E o que o Dante Morelli faz? Envia os capangas? Adiciona meu nome a uma lista de desaparecidos? Ele fechou os olhos, respirando fundo, e quando os abriu, a dor que vi ali me atravessou. — Eu quase morri ontem, Lívia. Não de fraqueza física. Morri um pouco por dentro. Morri quando percebi que você preferia me envenenar a me amar. Morri de novo quando você me dominou. Eu vi o que você estava disposta a fazer para ter um minuto de controle. Você é tão doentia e obcecada por liberdade quanto eu sou por você. O calor subiu pelo meu rosto. Ele estava certo. Eu não fugi para me libertar; eu voltei para vencer. Ele colocou a xícara na bancada com um ruído seco. — Eu te proíbo de fugir de novo, cara mia. Não porque eu te prenda, mas porque eu não aguento mais ficar doente por causa de você. — Eu sou o seu veneno — eu disse, a voz quase um sussurro. Ele deu um passo na minha direção. O corpo ainda lento, a aura de perigo não havia desaparecido, mas estava... domesticada. — E eu sou a sua cura. Você pode me odiar, Lívia. Mas eu vi nos seus olhos ontem. Você estava com medo de mim, mas também estava... acendendo. Você me quer, mas não do jeito que um homem quer uma mulher. Você me quer do jeito que um predador quer outro, para testar seus limites. Ele estava a um palmo de mim. O cheiro de uísque e café, misturado ao nosso cheiro de suor e sexo. — Você está doente — falei. — Sim. Mas por amar a sua escuridão, não só o seu corpo. Eu não quero mais a mulher que eu forcei a ficar. Eu quero a mulher que me envenena e depois me monta. E essa mulher... eu não posso prendê-la. Ele estendeu a mão, e eu não recuei. Tocou a marca que minhas unhas deixaram em seu peito, um arranhão feio e ainda vermelho. — Você ganhou um round. Mas não a guerra. A guerra só acaba quando a gente se render um ao outro. Eu desisto da posse. Você desiste da fuga. Seu olhar era um abismo que me puxava. Pela primeira vez, eu não senti ódio por Dante, nem medo. Senti algo terrível e incontrolável: desejo de cuidar dele. Desejo de curar a ferida que eu mesma causei. O verdadeiro amor nunca foi leve. Era isso: o desejo de se entregar ao seu próprio algoz, porque ele viu a sua alma antes mesmo de você. Ele esperou, a respiração presa. O poder estava nas minhas mãos. A porta estava aberta. Eu poderia ir embora. E ele morreria, lenta e dolorosamente, sozinho. Ou eu poderia ficar. E morreria de amor. Eu me inclinei e beijei a marca do arranhão em seu peito. — O que você vai fazer para me manter aqui, Dante? — perguntei, a voz tremendo. Ele sorriu, o sorriso não era mais predador, era... doloroso. — Eu vou te mostrar que a paixão não precisa ser leve para ser amor. Precisa apenas ser verdadeira. Ele me puxou para si, um abraço firme e desajeitado. Eu o segurei de volta, sentindo a fraqueza em seus músculos. E pela primeira vez, o perigo não estava nele. O perigo era eu mesma. Eu estava me apaixonando. E isso seria a minha ruína.
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