6- Enterro

1046 Palavras
Capítulo 6 Pedro narrando : Mano, nunca pensei que o bagulho ia doer tanto. O caixão fechado, lacrado, sem eu poder ver o rosto da minha irmã pela última vez… aquilo foi o golpe final. Os médicos falaram que teve que ser assim e pronto. “Por causa do estado do corpo”. Como se isso fizesse alguma diferença pra mim. Que se fodam eles. Eu queria me despedir direito, c*****o. Queria olhar pra Alice, segurar a mãozinha dela uma última vez, mesmo que ela não apertasse de volta. Mas não… me tiraram até isso. Ficou só aquele caixão fechado, me encarando. Fechado igual a p***a da minha vida agora, lacrado, como se tivesse jogado uma pá de cimento por cima de tudo o que um dia foi bom. Tava todo mundo no velório: vizinho, uns parentes distantes que nem faziam parte da nossa vida, só apareceram pra botar banca. Mas quem tava lá mesmo? Quem sentia a merda que eu tava sentindo? Ninguém, mano. Era só eu e aquele buraco no peito. Eu não chorei na frente de ninguém. Todo mundo ficou olhando, esperando ver eu desabar, mas não dei esse gosto. Chorar ali, com aquela gente toda olhando? Nem fodendo. Só fiquei encarando o caixão, sentindo o peso do bagulho. Sabe quando parece que tua alma tá sendo arrancada do peito? Foi isso que eu senti. E ninguém, nem uma p***a de pessoa, podia me ajudar. Quando acabou, esperei todo mundo sair. Fiquei sozinho com ela, com o caixão dela, e foi ali que a parada desabou de vez. Eu caí de joelhos na frente do túmulo, não tinha mais como segurar. O mundo ao redor desapareceu, mano. Só existia eu, ela… e o silêncio. O silêncio da morte. — Eu juro pra você, Alice. — Minha voz saiu tremida, com um nó na garganta. — Eu vou te vingar. Quem fez isso com você não vai sair livre, não. Eu juro pela nossa mãe, eu juro pela p***a de tudo. Esses filhos da p**a vão pagar. Dei um beijo no caixão e saí. Não olhei pra trás. Se eu olhasse, mano, não ia conseguir sair dali. Eu ia ficar pra sempre, preso naquele momento de merda, na p***a da dor. Voltei pra casa sozinho, cada passo era um peso que eu não conseguia mais carregar. A favela, a rua, a quebrada onde eu cresci… tudo tinha mudado. Não era mais o mesmo lugar. Sem a Alice, nada mais fazia sentido. O quarto dela vazio, os brinquedos espalhados… mano, eu queria quebrar tudo. Mas não fiz nada. Só deitei na cama, encarando o teto, esperando que o sono viesse, mas ele não veio. Os dias seguintes foram assim. Um inferno lento e silencioso. A pouca comida que tinha não tinha gosto, o tempo não passava. E toda vez que eu fechava os olhos, a imagem da Alice vinha. Aquela p***a daquele sangue todo. O corpo dela mole no meu colo. E eu não podia fazer nada, mano. Nada. Só ficar ali, parado, vendo minha irmã morrer. Passaram três semanas desde o enterro. Três longas semanas que mais pareceram uma eternidade. E eu precisava fazer alguma coisa. Não dava pra ficar trancado em casa, pensando nela o tempo todo, ou eu ia enlouquecer. Então, comecei a pegar papelão de novo. Era o único jeito de distrair a mente, de ocupar as mãos. Pelo menos assim, enquanto eu empilhava aquelas merdas, minha cabeça não ficava rodando nas mesmas ideias. O morro tava na mesma, as vielas cheias de gente, todo mundo fingindo que a vida continua, mesmo quando todo dia era mais um jogo de sobrevivência. Eu empurrava o carrinho velho que tinha arranjado, pegando as caixas de papelão que achava pelas ruas, sem nem olhar direito pra ninguém. Só queria fazer meu corre e voltar pra casa antes que o sol descesse. Foi aí que o carro parou na minha frente. O ronco do motor me assustou. Olhei de canto de olho e reconheci a cor do carro. Era o Fumaça. Ele desceu do carro com aquele jeito dele, sempre tirando onda, como se fosse o dono da p***a toda. Mas naquela hora, mano, eu não tava com cabeça pra aguentar as merdas que ele falava. Só queria seguir meu caminho, mas, claro, ele tinha que parar na minha frente. — E aí, Pedro, tá no corre de novo, é? — A voz dele veio cheia de deboche. Ele sabia que eu tava na merda, todo mundo sabia. — Tô, Fumaça. Preciso ganhar meu pão. — Respondi seco, sem paciência pra conversa fiada. Ele riu, aquele riso desgraçado que só de ouvir já dava vontade de meter a mão. — Sabe, irmão, o papelão não vai te tirar dessa vida de merda, não. Tem coisa melhor por aí. Fiquei quieto. Sabia onde ele queria chegar. Todo mundo sabia. Ele tava me oferecendo o que todo menor no morro ouvia uma hora ou outra: o tráfico. E eu, por mais que odiasse a ideia, sabia que não tinha muito pra onde correr. — E aí, Pedro? Vai continuar catando lixo ou vai crescer na vida? — Ele continuou, dando uma volta em torno do carrinho, como se estivesse analisando meu futuro ali. — Não tô nessa ainda, Fumaça. — Respondi, tentando controlar o tom de voz. A verdade é que, depois de tudo que aconteceu, uma parte de mim queria entrar de cabeça. Queria o poder, queria a p***a da vingança. Mas eu ainda não tinha decidido. Ele deu uma última olhada pra mim e abriu um sorriso largo, como se já soubesse o final da história. — Você vai mudar de ideia, Pedro. É questão de tempo. Todo mundo muda. Ele entrou no carro e saiu acelerando, deixando a poeira subir. Fiquei ali, parado, encarando a trilha de fumaça que ele deixou. Era verdade o que ele disse. Todo mundo mudava. Eu já estava mudando. E, no fundo, sabia que, mais cedo ou mais tarde, eu ia fazer o que era preciso. Três semanas. Três semanas da morte da minha irmã, e eu ainda sentia como se tivesse levado um tiro no peito. Cada vez que eu olhava pras ruas do morro, lembrava dela. E isso me corroía por dentro. Continua....... Deixem bilhetinhos 📚
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR