Capítulo 7
Pedro narrando :
Meses. Foram meses da mesma merda, dia após dia. O peso da morte da Alice ainda tava aqui, mano. Eu tentava seguir em frente, mas nada fazia sentido. O papelão já não era mais o suficiente, não me distraía mais, não tapava o buraco que tinha aberto dentro de mim.
Olhava ao redor, via a galera do morro fazendo o corre deles. Uns viviam de boa, outros já estavam mergulhados na merda até o pescoço. Mas de uma coisa eu tinha certeza: todo mundo tava sobrevivendo. E eu? Eu tava só existindo, vegetando por aí, sem objetivo, sem rumo. Sem a Alice, eu não tinha p***a nenhuma.
Cheguei num ponto que o papelão não me rendia mais nada. O dinheiro não dava pra segurar nem a comida do mês. E não era só isso, não. A vingança pela Alice queimava no peito. Era um fogo que não apagava, que não me deixava dormir. Toda noite, eu fechava os olhos e via o corpo dela no chão, o sangue, a vida escorrendo pelos meus dedos, e eu ali, sem poder fazer nada.
Foi então que eu decidi. Não ia mais continuar nessa vida de merda, catando papelão e esperando o tempo passar. Se eu quisesse vingar minha irmã, ia ter que entrar pro jogo. Não tinha outro jeito. Eu sabia o preço, sabia o que eu ia ter que abrir mão, mas o que eu ainda tinha pra perder? Nada. Já não tinha mais p***a nenhuma a perder.
Me vesti com a primeira roupa limpa que achei no armário, um tênis velho, e saí de casa com a cabeça feita. O caminho até a boca foi como qualquer outro, mas dessa vez, eu sabia que as coisas iam mudar. Não ia voltar pra casa o mesmo. Tava indo pra me jogar de cabeça nessa merda.
Cheguei na boca, os vapor tavam lá, fazendo a ronda, parados nas esquinas, com os olhos sempre atentos. Quando eu apareci, um deles, o Jota, me encarou de longe. Ele sabia quem eu era, sabia da minha história. Ninguém ali era i****a.
— E aí, Pedro? Vai querer o quê? — Jota perguntou, sem nem me dar um sorriso. Era só mais um dia de trampo pra ele.
— Preciso falar com o Fumaça. — Minha voz saiu firme.
Eu sabia que a partir daqui não tinha volta.
Ele arqueou a sobrancelha, como se estivesse surpreso com o que eu disse, mas não contestou. Deu uma olhada pros outros vapores e fez um sinal com a cabeça.
— Espera aí.
Jota sumiu por uns minutos e, quando voltou, fez sinal pra eu seguir ele. Passei pelos becos da favela, as paredes pichadas, o cheiro de mijo e lixo invadindo o nariz, mas nada disso me incomodava mais. Aquela era minha casa, meu lugar. Cheguei na entrada de uma casinha de tijolo, daquelas com as janelas sempre fechadas, e lá dentro tava o Fumaça.
Ele tava sentado num sofá rasgado, com uma arma no colo e uma lata de cerveja na mão. Quando me viu entrando, o sorriso dele se abriu de uma orelha a outra, mas não era um sorriso de boas-vindas. Era um sorriso de quem já sabia o que tava por vir.
— Sabia que ia ser questão de tempo, Pedro. — Ele deu uma risadinha, meio debochada. — Eu falei que todo mundo muda. E aqui tá você, né?
Eu dei de ombros, tentando não demonstrar que o nervosismo tava crescendo. Era f**a admitir, mas ele tinha razão. No fim, a vida te espreme até não sobrar outra opção. E ali tava eu, pronto pra fazer o que fosse preciso.
— É, Fumaça, você tinha razão. Eu preciso disso agora. — Respondi direto, sem enrolar. A última coisa que eu queria era parecer fraco na frente dele.
Fumaça me encarou por um tempo, como se estivesse avaliando o que eu realmente tinha a oferecer. Depois de alguns segundos, ele soltou uma gargalhada alta.
— p***a, moleque, sabia que tu ia acabar aqui. Todo mundo no morro sabia. Mas, ó, deixa eu te falar uma coisa, aqui não tem espaço pra amador. Se tu quer entrar, vai começar de baixo, igual todo mundo.
— Eu faço o que for preciso. — Minha resposta saiu firme.
Fumaça me encarou mais um pouco e depois soltou outra risada. Parecia que ele se divertia com aquilo, como se visse um filme que ele já tinha assistido milhares de vezes.
— Bom, então é isso. — Ele estalou os dedos, chamando um dos vapores que tavam por perto.
— Jota, leva o moleque aí pra dar uma volta. Ensina ele o básico. Vai começar como vapor, igual todo mundo. Não tem essa de pular etapas aqui, não.
Jota olhou pra mim e fez um sinal com a cabeça pra eu seguir ele de volta pro beco. Minha cabeça girava. Eu sabia que entrar nesse mundo ia ter um preço, mas não imaginava que ia ser tão pesado tão rápido. Saí da casinha com o coração batendo a mil, tentando digerir o que acabou de acontecer.
— Tá pronto pra vida, Pedro? — Jota perguntou enquanto andávamos de volta pra viela, o tom dele meio cínico.
— Tenho que tá, né? — Respondi, tentando soar mais confiante do que realmente me sentia.
A verdade é que eu sabia que essa vida não era brincadeira. Já tinha visto menor morrer por menos, gente que achava que tava preparado, mas na hora do aperto, não aguentava o tranco. Mas eu? Eu tinha um motivo. Alice era o meu motivo, e isso já me colocava à frente de muita gente. Não tava ali só pelo dinheiro ou pelo status. Tava pela p***a da vingança.
Jota me levou até a parte onde os vapores ficavam rodando, controlando a área. A parada era simples: quem mandava, mandava; quem obedecia, obedecia. E, por enquanto, eu ia obedecer. Aprender, observar, crescer. Até chegar a hora de dar o bote e pegar quem eu queria.
— Beleza, irmão, aqui é o ponto. — Jota me explicou, apontando pro canto da rua.
— Fica atento, presta atenção no movimento, e não se mete onde não te chamaram. Tu vai ser os olhos, entendeu? Olha tudo, mas não fala nada. Se alguém perguntar, tu não sabe de p***a nenhuma. Qualquer coisa, me chama. Se der merda, corre. Não tenta ser herói, senão tu acaba igual os outros.
Eu balancei a cabeça, concordando. O jogo tava começando, e eu sabia que o caminho ia ser longo. Mas eu tava pronto. Não era mais sobre mim. Era sobre ela. A Alice. E eu ia fazer cada segundo valer.
Continua .....
Deixem bilhetinhos para o nosso Caveira.