Sem piedade

805 Palavras
Adelson Eu não dormi. Fiquei ali, de olhos abertos, sentindo o peso da noite se arrastar devagar. Puxei um cigarro e encostei na cabeceira, enquanto Bruna se aconchegava no meu peito. Tinha largado minha maconha, por cauda dela, trocado por um cigarro limpo, desses caros, de outro aliado, importado, fabricado em território americano, puro de verdade, praticamente só planta para não fumar em cima dela. Só fumava no fim da noite, e era quando o silêncio batia mais forte e ela estava ali, agarrada em mim, como se eu fosse o único abrigo que restava no mundo dela. Minha pequena era tão doce, tão bonita. Quando chegou, estava magra demais, os ossos pareciam querer furar a pele, e o cabelo... tão longo que quase tocava os tornozelos. Agora, ela tinha ganhado peso, o rosto começava a ganhar cor, e eu mesmo cortei aquele cabelo — ela não deixou ninguém mais chegar perto. Se agarrou em mim de um jeito que era impossível ignorar. Enquanto ela respirava devagar no meu peito, o cheiro dela me envolvia, nem o cigarro conseguia me tirar o cheiro dela, era um cheiro suave e natural, e, sem aviso, meu corpo reagia,a excit@ção chegava. Respirei fundo, tentando afastar o pensamento, tentando lembrar que ela era só uma menina, alguém que precisava de proteç.ão, não dos meus impulsos. Puxei uma almofada e a coloquei em cima de mim, cobrindo o desconforto que crescia. Nos últimos dias, o cheiro dela me deixava em alerta, e eu fazia de tudo para que ela não percebesse. A última coisa que eu queria era assustá-la. Minha sorte era que ela não se mexia muito durante a noite, ou eu estaria perdido. Fumei parte do cigarro, deixando a fumaça preencher o peito, pesado, denso. Quando apaguei a ponta acesa na minha barriga, a dor me trouxe de volta, me arrancou do desejo que crescia sem controle. Eu precisava lembrar quem eu era, precisava segurar o impulso. Eu não precisava de uma excit@ção dura e forte, logo pela manhã, porque se ela percebesse e não quisesse mais dormir comigo… quem não aguentaria seria eu. Uma hora depois o sono veio, Mas não durou muito. O telefone tocou. Atendi, cansado, e a voz de Xandy entrou pelo aparelho — um dos meus homens de confiança. — Tô escutando, Xandy. — Os homens querem saber... se podem brincar com a dondoca. Era assim que chamavam o desgr.açado agora, o pai da Bruna, mas ele já não era mais homem nenhum. Eu tinha feito acordos, e alguns medicos, médicos dos bons, o transformaram no que ele merecia. Não era mais um homem. Não era nada, e o mais importante , agora, ele tinha uma v@gina, e poderia sentir o que Bruna sentiu, cada dor e sofrimento. — Digam que podem brincar... podem. Mas não esqueçam, ele tem dez anos pra ficar aí. Dez anos. Foi o que a Bruna sofreu... ele vai sofrer também. Você fica responsável, Xandy. Pode deixar ele vivo. — Fico, chefe. Não sou chegado nele... mas vai ser divertido.. — Ah, faça os pagamentos dos homens, Xandy. Não tive tempo... — Faço, chefe. Faço. Até amanhã. Desliguei o telefone e fiquei ali, tentando relaxar, mas o sono vinha aos poucos, pesado, puxando devagar, porque eu gostava mesmo era de segurar minha pequena, podia virar a noite assim. Foi quando ela começou a chorar no sono. — Não, papai... não, papai... — a voz dela era fraca, quebrada, carregada de dor, o medo, era como se eu pudesse sentir o cheiro do medo dela. Eu a segurei forte, puxei para perto, beijei o topo da cabeça dela, sentindo o cheiro doce que, ela não merecia sofrer assim, não merecia. — Bruna... Bruna... — murmurei, com a voz baixa, firme, mas cheia de cuidado. — Tá segura, minha pequena. No nosso quarto... tudo bem agora, está no nosso quarto e ninguem vai tocar em você, tranquila. Aos poucos, ela foi se acalmando. O choro cessou, e ela voltou a dormir, encolhida em mim como se eu fosse o único escudo capaz de protegê-la daquele passado sujo, eu, mais um crápula, só mais um crápula e tinha a confiança dela. Eu era ru.im, eu sabia disso. Até pra alguém como eu, que nunca se considerou uma pessoa boa, aquilo era o p.ior tipo de maldade que um homem podia cometer. Se dizia pai... mesmo sem ter o mesmo sangue, ele machucou uma criança, destruiu tudo o que ela tinha de puro a inocência, a beleza da adolescência, do primeiro amor, do primeiro beijo e da primeira vez. Bruna... ela era só uma criança. Frágil, inocente, sem forças pra se defender, e ele arrancou tudo isso dela, sem dó e sem piedade. Agora, eu ia arrancar tudo dele também. Cada pedaço, cada fio de orgulho, até a última gota de dignidade..
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