Capítulo 3
Íris Brown
A mulher me entregou o cartão, sorriu como se estivesse me oferecendo um café… e simplesmente foi embora.
Do nada.
Sem explicação.
Sem dizer nome.
Sem dizer p***a nenhuma além daquela frase enigmática que ainda ecoava na minha cabeça:
“O coração que você precisa… eu posso conseguir.”
Fiquei aqui, parada no banco gelado da calçada, com aquele pedaço dourado entre os dedos, como se fosse uma bomba-relógio. E talvez fosse.
Talvez eu tivesse acabado de cruzar com uma maluca. Ou com alguém que queria brincar com o desespero dos outros.
Ou talvez…
Talvez o mundo estivesse me jogando uma última corda antes de eu me afogar de vez.
Suspirei, fechei os olhos, e tentei organizar os pensamentos. Mas como é que se pensa direito quando sua irmã está morrendo dentro de um hospital?
Olhei ao redor. As pessoas seguiam suas vidas normalmente. Um casal se abraçando. Um entregador reclamando do frio. Uma mãe puxando o filho pela mão.
E foi aí que vi ele.
Um menino. Devia ter uns nove ou dez anos. Cabelinho bagunçado, sorriso de canto de boca, e aquele jeito de andar…
De repente, tudo me voltou com força.
Jack.
Meu Jack.
Meu melhor amigo.
Meu primeiro amor.
Meu pedaço mais bonito da infância fodida que eu tive.
Ele dizia que ia voltar.
Dizia que ia me buscar.
Que nunca ia me esquecer.
Eu fiquei esperando por anos naquela janela do orfanato.
Esperando. Sonhando. Imaginando que a qualquer momento ele ia aparecer com um casaco novo, um sorriso largo, e dizer: “Eu te falei que voltava, lembra?”
Mas ele nunca voltou.
E eu fiquei lá.
Vendo todo mundo ser adotado.
Vendo gente indo embora e gente nova chegando.
Mas nunca ele.
Nunca o meu Jack.
Até que um dia eu parei de esperar.
E me convenci de que tinha sido só mais uma promessa vazia.
Passei a mão no rosto pra afastar a lágrima teimosa e guardei o cartão no bolso da jaqueta.
— Que merda de vida, hein… — sussurrei pra mim mesma, me levantando com o corpo mole e a alma esmagada.
Voltei para o hospital com o estômago embrulhado. Ainda sentia o cheiro da Sandra desmaiada no chão da sala. Ainda sentia o medo colado na pele.
Assim que entrei na recepção, a assistente social veio falar comigo, mas eu m*l ouvi o que ela disse. Eu só queria ver minha irmã. Saber se ela estava acordada. Saber se ela ainda estava aqui.
Minutos depois, o mesmo médico de antes me chamou numa salinha lateral. O olhar dele tava mais pesado que antes. Meu coração disparou.
— Você é a única responsável legal por ela, certo?
Assenti. A garganta seca. O corpo inteiro em alerta.
— Fizemos alguns exames… e temos outra notícia que você precisa saber.
— Outro problema? — perguntei, quase sem conseguir respirar.
— A sua irmã… está grávida.
Silêncio.
O chão pareceu sair debaixo dos meus pés.
— O quê?
— De algumas semanas. Ainda é recente, mas o suficiente pra ser preocupante. Nas condições dela, Íris, o corpo não vai aguentar. A gravidez acelera o desgaste do coração. Ela pode não sobreviver até o terceiro trimestre.
— Mas... ela nem sabia! Ela nunca falou nada!
— Talvez nem ela soubesse. Mas agora sabemos. E isso… complica tudo.
As palavras dele martelavam na minha cabeça.
Grávida.
Morrendo.
Transplante.
Sem tempo.
Eu levantei da cadeira tão rápido que quase caí.
Fui até o banheiro do hospital, trancada, e desabei de vez.
Chorei como uma criança. Como uma filha sem mãe. Como uma irmã sem saída.
A Sandra… minha Sandra… sempre foi meu único motivo.
Ela cuidou de mim desde que a gente perdeu tudo.
Ela que foi a mãe, pai, amiga.
Ela que segurou a barra todas as vezes que eu desabei.
E agora ela ia morrer com um bebê dentro dela?
Sem ter chance nenhuma?
Sem nem saber que tava grávida?
Ou será que ela sabia e por algum motivo não quis me contar?
A dor era insuportável.
Abri a torneira e joguei água no rosto, tentando me manter de pé. O cartão ainda tava no meu bolso. Eu podia sentir a borda dele pressionando contra meu quadril.
Puxei e fiquei olhando ele de novo. A única coisa escrita era um nome: Eva Walton.
E um número.
Respirei fundo.
— É loucura… — sussurrei. — É uma armadilha. É furada.
Mas era tudo que eu tinha.
Tirei o celular do bolso com a mão tremendo. Meus dedos pareciam pesar toneladas. Digitei o número. Toquei. Uma. Duas. Três vezes.
Do outro lado da linha, a voz suave atendeu.
— Eu sabia que você ligaria.
— Você falou sério?
— Falo sério sobre tudo, Íris. Ainda quer salvar sua irmã?
— Sim. Mas não entendo. Quem é você? Como sabe de mim? Por que faria isso?
— Porque eu também tenho alguém para proteger.
E porque… o que eu quero de você não é nada comparado ao que você vai ganhar em troca.
— Me fala logo o que é essa proposta.
Pausa. O silêncio mais calculado do mundo.
E então, com a calma de quem tá apostando a alma no d***o, ela responde:
— Quero que você seduza meu marido.
E destrua ele por dentro.