Capítulo 4
Íris Brown
— Seduzir o seu marido?
A pergunta escapou da minha boca antes que eu pudesse pensar.
Acho que minha alma deu um curto-circuito. Porque eu juro que achei que tinha escutado errado.
— Eu escutei bem?
— Escutou muito bem — a mulher repetiu, com uma calma que me deu calafrios. — Eu quero que você seduza o meu marido.
Fiquei muda por alguns segundos. Meu cérebro tentando entender o que, exatamente, tava acontecendo.
Era alguma pegadinha? Uma câmera escondida? Ou só o universo brincando com a minha cara de novo?
— Que tipo de mulher em sã consciência pediria isso? — perguntei, entre irritada e confusa.
— A questão não é o tipo de mulher. É o tipo de homem.
E o meu marido... merece cada golpe.
Ela falou como quem já carregava ódio há tempo demais. Um ódio calmo, silencioso, do tipo que não grita — mas mata.
— Eu ainda não estou entendendo. Por que EU? O que você ganha com isso? Que tipo de loucura é essa?
— Não é loucura, Íris. É estratégia. Eu sei quem você é. Sei da sua irmã. Sei que você não tem ninguém. E sei que tá disposta a tudo pra salvá-la.
Ela fez uma pausa e deixou o silêncio pesar como chumbo entre nós.
— E mais importante que tudo… sei que você é exatamente o tipo de mulher que atrairia a atenção dele. Bonita, inteligente, com um passado triste o suficiente pra parecer real. E vulnerável o bastante pra ele pensar que tem controle sobre você.
— Eu... eu não sei nem por onde começar com isso. E se ele descobrir? E se eu falhar?
— Se você falhar… sua irmã morre.
Simples assim.
Aquela frase caiu como uma lâmina no meu peito.
Fria.
Direta.
Cruel.
Mas verdadeira.
— E se eu... aceitar conversar, o que acontece?
— Se realmente quiser saber os detalhes, me encontre hoje às sete da noite. Vou te mandar a localização por mensagem. Estarei esperando.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela desligou.
Fiquei olhando para o celular por alguns segundos, como se ele tivesse explodido na minha mão.
Era isso. Eu tinha acabado de receber a proposta mais absurda da minha vida. E mesmo assim… não conseguia ignorar a voz dentro de mim dizendo:
“E se for verdade?”
Guardei o telefone no bolso e saí do banheiro do hospital com a cabeça latejando. Avisei à enfermeira que precisava sair por uns minutos, que estaria com o celular ligado, e que era urgente.
Ela me olhou com pena, como quem sabe que quando a vida te joga no buraco… você cava com a mão.
Assim que pisei na rua, o celular vibrou. Uma mensagem. Localização compartilhada. E um nome:
“Bellgravia House.”
Eu engoli seco.
Conhecia o nome. Era um dos restaurantes mais caros e luxuosos de Londres. Um lugar que eu só via em revistas ou em vitrines quando passava pelas ruas ricas da cidade. Um lugar onde uma sopa custava mais do que o aluguel do meu apartamento.
Apertei os olhos e olhei de novo. Tava certo. Era lá mesmo.
— Essa mulher só pode ser maluca — murmurei pra mim mesma. — Ou muito rica… ou muito perigosa.
Talvez as três coisas juntas.
Peguei o metrô com o coração na garganta. Cada estação parecia um passo a mais fora da minha zona de realidade. Eu não tinha roupa pra esse tipo de lugar. Tava de jeans surrado, blusa de frio puída e tênis barato. Mas também... f**a-se. Não era um encontro. Era uma armadilha.
Ou uma chance.
Desci na estação certa e caminhei pelas ruas elegantes de Belgravia como quem atravessa outro universo. As calçadas eram limpas, as fachadas reluziam, os carros pareciam saídos de filmes.
E lá estava ele: Bellgravia House, com suas colunas brancas, portas douradas e seguranças de terno.
Respirei fundo, apertei o cartão no bolso e entrei.
O cheiro de vinho caro e madeira polida me atingiu de cara. A iluminação baixa, as mesas afastadas, a música instrumental de fundo. Tudo ali parecia gritar que eu não pertencia àquele lugar.
Mas mesmo assim… continuei andando.
E então eu vi ela.
Sentada à mesa do canto, perto da janela.
Vestido preto justo, salto alto elegante, cabelo perfeitamente penteado, joias discretas e caríssimas.
A mulher exalava poder. Frieza. Controle.
Era o tipo de mulher que não pedia. Ordenava.
Ela me viu e sorriu de leve. Um sorriso de quem já sabia que eu viria.
Me aproximei, sentindo o olhar de algumas pessoas me seguindo. Eu era a peça fora do tabuleiro. A carta marcada. A intrusa.
— Sente-se — ela disse, como se fosse a dona do restaurante.
— Tô aqui. Mas ainda não disse que aceito nada.
— Eu sei. Por isso chamei pra conversar. Nada é feito sem escolha, Íris. Mesmo quando achamos que não temos nenhuma.
— Então fala logo. Por que quer destruir seu marido? Quem é ele, afinal? Se quiser que eu participe disso, precisa ser sincera.
Ela apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos.
— O nome dele é Rui Smith.
Meu coração quase parou.
Smith?
Esse sobrenome… mexia com qualquer pessoa. Um dos nomes mais influentes do país. Não acompanho e não sei quem são exatamente os integrantes dessa família, mas já ouvi comentários.
— Rui é CEO da Smith Corp. Empresário exemplar. Pai amoroso. Esposo dedicado.
Pelo menos, é isso que o mundo pensa.
Mas eu sei quem ele realmente é.
— E por que você quer ferrar com ele?
— Porque ele me traiu. Me usou. Me destruiu. Eu descobri que ele está por trás da falência da minha família, fora alguns detalhes que você não precisa saber.
E mais do que tudo… porque eu tenho uma filha de dois anos. E não vou deixar que ela cresça nas mãos de um homem como ele.
Ela bebeu um gole de vinho e me encarou.
— Então, Íris… está pronta pra ouvir minha proposta completa?
Eu respirei fundo. E encarei ela de volta.
Talvez essa fosse a noite em que eu vendesse minha alma.