Enquanto eu deixava a água cair sobre o meu corpo, eu tentava lavar aquela sensação estranha de algo fora do lugar.
Minha vida estava realmente uma confusão que somente Deus pode explicar.
Eu já não sabia mais se sentia a dor da perda recente de mamãe ou por estar sendo forçado em um noivado abusivo.
Não sabia se temia por minhas notas em declínio na escola ou se temia por não saber sobre o passado de Vikram.
Tudo estava muito confuso para mim, de uma maneira que nem eu mesmo estava conseguindo mais manejar.
Respiro fundo tentando conciliar tudo em minha mente, e foi olhando para o espelho pensativo que acabei por me lembrar de súbito que me esqueci da ligação que precisava fazer para Theo.
Assim que saí do banheiro já em meu pijama com o objetivo de ligar para meu amigo, me assustei ao dar de cara com Aric sentado em minha cama com duas roupas em seu colo.
Coloquei a mão no peito sentindo aquela sensação r**m do susto.
– Que susto, Ricky! Quase que você me mata do coração!
Exclamei franzindo as sobrancelhas nada feliz por ele invadir meu quarto dessa maneira. Ele apenas ri se pondo de pé e me mostrando as duas roupas.
– Preste bem atenção!
Ele apontou para mim ignorando completamente o fato de eu ainda estar chateado pelo susto e pela invasão.
Cruzei meus braços descontente por ele estar me interrompendo para algo que eu sabia que era trivial (eu nem mesmo precisava saber o que era para ter certeza).
– Eu tenho duas opções. Esta aqui...
Ele ergue a roupa branca que aparentava ser algo como uma farda militar envelhecida, como um uniforme militar centenário.
– E essa aqui.
Ele ergue a mais escura que aparentava ser uma fantasia de pirata sendo composta por uma calça larga marrom, uma blusa de linho marfim, um casaco de pele e um tapa olho.
– Uma é de oficial zumbi e a outra é de pirata gostosão.
Explicou sobre o que eram as roupas e eu torci meus lábios não crendo que ele havia invadido meu quarto apenas para isso.
Porém, ele estava tão animado com aquilo que eu nem mesmo ousei a desfazer sua alegria.
– Qual você acha que combina mais comigo?
Ele pergunta sorrindo com seus belos e retos dentes centrais apontando para o conjunto do "pirata gostosão" para que eu escolhesse aquele.
Eu ri me divertindo um pouco com aquilo apontando para o uniforme militar e ele deixou o sorriso morrer e os ombros caírem.
– Sério, Minnie?
O ruivo - sim, Aric era ruivo - perguntou decepcionado e eu dei de ombros empurrando ele para longe com o objetivo de chegar ao telefone de minha cabeceira.
– Eu acho que combina mais com você.
Me justifiquei discando o número de Theodore que eu já possuía de cabeça faz tempos.
– Mas se você quiser ir de pirata gostosão você é quem sabe.
O tranquilizei levando meu olhos para ele que me olhou entediado jogando as duas roupas no ombro.
– Ah, claro... como se fosse super fácil usar essa roupa depois de uma crítica como essa!
Ele comentou ofendido enquanto caminhava de nariz torcido até a porta do quarto.
– Aric! Não foi isso que eu quis dizer.
Ri tentando fazer ele entender o meu ponto de vista, mas ele negou acenando de costas saindo do quarto me fazendo rir um pouco mais.
Ele com toda certeza vai escolher a que eu falei. Aric nunca arriscaria ir feio para uma festa, e isso era algo que nem mesmo era uma opção para ele.
Me lembrando da ligação, efetuei a mesma colocando o telefone em meu ouvido e pegando o suporte onde tinha o microfone para falar.
– Você me fez esperar por mais de duas horas!
Afastei o telefone do ouvido para não ficar surdo do mesmo.
A voz de Theo era alta até mesmo pelo telefone.
– Calma, amiguinho. Eu tenho uma explicação bem plausível para tudo...
Comentei já me preparando para contar tudo a ele e o escutei pigarrear como quando ele está irritado.
– Acho bom mesmo!
Reclamou ele e eu ri começando a explicar do início de toda essa confusão.
[...]
– Sua fantasia era para ser exatamente o quê?
Rindo, me virei para Theodore me referindo aquilo que ele chamou de fantasia.
Ele penteou seus cabelos para trás ignorando o fato de eu estar rindo dele. Ou melhor, da roupa dele.
– Um vampiro, Armin! Dos bem perigosos!
Ele respondeu ofendido e eu gargalhei vendo ele ajeitar seu sobretudo cor vinho e sua gravata vitoriana.
Ele também estava usando uma prótese dentária para ficar parecendo mais com um vampiro, mas estava mais parecendo um filhotinho de cachorro.
– Perigoso, sei.
Continuei rindo enquanto ajeitava o meu cabelo sob a tiara de orelhinhas de gato e terminando de prender a cauda em minha calça.
De todas as fantasias que eu tinha, acabei por escolher aquela apenas para ajudar Vikram a se disfarçar no meio das pessoas.
E isso não seria muito difícil, já que sua fantasia seria algo que ele já possui naturalmente.
Assim que eu estava prestes a perguntar sobre ele, vi o híbrido entrar no quarto de Theo em um smoking preto mas com as orelhinhas e a cauda ambos de fora.
Alternei os olhos entre a minha roupa e a dele acabando por perceber que Theodore havia escolhido o smoking que mais parecia com a minha roupa para o híbrido.
– Vocês parecem um casal.
Confirmando meus pensamentos com sua frase, Theo atraiu meu olhar fulminante para ele que ria se divertindo com a situação.
Me afastei um pouco do híbrido sentindo meu rosto esquentar de constrangimento e raiva.
Eu estava com uma blusa branca simples com mangas estilo príncipe, uma calça preta e luvas de renda da mesma cor.
Enquanto Vikram usava além do Smoking preto, uma blusa branca e um colete de renda preto.
Isso era definitivamente a cara de Theo.
Porém isso também não deixava de me impressionar, já que ele nunca foi de me empurrar para garotos assim.
Não que Vikram fosse querer algo comigo, mas era minimamente constrangedor.
– Não vejo nenhum problema nisso, e você Armin?
Vikram finalmente se expressa com totalidade de palavras na frente de Theo que suspendeu as sobrancelhas e depois voltou seus olhos para mim.
– Então você não tava brincando mesmo?!
Meu amigo me questionou horrorizado e eu afirmei bufando por essa ser a milésima vez que eu respondo suas dúvidas sobre esse assunto.
– Brincando sobre o quê?
O híbrido se meteu no meio da conversa cruzada e eu abanei minha cabeça com um sorriso genérico a fim de que tal conversa se encerrasse.
– Gente, essa calça tá muito apertada?
Mudei o enfoque passando a mão por minha calça bem passada sabendo que ela estava em um tamanho bem adequado, mas precisava mudar de assunto.
Vikram POV
Como meus olhos já estavam em seu corpo muito antes de sua pergunta atingir meus ouvidos, minha resposta fora bem simples e involuntária.
– Você está perfeito.
Respondi sorrindo de lado e observando a maneira como sua fantasia me deixava tendo algumas novas reações.
Se ele fosse realmente um híbrido como eu, talvez eu já tivesse mordido ele e o feito meu.
Não compartilharia a dádiva de tê-lo com ninguém.
Definitivamente Armin possuía uma beleza que devia ser conservada, e com toda certeza eu não era o único pensando dessa forma.
Vendo a maneira como Theo também o observava falar, logo senti os pelos em minha nuca se arrepiarem.
– Não está, Theodore?
Redirecionei o questionamento para ele vendo que sua primeira reação foi ficar sem graça, mas ele logo afirmou veemente.
– Absolutamente.
Sorriu nervoso ajeitando sua própria roupa para tentar não demonstrar algo que eu já havia percebido.
Armin era naturalmente loiro, lábios rosados e cheios, seu corpo parecia o de um ginasta, esguio e firme. Sua postura era de príncipe, seus modos também.
Seus olhos castanhos quase cor de mel, tudo nele era perfeito.
– Parem com isso... assim vocês me deixam com vergonha!
Armin sorriu abanando as mãos e pegando sua bolsa.
– Vamos, quanto mais cedo chegarmos mais cedo partiremos!
Exclamou ele liderando o caminho para fora do quarto.
[...]
Narradora POV
Por todo o caminho, muitos eram os pensamentos dentro daquele carro.
Armin pensava em uma maneira de fazer com que Vikram não chamasse muita atenção na festa e ainda sim sair para procurar pistas sobre o passado dele.
Aquela era sua única e preciosa chance.
Vikram, pensava em todas as possibilidades daquilo dar errado, já que faziam quase dois anos que ele não voltava naquele lugar, e por isso nem saberia como reagir.
Ele também mantinha seus olhos fixos no cantor amigo do garoto, já que suas ações - mesmo que amigáveis - lhe pareciam com segundas (e até terceiras) intenções.
E já Theodore, apenas remoia o fato de ter escolhido aquela fantasia, já que com toda certeza alguém deve ter escolhido a mesma.
Não tinha como tudo simplesmente dar errado, não é?
Ao chegarem na mansão Goldberg, Armin respirou fundo e voltou seus olhos para Vikram na esperança de que ele pudesse lhe passar alguma confiança.
Porém, infelizmente, ele parecia tão nervoso - ou até mais - quanto Armin.
O híbrido estava ciente do problema que ele arranjaria para si se ele pusesse os pés naquele lugar.
Mas, ignorando todos os seus pensamentos realistas, Vikram resolveu estar nessa festa apenas para proteger o garoto das mãos - e intenções - de Victor.
Ele sorriu para o loiro nervoso, Nikita se espreguiçou tranquilo e Theo ajeitou seu sobretudo andando e adentrando cada vez mais naquele lugar imenso.
Armin se surpreendeu por perceber que aquela mansão era exatamente igual ao desenho de Vikram, e isso era minimamente bizarro, mas também interessante.
O tal híbrido, no entanto, ao ver novamente as escadarias por onde ele saltitava quando criança, recuou.
Ainda dá tempo de fugir?
Pensou hesitante, mas logo esse seu pensamento foi desfeito ao ver Victor no hall recepcionando os convidados vestido de vampiro.
Woah, Theo vai ter uma síncope quando vir essa fantasia!
Foi a primeira coisa que Armin pensou ao ver o "noivo" caracterizado.
Entretanto, o híbrido franziu o cenho sem saber o que o irmão estava fazendo alí.
Victor sempre se recusou a receber convidados, mas dessa vez ele estava a frente de todo o pessoal da recepção.
Algo completamente estranho, mas não era muito difícil enxergar suas intenções por trás disso.
Foi inevitável Victor reparar na chegada de Armin - assim como de seu irmão - e ele sorriu se aproximando dele.
– Se eu soubesse que você viria de gatinho eu ficaria feliz em acompanhá-lo com a mesma fantasia.
Ele comentou com um sorriso cortês e Vikram se aproximou soltando uma gargalhada que soava divertida, mas quem o conhecia bem sabia que ele não estava se divertindo muito com aquilo.
Armin se encolheu e Victor trancou seu maxilar não acreditando que Vikram havia tido coragem suficiente para voltar naquele lugar.
– Realmente é uma pena que só você não tenha, não é?
Vikram alfinetou o mais novo passando a mão por uma de suas orelhinhas escuras em sua cabeça.
Victor, atingido pelo golpe baixo vindo do mais velho, recuou incrédulo ao que ouviu aquilo. Seu rosto empalideceu de pronto, e ele apenas se calou.
– Vamos, Min. Vou te mostrar a casa.
Vendo que ele havia acertado na fraqueza do mais novo em cheio, o moreno murmurou para o loirinho ao seu lado fazendo questão de trazê-lo para si com sua cauda.
Victor engoliu a seco quase deixando seu ódio escorrer por suas extremidades.
Ele faria Vikram pagar por suas palavras.
Mas antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, em um timing perfeito, o terceiro irmão, Daniel, aproximou-se ao que Vikram se retirou com Armin.
Fantasiado de capeta, ele veio com uma de suas mãos no bolso e uma outra segurando um copo ponche, o qual ele estendeu para o mais velho.
– O que ele disse?
Perguntou o moreno tentando tocar no ombro de Victor que se afastou bebendo o líquido batizado com bebida alcoólica em um só gole.
Colocou o copo em uma bandeja que um servente qualquer passava carregando e pontuou:
– Nada que não possa ser mudado.