Capítulo- XII. Despertando
" O despertar é mais do que abrir os olhos, é enxergar com a alma."
Varuna
A noite tinha chegado, e com ela, a minha ansiedade de conversar com a menina.
No silêncio do meu quarto, após me deitar, peguei o celular e digitei:
"Boa noite, Camila. Pode conversar?"
Enviei com o coração quente, o corpo febril e o pensamento nela.
Soltei o celular ao lado do corpo, achando que talvez a menina não respondesse.
No entanto, a notificação chegou — e com ela, minha esperança se renovou.
Alcei o telefone e sorri ao ver o nome dela.
Abri a mensagem:
"Boa noite, Varuna. Sim... já viu como a noite está linda? E o céu, belíssimo."
Não, eu sequer tinha olhado para o céu. Mas me levantei, fui até a janela, abri as cortinas e, através do vidro, deparei-me com um céu carregado de estrelas.
Enviei uma mensagem de áudio:
— Estou olhando para ele agora. Realmente está lindo. Parece seus olhos... brilha com intensidade.
Recebi outra mensagem, dessa vez de voz:
— Os seus parecem a imensidão azul do céu beijando o azul do mar no fim do horizonte...
Sorri. Meu coração acelerou, minhas mãos tremiam. Respirei profundamente.
— Quero te ver... posso fazer uma chamada de vídeo?
Lancei o pedido com um frio na barriga. Não me reconhecia. Para tomar decisões que custam milhões, nunca sou tomado por essa sensação. Mas com a menina, eu me sentia pisando em ovos.
— Sim...
A resposta veio baixa e suave.
Não perdi tempo. Iniciei a chamada e, no segundo toque, Camila atendeu. Meus olhos agradeceram por vê-la. Reparei nos cabelos úmidos, no rosto que me fascinava, nos lábios bem desenhados. Camila passava longe do perfil das mulheres com quem eu costumava sair. Mas algo nela me chamava. Uma espécie de energia que não sei explicar — apenas sinto.
— Você é bonita, menina... — quando dei por mim, já tinha falado.
Ela sorriu, tímida, andou pelo quarto. De repente, tudo ficou escuro, e logo uma luz fraca tomou o ambiente. Camila se deitou e olhou para a tela do celular.
— E você é lindo...
Abri um sorriso. Ela conseguia tirá-los de mim com uma facilidade absurda.
Fiz o mesmo, me deitei. Ficamos os dois em silêncio. Um silêncio que parecia dizer mais do que sabíamos ou conhecíamos.
— Quantos anos você tem? — perguntei. A menina piscou devagar.
— Dezesseis.
Um arrepio frio percorreu meu corpo.
“Nova... muito nova para mim.”
— E você? — Camila devolveu a pergunta.
Fiquei com um vinco no meio da testa. Ela era menor de idade.
— Vinte e oito — respondi. Minha voz saiu áspera.
Camila desviou o olhar. Seu rosto ganhou um ar constrangido.
— Eu vou desligar e...
— Não! Não faça isso! — falei num rompante. Não queria que a imagem dela desaparecesse.
Camila se assustou. Seus olhos ficaram arregalados, encarando a tela.
— Por que não faria?
— Porque... eu quero te olhar. Gosto de te olhar. Não quero parar de te olhar.
— Também gosto de te olhar...
— Quando faz dezessete anos?
Ela sorriu, ajeitou a blusa do pijama.
— Amanhã...
Meu peito disparou. Olhei a data no visor do celular. 23 de janeiro.
— Vai comemorar?
— Já estou comemorando. A viagem ao Rio Grande do Norte é o presente que meu pai está me dando.
Ela sorriu, e ficou ainda mais bela. Tive vontade de lhe dizer coisas bonitas, doces, daquelas que dizemos ao pé do ouvido de quem queremos.
Tive algumas ideias.
— O que você quer ganhar de aniversário? — sondei.
— Mais dos seus sorrisos. Eles me fazem bem. Gosto de ver você sorrir, Varuna.
O pedido me pegou de surpresa.
— Então fique sempre por perto, que eles serão só seus.
— Onde você mora em São Paulo? — ela perguntou, e vi um brilho curioso em seu olhar.
— Itu. E você? Em que lugar do Rio de Janeiro vive?
— Honório Gurgel — respondeu, pensativa. Aquilo mexeu comigo.
— Pensativa? Posso saber por onde andam os pensamentos dessa moça linda?
— Minha mãe uma vez deixou escapar que, quando jovem, morou em São Paulo.
— Sério? Que legal! Em que lugar?
— Não sei... minha família não fala muito sobre o passado. A perda de um ente querido quase destruiu todos. Vovô costuma dizer que eu surgi no momento em que eles sangravam... e fui quem os segurou nesta terra.
Ela era fluida, aberta sobre sua vida e seus familiares. Um tipo de transparência que encantava.
— Sinto muito, Camila. Me desculpe. Não deveria tocar nesse assunto...
Senti que ultrapassei uma linha, movido pela necessidade de conhecê-la mais.
— Não se sinta m*l. Não tinha como saber. E, embora eu fale sobre o impacto, ele é mínimo... eu não conheci esse parente. Mas oro para a alma dele — ou dela — estar em um bom lugar.
Achei estranho o "dele ou dela", mas me abstive de aprofundar.
— Minha família também teve perdas. Até hoje são lembradas: meu tio faleceu num acidente, e minha irmã... morreu ainda bebê. Toda a família sentiu muito. Nunca estamos preparados para uma perda. Isso marca a alma para sempre. Mas... como você, também não os conheci. Cheguei depois.
Escondo que sou a cópia fiel desse tio. Fisicamente idêntico a um homem que nunca conheci. É mórbido. Tétrico. Estranhamente real.
— Nisso somos parecidos. Temos algo em comum...
Sorri. Mas não era isso que eu desejava ter em comum com ela.
— Costuma ir às praias do Rio?
— Não. Muita gente pra mim. E minha mãe tem medo de assaltos. O Rio pode ser bonito, mas o perigo está sempre à espreita.
— Isso é em todo lugar, Camila. São Paulo também tem seus índices de criminalidade.
— Verdade... Você tem alguém na sua vida?
Ela tocou numa pauta delicada. Não queria falar sobre isso.
— Não. E você?
Ela sorriu, tímida.
— Não posso namorar. Minha mãe não permite. Diz que só aos dezessete. Ela sempre me orientou sobre as prioridades, e relacionamento não era uma delas.
Meu lado masculino vibrou. Ela era inexperiente, crua na vida a dois. Na i********e entre homem e mulher.
— Alguma vez beijou alguém?
— Não... — respondeu tampando o rosto com uma das mãos. — Vai me achar infantil, né? Mas é a verdade.
— Não acho infantil. Acho... diferente. Sua escolha foi se preservar. Uma atitude louvável num tempo em que muitos trocam de parceiros como quem troca de roupa.
Camila bocejou. Reparei no jeito delicado como fez.
— Você cheira a crisântemo... — disse, sem conter.
— Âmbar.
— O quê?
— Seu cheiro. É âmbar.
Ergui as sobrancelhas, surpreso.
Ficamos nos olhando. Apenas nos olhando. Em silêncio.
— Seus olhos me chamam... — confessei.
— Eu quero mergulhar nos seus — ela disse, baixinho. — Preciso desligar...
— Eu ainda estou aqui...
— Eu sei...
— Não se vá...
— Não vou...
Continuamos nos olhando, em silêncio. Um silêncio que reconstrói, que move montanhas, enquanto estamos nessa ponte invisível entre dois mundos.
Ao mesmo tempo, erguemos nossas mãos e nossos dedos tocam a tela — uma tentativa de tocarmo-nos.
Perco o ar. Perco o chão. O olhar dela é o fio que me guia de volta. Não sei de onde venho, mas sei que quero ficar.
Algo estranho acontece: uma lágrima solitária desliza pelo meu rosto.
Não sei se vejo bem, mas Camila limpa o rosto. Puxa uma respiração longa, profunda.
— Dorme... vou ficar te olhando — peço.
— Um anjo?
— Não... mas alguém que ficará.
Ela ajeita as mãos sob o rosto, deitada de lado no travesseiro.
— Até amanhã, Varuna.
Camila fecha os olhos, depois de arruma o celular de forma que seu rosto continue enquadrado.
— Até, minha menina...