Beatriz
Eu tava encostada na parede, abraçada na coberta que nem se ela fosse me salvar de tudo, olhando pro Shark andar de um lado pro outro no quarto feito leão enjaulado. Cada passo dele era pesado, calculado, aquele jeito de quem sabe que o mundo gira em torno dele. Ele parou na frente da cama, apoiou os cotovelos nos joelhos, entrelaçou os dedos e me encarou com aqueles olhos pretos que parecem que enxergam até alma.
O silêncio tava tão grosso que dava pra cortar com faca. Eu quase ouvia meu coração batendo acelerado, tipo samba pesadão no morro.
— Escuta aqui, princesa — ele começou, sem desviar o olhar — Vou ser direto, sem enrolação.
Eu já fiquei toda arrepiada. Quando ele fala assim, é porque vem bomba.
— Eu não quero te manter aqui pra sempre, tá ligado? Isso aqui não é conto de fadas da Disney e eu não sou nenhum príncipe encantado do c*****o.
Eu não consegui segurar, soltei uma risadinha irônica.
— Ainda bem que tu sabe disso, né?
Ele nem ligou pro meu veneno, continuou como se eu não tivesse aberto a boca.
— Quando teu irmão pagar o que deve, tu tá livre. Porta aberta, boa viagem, beijo no ombro. Mas… — ele fez aquela pausa que faz o estômago revirar — se ele demorar pra c*****o, aí eu vou querer algo em troca.
Meu corpo inteiro gelou. “Algo em troca”. Nunca, nunca, nunca vem coisa boa depois dessa frase.
— Algo tipo o quê? — perguntei, mesmo já morrendo de medo da resposta.
O canto da boca dele subiu devagar, aquele sorrisinho filho da p**a que dá vontade de correr e gritar ao mesmo tempo.
— Um casamento.
Eu pisquei. Pisquei de novo. Achei que tinha ouvido errado.
— Tu tá brincando, né?
— Não tô brincando p***a nenhuma — ele se levantou e veio vindo na minha direção, devagar, feito predador — E antes que tu comece a espernear, deixa eu te explicar direitinho.
Eu tentei recuar, mas a parede tava ali, firme e forte. Não tinha escapatória. Ele parou tão perto que o ar sumiu. Senti o calor do corpo dele, o cheiro daquele perfume caro me invadindo.
— Tu daria filhos lindos pra mim, sabia? — sussurrou, e aquilo me acertou mais forte que soco na cara.
Meu rosto pegou fogo. Raiva, vergonha, nojo, tudo junto.
— Eu nunca vou me casar contigo, seu maluco! — gritei, o coração querendo sair pela boca.
Ele riu. Aquele riso baixo, rouco, que parece que arranha a pele.
— Não agora. Mas tu vai querer, eu te garanto.
A audácia desse cara era tão grande que eu quase engasguei.
— Tu disse que não era estuprador — joguei na cara dele, antes de pensar duas vezes.
O sorriso morreu na hora. Os olhos dele ficaram sérios, duros, diferentes.
— E não sou — a voz saiu baixa, quase um rosnado — O que eu quero de tu não é coisa que eu vou pegar na marra.
Eu revirei os olhos, mesmo sabendo que tava cutucando onça com vara curta.
— Tu é doente, sabia?
— E tu é chata pra c*****o — ele levantou as mãos, tipo rendição — Chega de papo. Tô morto, preciso dormir.
Se jogou na cama como se fosse dono do mundo, deitou de lado e deu dois tapinhas no colchão.
— Vem deitar, vai.
Meu queixo caiu no chão.
— Eu não vou dormir contigo, tá louco?!
Ele soltou um suspiro longo, daqueles de quem tá perdendo a paciência.
— Beatriz, a cama é gigante, cabe um bonde aqui dentro. Não vou te morder, relaxa.
Eu cruzei os braços, ainda na defensiva. Mas o chão tava gelado pra p***a, minhas pernas doíam de tanto ficar em pé, e eu tava morta de cansada. Respirei fundo, andei devagar, subi na cama pelo lado mais longe possível dele e me encolhi toda.
Puxei a coberta inteira pra mim.
Ele me olhou, franzindo a testa.
— Tá, mas deixa um pedaço aí pra mim, egoísta.
— Não.
— Por quê, c*****o?
Pensei rápido, tentando enrolar, mas ele não era de desistir.
— Porque eu tô só de camiseta e…
— E o quê? — ele se inclinou um pouco, curioso pra c*****o.
Fechei os olhos, soltei o ar com raiva.
— E sem calcinha, tá bom? Feliz agora?
Silêncio. Um silêncio tão grande que dava pra ouvir grilo.
Depois ele praticamente pulou da cama.
— p**a que pariu! — passou a mão no cabelo, todo sem graça, rosto vermelho — Tu quer me matar do coração, é?
Eu mordi o lábio pra não rir, mas não adiantou. A cara dele tava impagável.
— Então vai dormir no sofá, ué — dei de ombros, fingindo santinha.
Ele me encarou, balançou a cabeça e soltou uma risada baixa.
— Tá bom, princesa. A coberta é toda tua.
Pegou o travesseiro, jogou no ombro e saiu resmungando alguma coisa que eu não entendi direito. A porta bateu de leve.
— Boa noite pra tu também — gritei, toda vitoriosa.
Deitei de verdade, estiquei o corpo naquela cama gostosa demais, e fechei os olhos. O coração ainda tava acelerado, mas agora era de um jeito diferente. Eu tinha ganhado uma rodada. Pela primeira vez desde que essa merda toda começou, eu tinha ganhado.
Mas mesmo com ele fora do quarto, eu ainda sentia ele em tudo. O cheiro no travesseiro, o peso da presença dele no ar, aquele olhar que parece que me conhece desde sempre. O corpo relaxou, mas a cabeça ficou a mil. Medo, raiva, curiosidade… tudo brigando dentro de mim até o sono me derrubar.
Não sei quanto tempo passou, mas acordei no meio da madrugada com um barulhinho vindo da sala. Levantei quietinha, pé no chão frio, andei até a porta entreaberta e espiei.
Ele tava deitado no sofá, braços cruzados atrás da cabeça, olhando pro teto como se tivesse mil pensamentos. A luz do abajur cortava o rosto dele no meio, metade na sombra, metade na luz. E ali, pela primeira vez, eu vi outra coisa. Não era o traficante, não era o cara que me sequestrou. Era só… um cara cansado, perdido, pensando na vida.
Ele suspirou fundo, passou a mão no rosto.
— Essa garota ainda vai me deixar louco — murmurou baixinho.
Meu peito apertou. Não sei por quê. Queria odiar ele com todas as forças, mas tinha um troço ali que me segurava.
Voltei pro quarto na ponta dos pés antes que ele percebesse. Deitei de novo, olhos abertos no escuro, tentando me convencer que era só medo. Só medo. Mas medo não faz o coração bater desse jeito acelerado, desse jeito gostoso e errado ao mesmo tempo.
Ouvi ele andando pela casa, abrindo geladeira, tomando água, andando de um lado pro outro.
— O que eu tô fazendo da minha vida? — ele falou sozinho, voz abafada.
Prendi a respiração.
Ele continuou, quase sussurrando:
— Posso ter qualquer mulher que eu quiser… mas só penso nela.
Um arrepio subiu pela minha espinha inteira. Por um segundo eu esqueci que ele era meu sequestrador. Esqueci de tudo, menos do jeito que ele falou meu nome. Beatriz. Como se tivesse gosto bom na boca.
— Droga, Beatriz… — ele murmurou de novo, mais baixo ainda.
Meu corpo inteiro reagiu. Eu odeio isso. Odeio o que ele faz comigo sem nem tocar. Odeio que mesmo trancada eu me sinta mais viva do que nunca na vida.
E aí caiu a ficha: ele pode ter a chave da porta, mas eu também tenho uma chave agora. Uma que ele nem percebeu que entregou.
Porque o predador tá começando a se apaixonar pela presa.
E eu sei usar isso.
Eu vou usar isso.
Porque se ele acha que tá no controle total, tá muito enganado.
O jogo virou, Shark.
E agora quem manda sou eu. Pelo menos um pedacinho.
E esse pedacinho já é o bastante pra eu começar a planejar minha saída… ou quem sabe minha permanência. Porque, c*****o, eu tô começando a gostar desse jogo.
E isso me apavora e me excita ao mesmo tempo.
Mas eu não vou desistir.
Nunca.
Porque agora eu sei: ele tá tão preso quanto eu.
Só que a jaula dele é feita de sentimento.
E sentimento, irmão… sentimento não tem chave que abra quando a gente quer.
E eu vou usar isso até o fim.
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