O Filho do Silêncio
335 Palavras
O parto foi tranquilo. Um menino forte, saudável, que chorou alto assim que saiu do ventre de Sandra, como se quisesse anunciar ao mundo que havia chegado. O marido a acompanhou o tempo todo, segurando sua mão, enxugando o suor de sua testa, completamente envolvido no momento. Quando o bebê nasceu, o médico o colocou nos braços de Sandra. Ela chorou. Chorou como se o mundo inteiro tivesse desabado e se reconstruído ao mesmo tempo.
— É um menino, amor... — sussurrou o marido, emocionado. — Nosso menino...
Sandra apenas sorriu. Um sorriso trêmulo, amargo e doce. Ela o chamou de Davi, um nome que sempre gostou, e que por ironia, Pedro havia mencionado casualmente uma vez, quando falavam sobre filhos, num momento em que fingiam não se importar com o futuro.
Davi cresceu cercado de amor. Era um bebê calmo, curioso, e com um olhar profundo. E foi esse olhar que começou a incomodar Sandra aos poucos. Não porque fosse feio — muito pelo contrário — mas porque era igual ao de Pedro. Idêntico. O mesmo tom de castanho-escuro, o mesmo formato amendoado. Era como se Pedro estivesse ali, espreitando por trás dos olhos da criança.
O marido, por sua vez, nunca desconfiou. Amava Davi como se tivesse esperado por ele a vida inteira. Cuidava com carinho, levantava nas madrugadas, dava banho, levava ao pediatra. Era um pai exemplar. E esse amor só fazia a culpa de Sandra crescer em silêncio, como uma sombra que a seguia o tempo todo.
Às vezes, ela pensava em contar. Em desabar. Em pedir perdão. Mas algo dentro dela dizia que não era justo destruir aquele homem, aquela estrutura frágil que sustentava toda a família. E Davi não tinha culpa de nada. Ele era apenas um fruto do desejo, da carência, da humanidade de dois adultos que erraram... e, de certo modo, amaram.
E assim, o segredo se firmava, silencioso, profundo, enterrado sob uma camada espessa de rotina, afeto e negação.
Mas o tempo... o tempo sempre cobra.
- Escritor
