CAPÍTULO 5

1081 Palavras
Anna Winslow As estrelas brilhavam como luzes reluzentes no céu. Cada ponto de luz parecia me chamar pelo nome, como se gritassem em silêncio: continue. Havia dor no meu olhar, mas eu recebia como uma promessa. Lembrei-me da voz da minha mãe me dizendo que, por mais escura que fosse a estrada, sempre haveria uma estrela para nos guiar. Meu peito apertou por lembrar de suas palavras. Respirei fundo e segui em frente. No mercado, meus movimentos foram automáticos. Garrafa de vinho. Algumas frutas. Pão. Leite para Stella. Nada exigia pensamento. Apenas mãos se movendo, corpo tentando ocupar um vazio que não parava de latejar. Passei pelo caixa, ajeitei as sacolas contra o peito e saí. O vento da noite me recebeu frio, cortando a pele como lâmina, mas havia algo nele que quase me trouxe conforto. Quase. Peguei a rua lateral. Estreita e silenciosa demais. Foi então que vi ali dois rapazes encostados em um carro, tragando cigarros e rindo baixo. O riso deles não era leve. Era aviso. Predador. Meu passo vacilou, mas segui. Um deles se descolou da sombra, sorriso enviesado no rosto. — Ei, gata… tá sozinha há essa hora? Apertei as sacolas contra o corpo. — Só quero passar. Eles riram. O outro avançou um passo, olhos cravados em mim como lâminas afiadas. — Ah, relaxa… a gente só quer ajudar, né? — disse, e o tom carregava veneno. Senti o ar mudar antes mesmo do toque. O braço dele veio em direção ao meu corpo. Não esperei. As sacolas escorregaram das minhas mãos, caindo no chão com um estrondo de vidros quebrando e frutas rolando pelo asfalto. O barulho ecoou no beco como um disparo. O pânico me invadiu de uma vez, junto com a certeza: se eu hesitasse, eles me teriam. Corri. A bolsa bateu contra meu quadril enquanto meus pés deslizavam no chão irregular. Atrás de mim, os gritos deles estouraram no ar, cuspindo xingamentos, cuspindo fúria. O som das passadas se aproximava, pesadas, rápidas, famintas. O coração martelava contra minhas costelas, tão forte que parecia querer sair. O ar queimava os pulmões, e ainda assim não ousava parar. Minhas pernas se moviam como se não fossem minhas, guiadas apenas pelo instinto. Tropecei em um saco de lixo rasgado, quase caí, mas recuperei o equilíbrio e me joguei entre carros estacionados. As luzes da rua explodiam em borrões amarelados, o mundo se dissolvendo em flashes e sombras. Eles estavam atrás. Eu sentia. Cada segundo mais perto. E então o vi. O carro. Parado no semáforo, um esportivo de linhas afiadas, reluzindo como fera enjaulada. A pintura refletia a cidade em chamas de néon. Meu corpo reagiu antes do pensamento. Bati contra o capô, o impacto reverberando nos ossos. A porta se abriu. E ele surgiu. Não era apenas um homem alto. Não era apenas a largura dos ombros ou a maneira como ocupava o espaço. Era presença. Era como se a própria noite tivesse se curvado para moldá-lo ali, diante de mim. O cabelo desgrenhado caía em ondas rebeldes, alguns botões da camisa abertos deixavam à mostra a pele marcada pelo calor da noite, e mesmo no caos, ele parecia feito para dominar qualquer lugar em que pisasse. A expressão estava irritada pelo choque do carro, pelo imprevisto da batida. Mas, quando nossos olhos se encontraram, tudo mudou. Não era um olhar frio. Era quente. Ardente. Insolente. Queimava como brasa, um fogo que não pedia permissão antes de consumir. O mundo inteiro se desfez em volta. Os gritos distantes da rua, as buzinas apressadas, o eco dos passos de alguém que corria em algum beco, tudo perdeu importância. Ficou só o silêncio cortante, a respiração presa no meu peito e aqueles olhos escuros, cravados em mim. O tempo se partiu ao meio. Um segundo se estendeu como se fosse uma eternidade. Eu respirei fundo, mas o ar não veio. Minhas pernas ainda tremiam do medo, o corpo fervia pela adrenalina da corrida, mas dentro de mim havia algo mais: um arrebatamento que eu não compreendia, que eu não queria compreender. Ele estava ali. E eu estava perdida. Então minha voz saiu: — Moço… me ajuda. Ele não respondeu. Ficou parado, mandíbula travada, ainda confuso, como se estivesse prestes a soltar um xingamento. Mas não soltou. Porque nós dois estávamos presos. Frente a frente. Reféns de algo que nenhum de nós entendia. O mundo voltou em um estalo. Vi os homens se aproximando. As sombras deles se alongavam na calçada, a ameaça mais real do que nunca. — Me tira daqui! Agora! — as palavras escaparam sem filtro, um jorro de instinto. Ele não se mexeu. Então fui eu. Empurrei-o, sentindo o choque sólido do corpo dele, quente, vivo, e num piscar já estava dentro do carro. Ia entrar pelo lado do passageiro. Ia pedir ajuda. Mas quando percebi, minhas mãos já estavam no volante. O painel acendeu em azul, luzes correndo pela tela como se me reconhecessem. O couro frio sob minhas palmas, o perfume dele impregnado no ar, forte, marcante, impossível de ignorar. E o carro respirou comigo. O motor rugiu, grave, metálico, como um coração colérico despertando. A vibração percorreu minha coluna, misturando-se com a minha própria pulsação. Era como se eu tivesse tocado algo vivo. Algo que me aceitava. — Me leva… pra um lugar seguro. — sussurrei, mais prece do que comando. E o carro foi. As rodas morderam o asfalto, cuspindo a noite em faíscas invisíveis. A cidade virou um borrão de luzes, reflexos de postes atravessando meu rosto, cada curva precisa demais, rápida demais, como se o carro já soubesse para onde eu queria ir. Mas eu não conseguia me livrar dele. Do olhar. No retrovisor, ele ainda estava lá. Imóvel na calçada. Ombros tensos. Olhos cravados em mim. Como se não acreditasse no que acabara de acontecer. Ele me seguiu com o olhar. Um olhar que queimava, pesado, quase físico, como uma marca invisível gravada em minha pele. Um arrepio correu pela minha espinha. Não importava o quanto eu fugisse. Eu sabia. Aquele olhar não iria embora. E eu... havia roubado o carro dele. Fechei os olhos por um instante, respirando fundo, pedindo ao universo em silêncio que eu não tivesse acabado de abrir a porta para um caos ainda maior na minha vida. Mas tudo em mim dizia o contrário. Essa noite jamais seria apagada. Esse carro não seria esquecido. E aquele homem… nunca deixaria de me cobrar o que eu havia feito. Continua…
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