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Meu despertador sempre me acorda no susto. O paraíso é assim: Temos horário para tudo, inclusive, para estudar. Sete da manhã é o horário de início na escola dos anjos e sete da noite é o horário final. Quando nos formamos, somos mandados para a terra com todas as honrarias e com um acréscimo no poder com que nascemos. Dizem que a viagem até a terra é muito demorada, mas que é legal. Existem diversos planetas no caminho, então qu. Quem nos leva para encontrar o nossos bebês, é o próprio Deus.
Qual é o problema de um anjo viver a rotina de um anjo? Bom, pra mim... Isso é um baita problema. Eu não quero ir pra terra, não quero ser um anjo da guarda. Eu queria ter nascido um anjo da música, cujo o único propósito da vida é cantar ou... Um anjo guardião, que protege as obras do tal Criador e fica lá, parado, só sendo a p***a de um anjo. Mas eu nasci o que? Um anjo da guarda. E aliás, anjos da guarda não podem falar palavrões.
Segui minha rotina de forma preguiçosa. Ah, Preguiça, um dos sete pecados capitais... Coisa de humano. Às vezes eu me sinto tão humana nesse paraíso!
- Billie! - Arregalei os olhos. O professor Moisés, sim, aquele da Bíblia que abriu o mar vermelho e coisa e tal, me olhou com um olhar que, se ele fosse um anjo, provavelmente eu seria queimada viva.
- Perdão, professor Moisés. Estou atrasada, eu sei, mas eu estou aqui. E não podemos esquecer da lição da semana passada, não é? - Ele se recompôs. Aprendemos sobre o perdão na semana passada. Ele tem um pouco de raiva de mim, eu acho.
- Fico preocupado pois são as últimas semanas de vocês todos aqui. E muitos... Não estão levando a sério. A Terra é um lugar difícil até para o anjo mais poderoso, queridos. Aprendam o máximo que conseguirem... - Ele virou para o quadro, e fez aparecer um mapa de Gólgota. Ele começou a falar alguma coisa sobre o caminho que Jesus fez até um monte muito alto e...
Eu dormi. De novo.
- Billie! - Acordei no tranco. Não era o professor Moisés, era apenas Luz, uma amiga minha. Ela me acordou porque a aula acabou.
- c*****o! - Gritei, no susto.
- Billie, você não pode falar palavrão! Você é um anjo da guarda! - Ela disse, assustada.
- É mesmo, que porra... Ah, b****a! Ah, quer saber? Eu nem queria ser uma droga de um anjo da guarda! - Girei os olhos e saí andando. Luz veio atrás de mim.
- Billie, não fala isso em voz alta! Deus ouve tudo! Ele vai te castigar! - Ela me repreendeu. Luz é super medrosa, mas eu não.
- Não tenho medo de Deus. Nunca o vi. Só ouvi falar dele... Se ele estiver bravo, que venha falar comigo. - Dei os ombros e continuei andando.
- Billie, você é maluca. Como você pode pensar assim? É claro que ele existe! Olha pra nós! - Ela abriu as asas e voou ao meu redor, fazendo meus cabelos voarem em meu rosto.A Luz é tão iludida. - Somos anjos! - Ela parou bem na minha frente. - E seremos mandadas para a Terra em breve. Você não tá ansiosa pra conhecer o seu humano?
- Não! Eu não quero proteger ninguém! Se eu for pra Terra, eu vou me divertir, e não ficar protegendo um humano das suas humanices! - Girei meus olhos. - Eu literalmente odeio os humanos e não sei o que Deus... Vê neles. Humanos são tão frágeis. Tão simples. Tão... primitivos. Seres sem habilidades especiais, esquisitos, que tem secreções corporais... Fazem... Sexo! Que nojo. Imagina, ter que tocar outro ser pra conseguir fazer um ser novo? Isso é completamente bizarro!
- Billie... - Luz estava com os olhos arregalados olhando para mim. Não exatamente para mim, mas para trás de mim.
- O que houve? - Questionei. Luz não faz caretas.
Por algum motivo, eu senti o ar faltar. Tossi duas vezes e ele voltou.
- Billie? - Era a voz de... Droga! Era Jesus. O cara mais f**a desse paraíso infame e o ser mais bondoso que já conheci. Esse, sim, tem meu respeito. Eu me virei para vê-lo. Ele tem o dobro da minha altura.
- Jesus? Você ouviu tudo que eu disse? - Ele concordou com a cabeça. Jesus colocou uma mão em meu ombro e me olhou com piedade.
- Ouvi. Eu não ligo que questione suas funções, Billie. Eu também questiono as minhas... Mas existe um problema em você. Eu não queria que isso acontecesse e farei o possível para ajudar, mas... - Ele respirou fundo. Seus olhos se encheram de lágrimas. - Seu coração está dando lugar para a maldade. Eu consigo ver em seus olhos, Billie.
- Não! Eu não tenho maldade em mim! - Reclamei. - Eu só questiono as ordens e as funções, Jesus! Eu não... - Ele limpou uma lágrima em sua própria bochecha. A tristeza nele era evidente.
- Minha filha querida... A revolta e o desprezo já tomaram conta do seu coração. - Eu comecei a tossir de novo. Jesus cobriu os próprios olhos e começou a chorar.
- O que está havendo, Jesus? - Luz questionou. Eu continuava tossindo, agora, sem parar.
- Não há trevas no céu. A Billie vai "cair" na terra, Luz... - Jesus intercedia por mim. Mas Deus parecia não ouvir nem mesmo as preces do filho mais querido. - E quando eu digo "cair", eu quero dizer que ela tem que sair daqui antes que morra.
- O que? - Questionei, em meio às tosses. - p***a! - Eu tossia. - Eu tô sufocando!
- Se joga na Terra, Billie! Anda, eu não quero que você morra! Por favor! - Jesus disse.
Jesus abriu um buraco no céu. Ele me deu uma escolha. Ao invés de ser pulverizada por pelas regras de Deus, eu podia cair.
E então, eu me joguei. Me joguei na terra como Lúcifer fez. Foi assim que ele se sentiu? Sufocando? Por isso caiu?