Lívia pediu licença, dizendo que precisava ir ao banheiro. A voz saiu baixa, quase frágil, e Simon apenas assentiu, permitindo que ela se afastasse. O templo estava lotado de famílias, sacerdotes e novos casais, mas o corredor que levava aos aposentos laterais era mais silencioso, iluminado apenas por tochas suaves.
Ela respirou fundo quando empurrou a porta da antessala.
Mas congelou.
Judith estava ali.
E, para piorar, Lucas também.
Os dois lado a lado — como se tivessem combinado de encontrá-la.
— O que… o que é isso? — a voz de Lívia falhou. — Como isso aconteceu?
Judith sorriu.
Não o sorriso alegre de sempre, mas algo afinado, calculado… quase triunfante.
— Obra da deusa, irmãzinha. — Ela deu dois passos à frente, como quem se vangloria de um prêmio. — Nunca estive tão feliz.
Lívia sentiu o coração bater mais rápido.
Havia algo errado. Terrivelmente errado.
Judith continuou, com leveza c***l:
— Sabe o mais irônico? Lucas me contou que só ficou tanto tempo perto de você porque, — Ela lançou um olhar rápido para o rapaz. — …você lembrava um pouco a mim.
Foi como levar um golpe no estômago.
Lívia piscou, sem ar, sem entender se tinha ouvido certo.
Olhou para Lucas, buscando negação, esperança, algo.
Mas encontrou um sorriso.
Não o sorriso tímido e gentil que ela conhecia.
Mas um sorriso de triunfo, de alguém que finalmente obteve o que queria… e que não via problema em machucá-la no processo.
O chão pareceu sumir sob os pés dela.
Aquele rosto, que tantas vezes a fizera sonhar, agora parecia quase estranho — e c***l.
Lucas deu um passo leve em direção a Judith, como se confirmasse tudo.
— Eu… me enganei, Lívia. — disse ele, sem um pingo de vergonha. — Agora tudo está como deveria ser.
As palavras ecoaram como portas se fechando dentro dela.
Judith entrelaçou os dedos aos dele, exibindo o gesto como um troféu.
Lívia engoliu em seco.
A boca seca.
A visão levemente turva.
Era como se estivesse assistindo alguém arrancar, fio por fio, tudo em que acreditara até ali.
Antes que pudesse reagir, footsteps ecoaram pelo corredor — passos firmes, determinados.
Simon.
A porta atrás dela rangeu levemente, e o som ecoou pela antessala silenciosa.
Simon entrou.
Seu passo era firme, quase imponente, e seus olhos claros percorreram o ambiente com precisão empresarial — como quem avalia uma negociação prestes a azedar. Ele sentiu o peso ali dentro no mesmo instante. O ar parecia espesso, quase tenso, e havia algo no modo como Judith e Lucas estavam próximos demais que deixava a situação ainda mais estranha.
Mas antes que Simon pudesse dizer qualquer coisa, Lívia respirou fundo.
E, num esforço que doeu até em seus ossos, sorriu.
— Está tudo bem — ela disse, com a voz surpreendentemente suave.
Simon a olhou por um segundo longo demais.
O sorriso dela era delicado, bonito… mas havia algo errado.
Ele não sabia o quê, mas seus instintos gritaram.
Judith deu um passo para trás, recompondo o rosto com falsa inocência. Lucas apenas cruzou os braços, como se fosse dono da situação.
Simon inclinou a cabeça, avaliando todos.
— Aconteceu alguma coisa? — Sua voz foi baixa, quase neutra, mas carregada de uma autoridade natural que fez Lucas endireitar a postura.
Lívia abaixou os olhos, escondendo o turbilhão dentro de si.
— Não — ela insistiu. — Só nos encontramos no corredor. Nada mais.
Mas seu sorriso vacilou por um instante — rápido, mas não o bastante para escapar ao olhar treinado de Simon. Ele não insistiu, mas seus olhos pousaram levemente em Judith, depois em Lucas, e por fim novamente em Lívia demorando-se nela como se tentasse decifrá-la.
Ele então se aproximou e ofereceu a mão, num gesto silencioso, quase protetor.
— Os sacerdotes já estão chamando.
Sua voz era baixa, só para ela.
— Temos que voltar.
Lívia respirou fundo, lutando para manter o controle.
Judith observava tudo com um leve arquejo no canto dos lábios.
Lucas a imitava, satisfeito.
Mas quando Lívia colocou a mão na de Simon, sentiu algo inesperado — um calor firme, quase estável.
Ele a guiou para fora da antessala com cuidado, como se sentisse que ela poderia desmoronar se alguém a tocasse de forma brusca demais.
E, quando passaram pela porta, Simon lançou um último olhar para Lucas e Judith.
Foi rápido, mas tão frio e avaliador que fez os dois ficarem em silêncio por um instante.
A celebração terminou em meio a cantos suaves, perfume de flores e murmúrios emocionados. As oferendas haviam sido depositadas ao pé da estátua da deusa, e agora a multidão começava a se dispersar. Os novos casais eram instruídos pelos sacerdotes a iniciarem o último rito: Os maridos deveriam buscar os pertences da esposa na casa de seus pais e levá-los, com as próprias mãos, para o novo lar.
Lívia, ainda atordoada com tudo, deixou escapar um sorriso discreto quando pensou em suas coisas.
Ela não tinha muito.
Alguns vestidos simples, itens de trabalho…
E muitos, muitos livros.
Quando chegaram à casa dos pais dela, a porta já estava aberta. Seu pai a recebeu com uma expressão emocionada, e sua mãe abraçou Lívia demoradamente, sussurrando bênçãos. Mas então, quando Simon entrou, preparado para pegar talvez uma mala ou duas…
Ele congelou.
Eram caixas.
E mais caixas.
E mais caixas.
Todas empilhadas ao lado da parede da sala, cada uma cuidadosamente rotulada:
“Biologia Marinha – Volume 1”
“Flora do Mediterrâneo”
“Romances Clássicos”
“Mitologia Geral”
“Coleção Afrodísia – Estudos Culturais”
“Atlas do Oceano”
E muitas outras.
Simon soltou um suspiro quase inaudível, mas os olhos ficaram ligeiramente arregalados.
— Isso tudo? — ele murmurou, tentando entender como uma mulher tão pequena acumulava uma biblioteca inteira.
Lívia baixou o olhar, meio envergonhada, meio divertida.
— Eu gosto de estudar. — Ela tocou a borda de uma das caixas, carinhosamente. — E de reler.
Antes que ele pudesse responder, a mãe dele surgiu atrás, junto do pai — ambos sorrindo com orgulho.
Simon pigarreou, apontando discretamente para as caixas:
— Vamos colocar no carro.
A mãe rebateu na hora, rindo alto.
— Não, não! Nada de carro. — Ela ergueu o dedo como uma sacerdotisa reforçando um decreto sagrado.
— A tradição é clara: você deve levar com suas próprias mãos e suor, todos os pertences da sua esposa.
Simon virou-se lentamente para ela, como se esperasse que fosse uma brincadeira.
— Mãe, nossa casa fica na montanha. — Interviu quase desesperado.
— Sim. — Ela sorriu ainda mais. — E sua esposa não vale isso? Acabou de casar e já está desagradando ela, filho ingrato?! — colocou a mão no coração, fingindo uma dor. — olhe isso Daniel! Seu filho desse tamanho, reclamando por ter que levar algumas caixas?! — Choramingou para o marido, que sorriu calmo para a esposa.
— Deixe de brincadeira e mostre sua força a sua esposa. Mostre que é capaz de cuidar dela quando necessário. — Deu um tapinha no ombro do filho, se divertindo internamente com o drama do homem.
Ele fechou os olhos por um instante.
Respirou fundo.
Lívia, atrás dele, tentou segurar o riso com a mão, mas não conseguiu impedir que o ombro tremesse.
— Claro que vale. — Simon respondeu, resignado.
— Então… — sua mãe cruzou os braços, esquecendo completamente o drama que estava fazendo a um segundo. — Leve sem reclamar.
Simon pegou a primeira caixa — a mais pesada, claro — e levantou com um esforço evidente, enquanto o pai de Lívia batia nas costas dele em encorajamento, quase o derrubando.
— É assim mesmo, filho! — disse ele animado. — Mostra força para sua esposa!
Lívia escondeu o rosto atrás da mão, vermelha de vergonha e riso.
Simon lançou um olhar de falsa acusação para ela.
— Quantos livros você tem, afinal?
— Não muitos — ela respondeu, com uma inocência que enganaria qualquer um, menos alguém equilibrando muitos quilos de papel.
Simon suspirou profundamente, ajustando a caixa nos braços.
— Excelente. — murmurou. — Vai ser um longo caminho até a montanha.
Mas quando passou por ela, olhou Lívia por um instante — e havia algo novo em seus olhos.
Orgulho.
Diversão contida.
E um começo de curiosidade verdadeira pela mulher com quem agora era casado.
Lívia, por sua vez, sentiu o peito aquecer de um jeito inesperado.
Talvez… talvez a deusa soubesse mesmo o que estava fazendo.
Assim que o casal e os sogros de Lívia saíram, Judith chegou acompanhada de Lucas, que por um instante pareceu se constranger diante dos sogros, porém, apenas esqueceu disso um segundo depois, pensando que finalmente a deusa tinha feito justiça com seus sentimentos, e finalmente poderia está com a mulher que gostava desde a infância.
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