capítulo 8

2593 Palavras
As casas caiadas refletiam a luz dourada da tarde, e o cheiro de maresia se misturava ao perfume doce das flores deixadas durante a celebração. Os conhecidos cumprimentando e desejando feliz casamento, enquanto outras famílias também faziam seus próprios percursos. Simon seguia na frente, carregando a primeira caixa com determinação silenciosa, enquanto os pais caminhavam logo atrás, conversando animadamente com alguns conhecidos. Lívia seguia ao lado de Simon, acompanhando seus passos longos com delicadeza. A casa dos pais dele ficava próxima ao vilarejo, mas a de Simon ficava no alto da montanha. Eram uma família abastada, que investiam em Atenas e os mais velhos já curtiam sua aposentadoria na sua ilha natal, enquanto o mais novo mantinha tudo funcionando. Lívia mesmo conhecia pouco da família, mas, encontrava com o senhor Daniel algumas vezes na praia. Era um homem calado, educado e que gostava de cumprimentar a jovem. Lurdes já era mais dada a conversas e caminhadas com compras, e Lívia tinha visto apenas uma ou duas vezes. — Apesar da ilha pequena, nunca o vi por aqui — comentou Lívia, tentando puxar conversa enquanto ajustava a alça da pequena bolsa no ombro. Simon deu um pequeno sorriso, sem virar o rosto totalmente. — É porque não fico por aqui. — Ele ergueu levemente a caixa, marcando o ponto. — Venho uma vez por ano. Obrigação familiar. Cuido da empresa da família. Meus pais vivem indo e vindo para Atenas, então, não me vejo tão tentado a vir sempre até aqui. — Então não gosta da ilha? — Livia lamenta, e ele olha para ela rapidamente. Ele refletiu por um instante antes de responder. A verdade é que, o benefício de morar na ilha é algo que ele quer apenas quando estiver livre para apenas relaxar, igualmente os pais já fazem. Administrar o shopping remotamente não é possível, e a família estando cuidada e bem, é o mais importante. — Gosto da minha família. — O olhar dele encontrou o dela por um breve momento, cálido. — A ilha é bonita. Mas minha vida não está aqui. Tenho muitas coisas para manter em Atenas, e, estando na ilha, não funcionária. Lívia engoliu em seco, sem saber por quê aquilo soava um pouco triste. Talvez, porque agora casados, algo mudaria na vida dos dois. E talvez, isso não seria tão agradável. Seguiram em silêncio por alguns passos, o som do mar ao longe preenchendo o ar. Ela observou Simon com mais atenção — a forma como os músculos de seus braços se contraíam ao carregar a caixa, o andar firme, a postura segura. Não era só forte. Ele era sólido. Um homem acostumado a resolver problemas, não a criá-los. Então, pensou que sobre a moradia, seria resolvido em algum momento. Lívia desviou o olhar rapidamente, sem querer ser pega encarando. Mas era difícil não notar. A camisa dele estava parcialmente aberta no peito, revelando a pele dourada pelo sol e um leve brilho de suor sob o calor da tarde. Ela virou o rosto para frente, tentando controlar a respiração. Mas era tarde demais. — Está me avaliando? — Simon perguntou num tom leve, quase brincalhão. Lívia tropeçou no próprio passo, corando instantaneamente. Sim! Ela estava admirando. Se culpou um pouco porque acabou de conhecer o homem, e até ontem estava perdidamente apaixonada por outro, porém, ele é tão bonito. E é impossível esquecer de como foi bom durante as núpcias de Afrodite. — N-não! Eu só estava... eu... — gaguejou, completamente sem defesa. Simon parou por um instante, o canto da boca se erguendo devagar, numa expressão maliciosa e confiante. Ele inclinou o rosto ligeiramente em direção ao dela — não o suficiente para invadir, apenas para provocar. E piscou. Uma piscadela lenta, intencional, que fez o estômago de Lívia virar. — Fique tranquila — disse ele, retomando a caminhada. — Para mim, não é incômodo algum ser observado por minha esposa. Na verdade, saber que você estava me admirando, me faz sentisse muito bem. Me olhe e me use quando quiser. — Deu uma nova piscadela, a língua rosada umedecendo os lábios e deixando Lívia com sede. Sede de provar eles novamente. Lívia ficou vermelha até a raiz dos cabelos. Os pais, felizes e distraídos na conversa atrás deles, não viram nada — mas Simon certamente viu tudo. E parecia divertir-se. Eles subiram mais um trecho da rua íngreme, o vento vindo do mar trazendo frescor e levantando levemente os fios de cabelo de Lívia. Simon, percebendo-a ofegante, ajustou o passo para o dela — sem comentar, sem fazer cena. Apenas cuidando. De maneira tão sutil que ela sentiu o peito apertar, sem entender o motivo. Quando chegaram no início da trilha que levava à casa na montanha, Simon parou e olhou para trás, onde os pais caminhavam despreocupadamente. Ele voltou o olhar para Lívia. — Está pronta? Ela não sabia se ele se referia à subida, à vida que começavam, ou ao fato de que ainda havia umas dez caixas esperando por ele. Mas respondeu com um sorriso pequeno, sincero: — Acho que sim. Simon sorriu de volta, e juntos começaram a subir a encosta — ele com o peso nos braços, ela com um peso diferente no coração. Se recusando a pensar em tudo que aconteceu mais cedo, mas, impossível de esquecer. Lucas e Judith pareciam felizes. Talvez, a deusa somente fez o que tinha que fazer. Mas, como foi que os lenços foram trocados?! Será obra de Afrodite, ou alguém apenas fez de propósito. A cabeça quis doer, quando percebeu que seu sogro chamava a sua atenção, oferecendo água. — Você tem que se cuidar. Certo, nora?! — Daniel exigiu dela, que sorriu fraco aceitando a água, enquanto Simon observava a esposa, apenas tentando descobrir o que estava fazendo ela ter uma ruga entre as sobrancelhas. Lívia agradeceu, e com um pouco mais de caminhada a casa de Simon surgiu no alto da montanha como um recanto escondido do mundo: paredes brancas, janelas grandes voltadas para o mar, e uma varanda ampla com um sofá de madeira macia — claramente pouco usado. No instante em que chegaram, Simon praticamente desabou sobre o sofá, ainda segurando a caixa como se a qualquer momento pudesse reencarnar ali mesmo. — Eu... — ele arfou, recostando a cabeça para trás — preciso de cinco minutos. Os pais vieram logo atrás. A mãe de Simon bateu palmas, animada. — Cinco minutos nada! — exclamou ela. — Ainda faltam todas as outras caixas, meu filho! Não vai querer que a Lívia ache que você não tem disposição?! Simon levantou uma mão, pedindo misericórdia. Teve uma noite ótima. Agitada, e satisfatório, mas o dia também foi longo e teve alguns estresses para sua cabeça. Precisava respirar. — Mãe, pelo amor da deusa ao menos deixa eu respirar. Ou comer algo. Eu quase não como desde o nascer do sol. A mãe dele arregalou os olhos, indignada. Ela mesmo ofereceu vários alimentos no templo, e ele ainda reclama que estava com fome. — Comer? — repetiu como se ele tivesse cometido um crime divino. — Está pensando em comida antes de trazer as coisas da sua esposa para casa? O pai dele tentou segurar o riso e falhou. Lívia levou a mão aos lábios, rindo baixinho. A mãe de Simon se aproximou do filho com as mãos na cintura, postura de completa autoridade materna. — Já pensou se ela desiste de você? — perguntou, dramática. — Acha mesmo que uma esposa vai confiar em um marido que deixa seus pertences abandonados na casa dos pais dela? Simon ergueu o rosto devagar, encarando a mãe como se tivesse sido atingido por uma rajada de vento. — Mãe, ninguém vai desistir de ninguém. — Ele virou o olhar para Lívia e suavizou a voz. — Ela não vai desistir de mim. Lívia corou, surpresa com a segurança dele. E, por um momento, sentiu o coração bater estranho, como se fosse pego no contrapé. Mas a mãe não estava satisfeita. — Então levante! — ordenou ela. — A tradição manda que você traga tudo para cá. E o que a tradição manda, se faz! Simon encarou a caixa que ainda segurava, como se esperasse que ela criasse pernas próprias. — Isso é perseguição. — resmungou baixo. — O quê? — a mãe ergueu as sobrancelhas. — Nada, nada! — ele se pôs imediatamente de pé, erguendo a caixa como se fosse leve. — Vou buscar o resto. Lívia mordeu os lábios, sorrindo em uma mistura de pena e diversão. Quando ele passou por ela, Simon murmurou, apenas para que ela ouvisse: — Se eu desmaiar no meio da trilha, por favor, diga que foi um acidente honroso. Lívia deixou escapar uma risada suave. — Você está indo muito bem. — ela elogiou, apertando o braço grosso dele, e sorrindo em incentivo. O fato é que, Lívia gostou de ser protegida e mimada. Gosta da ideia do ritual ser seguido a risca. — Estou indo para o meu funeral — retrucou ele, com humor resignado, sua mão sobrepondo a dela sobre seu braço, dando um afago. Os pais dele admiraram o casal na pequena carícia. Daniel olhou para a esposa, dizendo sem palavras um “Eu avisei que seria ela.” Desde que o homem viu a moça na praia a mais de um ano, sentiu que ela poderia ser a nora ideal, porém, se a deusa ajudasse isso acontecer, seria ainda melhor. Não interferiu em nada na escolha da porta, porém, estava feliz que tinha acertado. — Obrigada por trazer minhas coisas. — a voz dela era doce, sincera. — De verdade. Ele engoliu seco. E sorriu — não o sorriso malicioso de antes, mas um sorriso real, bonito, que iluminava seus olhos. — Por você, eu trago até a biblioteca inteira. — Ele fez uma pausa. — Aliás, eu literalmente estou trazendo. Lívia riu de novo, e Simon pareceu reviver só de ouvir o som. — Vá logo, ou a sogra vai... — ela colocou a mão no peito, imitando a sogra e ele riu baixinho. — Antes que sua mãe venha te arrastar. Vou ter que apoiar ela. — Isso ela faria mesmo — ele concordou com um suspiro. E desceu a trilha de volta, pronto para encarar mais caixas — enquanto os pais observavam orgulhosos e Lívia o acompanhava com os olhos, o coração inexplicavelmente leve. O sol estava mais forte agora, o ar quente ondulando sobre as pedras claras. Lívia o observou por alguns instantes, sentindo uma pontada de culpa ao ver seu marido — até poucas horas atrás um completo estranho — carregando aquilo tudo sozinho. Sem pensar duas vezes, ela foi até a cozinha pequena da casa, pegou uma jarra e encheu com água fresca. Com um pano branco, limpou a borda e colocou duas rodelas de limão, do jeito que sua mãe fazia. Depois encheu um copo e saiu apressada pela trilha, o vestido leve balançando com o vento que subia da encosta. Encontrou Simon na metade do caminho, já no retorno. Ele carregava outra caixa grande, um pouco torta nos braços, e estava respirando como se estivesse lutando contra o próprio corpo. Quando viu Lívia, o alívio se estampou no rosto dele de um jeito tão sincero que ela precisou morder o lábio para não rir. — Água? — ela ofereceu, com um sorriso tímido. Simon não conseguiu nem fingir compostura. Largou a caixa no chão com um gemido rouco e pegou o copo como se fosse um presente dos deuses. — Se eu morrer, diga que foi lutando bravamente — murmurou, antes de virar metade do copo de uma vez. Lívia segurou a risada, observando o modo como ele fechou os olhos ao beber, quase grato demais. Bom, estavam casados e não tinha mais como voltar atrás, e Lucas também já estava feliz com o arranjo. Simon parecia realmente ser um bom homem, então, nada mais justo com eles, do que apenas se deixar se envolver e aceitar. — Você está exagerando! — ela disse, mesmo que um pouco impressionada com o esforço dele. — Estou carregando uma biblioteca inteira montanha acima — ele respondeu, enxugando o suor da testa com o antebraço. — Isso não é exagero. Isso é a realidade mais c***l que já enfrentei. Ela riu abertamente agora, e Simon pareceu ganhar energia só de ouvir o som. Na verdade, as caixas apesar de pesadas, não era algo tão difícil assim de levar, mas, quando ele reclamou a primeira vez, foi também a primeira vez que viu ela sorrir realmente, durante todo o tempo. Então, se fazer de fracote para ganhar um carinho e chamar atenção da sua esposa, não era de todo r**m. — Você quer ajuda? — ela perguntou, apesar de saber que a tradição não permitia. Simon balançou a cabeça, um sorriso torto surgindo. — Não posso quebrar a tradição. Minha mãe me deserdaria. Lívia se aproximou e tocou o ombro dele, num gesto pequeno, mas cheio de significado. — Então, eu posso pelo menos acompanhar você. Ele levantou o olhar, e havia algo mais suave, mais profundo ali. — Isso ajuda mais do que carregar as caixas — respondeu. Ela corou, e então seguiu ao lado dele enquanto ele retomava a subida. --- QUATRO VIAGENS DEPOIS... O sol já estava descendo, tingindo o céu de dourado quando Simon colocou a última caixa — uma das mais leves, para sua sorte — no chão da varanda. Os pais observavam da sombra do beiral, bateram palmas como se fosse uma grande vitória. Os dois conheciam tão bem o filho. Estavam feliz por ele não está carrancudo ou enfiado no trabalho. — Bravo, meu filho! — o pai de Simon bradou, orgulhoso. — Eu nunca vi você trabalhar tanto na vida! — ironizou, sabendo muito bem que o filho estava fazendo mais drama que o necessário. — Pelo menos não desde que ele tentou aprender a pescar — completou a mãe dele, rindo alto. Lívia tampou a boca com a mão para não rir alto demais. Simon, por sua vez, olhou para todos eles... E simplesmente desabou no chão da varanda, os braços abertos, como se tivesse sido abatido pelo destino. Realmente estava exausto. — Eu... estou morto. — proclamou dramaticamente, respirando como se o ar fosse ouro. — Alguém leve a deusa uma mensagem: foi tudo culpa dela. Vai deixar minha esposa viúva, no dia do casamento. — Simon! — sua mãe ralhou, rindo. — Respeite a deusa e sua esposa. Nada de viúvas por aqui. — Eu respeito — ele murmurou, sem abrir os olhos. — Mas ela podia ter escolhido uma esposa com menos livros. Lívia ficou vermelha, olhando as caixas e pensando se realmente tinha exagerado, até perceber que ainda tinha vários livros que pretendia comprar. — Ei! — protestou, rindo. — Eu não tenho tantos assim! Simon abriu um olho, encarando-a com um sorriso cansado e provocador. — Tem mais livros do que eu tenho músculos. E isso é preocupante. O coração dela deu uma batida curta e quente, inesperada. A mãe de Simon bateu palma animada. — Vamos, vamos! É hora de organizar a casa! — Mãe — gemeu Simon, ainda no chão — a casa vai se organizar sozinha se esperarmos o suficiente. Lívia soltou uma gargalhada linda e leve — o tipo de som que Simon, apesar do cansaço, não conseguiu ignorar. Ele a olhou por um instante, com um brilho calmo nos olhos. Valeu a pena. Pensou ele. Mesmo que tivesse que subir aquela montanha mais dez vezes. ...
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