capítulo 9

1673 Palavras
Quando os pais finalmente se despediram, deixando a casa em silêncio, Lívia respirou fundo. A varanda ainda estava cheia de caixas, o cheiro da madeira misturado ao perfume das flores do quintal. Saimon continuava deitado no chão, ofegante, um braço jogado sobre os olhos. — Você está vivo? — Lívia perguntou, aproximando-se. — Por muito pouco. — ele murmurou, sem se mover. — minha mãe quer me matar. E meu pai vai ajudar a cavar o buraco. Ela riu — de verdade, pela primeira vez naquele dia. A risada leve fez Saimon abrir um olho. E, quando viu o sorriso dela, ergueu o corpo lentamente, como se aquela visão valesse mais que qualquer descanso. — Eu gosto quando você ri. — ele confessou. O elogio pegou nela de um jeito inesperado. O rosto de Lívia esquentou, e ela desviou o olhar. As vezes parecia que recebia poucos elogios, ou os deles eram diferentes dos demais. — Só fui pegar um pouco d’água — justificou-se, estendendo o copo. Saimon pegou, mas não bebeu imediatamente. Seus dedos encostaram nos dela, e o toque simples provocou um arrepio que percorreu o braço de Lívia até a nuca. O mesmo arrepio que sentiu a noite, quando teve o primeiro toque antes de se entregarem. — Obrigado — disse, a voz baixa demais para ser casual. O ar entre os dois ficou espesso, carregado de algo que Lívia não sabia definir. Ela deu um passo para trás. Ele percebeu, mas não comentou. Simon continuou deitado no chão, imóvel. Olhando para a esposa de pé. — Você não vai levantar? — Lívia perguntou, parecendo se preocupar com ele. — Não posso. — ele respondeu sem mover um músculo. — Não sinto mais as pernas. Acho que vou viver aqui agora na varanda. Como um espírito da montanha. Ela cruzou os braços, inclinando a cabeça para observá-lo. Ele era realmente bonito. A cor puxada para o caramelo, os olhos verdes, a barba e até mesmo o cabelo, parecia algo a ser tocado. O drama que fazia, parecia uma cena de um garoto querendo atenção. Ele não faria isso, certo?! Onde está o humor difícil? Será difícil por ser um mimado?! — Não faça drama por causa de alguns livros. — Disse com um sorriso esperto. — Quatro caixas de tijolos. — reforçou, muito ofendido. — Livros, Lívia. Cem quilos cada uma. Ela gargalhou. — Duvido que cada uma pesasse cem quilos. — Noventa e nove então. Por um instante, ela o achou ridículo. No seguinte, absolutamente adorável. Então, com um gemido alongado, ele virou o rosto na direção dela. Os olhos verdes brilharam de uma forma que não tinha nada de sofrida. — Lívia? — chamou o nome dela. Parecia tão doce. — Hum? — Ela respondeu curiosa, tentando entender a forma que ele a olhava. — Você me ama? — Fez a pergunta, sabendo da resposta. O coração dela deu um tropeço. — S-Simon… nós nos conhecemos há poucas horas de luz do dia. — Ótimo, então você ainda não me ama. — ele estendeu a mão para ela, como se fosse um náufrago pedindo socorro. — Mas pode começar ajudando seu marido a tomar banho. — fez uma pausa dramática. — Por favor? Acho que isso faz parte da tradição. Não é mesmo?! Lívia arregalou os olhos. — Ajudar você a tomar banho? — Lívia olhou para ele com a boca aberta. — Sim. — Ele fingiu um gemido trágico. — Não posso levantar sozinho as pernas. Estão mortas. — Ele colocou a mão no peito. — E meu coração vai morrer também se você me abandonar nessa varanda. — parece que sua mãe te ensinou direitinho, né?! — Lívia ironiza, e ele sorri orgulhoso. — Sim! Sempre fui um ótimo filho. Ela precisou respirar fundo para não rir mais alto. A ideia era absurda. Imprópria. Totalmente indecente. Mas então ela se lembrou do que os sacerdotes haviam dito mais cedo: “O amor verdadeiro não começa pronto. Começa no gesto que decide construí-lo.” Lívia engoliu seco. — Se eu te ajudar a levantar você promete não desmaiar no meio do caminho? — brincou estendendo a mão. O sorriso que surgiu no rosto de Simon não foi mais de drama. Foi um sorriso lento, quente, cheio de surpresa e algo que pareceu, felicidade genuína. Ele se ergueu num pulo. — Claro! Eu me sinto ótimo! — declarou, de repente revitalizado como se tivesse renascido. Lívia o encarou, incrédula. — Mas, você não estava sem sentir as pernas? — Milagre do amor. — Ele deu de ombros, aproximando-se com uma expressão que fez o estômago dela se revirar de um jeito muito perigoso. — E do banho. Ela balançou a cabeça, rindo apesar de si mesma. — Você é impossível. — Mas agora é seu problema. — ele disse, tocando rapidamente a ponta dos dedos no queixo dela — e você o meu. E eu gosto disso, mesmo que tenha mais dez caixas por dia. O rubor subiu pelas bochechas dela antes que pudesse evitar. Simon deu dois passos para trás, estendendo a mão para ela como se a convidasse para dançar. — Vem, esposa. Se vamos morar juntos acho que já merecemos começar com água quente. Lívia respirou fundo e aceitou a mão dele. Lívia entrou no banheiro espaçoso, iluminado apenas pelo poente que atravessava a janela alta. A casa de Simon tinha detalhes de mármore branco e vasos de terracota, mas nenhum deles era tão imponente quanto a grande banheira escavada em pedra clara, algo que lembrava antigos banhos rituais gregos. Suspirou. Era seu dever como esposa ajudar. E, mais do que isso ela queria retribuir o esforço que Simon tinha feito por ela, mesmo que ele tivesse dramatizado metade do caminho. Abriu as torneiras, deixando que a água quente enchesse a banheira com um murmúrio constante. Pegou uma pequena jarra de cerâmica e derramou nela algumas gotas de óleo relaxante — uma mistura de alecrim, jasmim e algo adocicado que sempre a lembrava da própria ilha. O vapor começou a subir lentamente, espalhando o perfume pelo ar. Ele realmente está cansado, pensou. E seguiu tudo à risca por mim. Ele merece esse cuidado. Seu coração aqueceu com esse reconhecimento. Por mais que tivesse sido empurrada para um casamento inesperado, não podia negar que Simon estava tentando — do jeito dele, meio atrevido, meio exagerado, mas parecia sincero. — Lívia? — a voz dele soou na porta, baixa, preguiçosa, bonita demais para aquele fim de tarde. Ela se virou. Simon estava encostado no batente, apenas com a camisa aberta e os cabelos bagunçados pelo esforço das viagens montanha acima. Os olhos verdes se estreitaram ao sentir o aroma da água, como se realmente não esperasse tanto cuidado. — Você preparou isso pra mim? — Ele entrou devagar, como se tivesse sido hipnotizado pelo vapor quente. Lívia mexeu uma mecha de cabelo atrás da orelha, tentando parecer mais segura do que estava. — Claro. Depois de tudo que você fez carregando minhas coisas eu achei justo retribuir. — Ela fez uma pausa. — A tradição pede que a esposa cuide do marido, não é? Simon ergueu uma sobrancelha, aproximando-se. — E eu imaginei que você fosse me entregar uma toalha e só. Não uma banheira digna dos deuses. O comentário fez o rosto dela esquentar. — Eu sou caprichosa — murmurou. Ele riu baixinho, com aquele humor masculino e suave que ela começava a reconhecer. — Isso eu já percebi. Por um momento, os dois ficaram ali, apenas respirando o mesmo ar perfumado. A água borbulhava suavemente entre eles. Então Simon levou a mão ao colarinho da camisa. — Posso? A pergunta veio com uma sutileza que a pegou desprevenida. Ele não a forçava. Não presumia. Pedia permissão. E isso foi o que mais a desarmou. — eu tiro pra você. — declarou colocando as mãos nos ombros dele, empurrando a camisa de linho pelos braços. Saimon não esperava isso. Reconheceu que Lívia parecia está aceitando o casamento, e isso fez ele relaxar. Lívia por sua vez, ficou completamente em choque ao ver as costas retalhadas de Saimon, com arranhões recentes. Específicamente, da noite de núpcias. — Tudo bem?! — Simon quis saber, e ela se apressou em terminar de retirar a camisa, sem saber o que dizer sobre os arranhões. — Você realmente exagerou no drama — ela disse, num tom suave que o fez sorrir, tentando não ir para o assunto. — Mas também não mentiu. Estava cansado mesmo. — declarou querendo cuidar do marido. — Eu estava morrendo. — ele respondeu retirando a calça, e entrando na banheira. — Mas agora estou revivendo. A água quente o envolveu, e um suspiro escapou dele — um suspiro tão sincero e satisfeito que fez o estômago dela vibrar. Simon relaxou totalmente, encostando as costas na borda. — Céus Lívia! Isso é melhor do que qualquer templo. — murmurou, de olhos fechados. Ela sorriu. — Fico feliz que tenha gostado. — admitiu admirando o corpo do homem na água. — Gostado? — Ele abriu um olho, preguiçoso, malicioso e doce ao mesmo tempo. — Eu acho que acabei de me apaixonar. O coração dela bateu errado. Ela abriu a boca para repreendê-lo, mas não encontrou força. — Eu vou pegar toalhas — disse, recuando antes que ele percebesse como suas mãos tremiam. — Lívia? — ele chamou, ainda com voz de seda relaxada. — Obrigado. Ela parou na porta. — Por quê? — Por cuidar de mim. — Ele sorriu, tranquilo, real, sem brincadeira alguma. — …como se realmente já fôssemos marido e mulher. — Somos marido e mulher. Ou já esqueceu da cerimônia de hoje?! — Lívia disse, um sorriso nos lábios. A decisão ela já havia tomado. Só precisou de uma noite e um dia. Ela iria se dedicar aos dois, e tentar superar o mais rápido possível a paixão que um dia já sentiu. Saimon agora era seu marido, e se ele estiver disposto, ela está o tanto quanto para fazer dar certo. ...
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