›◞ ONZE

2858 Palavras
— Eu vou… te contar a minha história. … 7 anos atrás... “Existem detalhes que hoje em dia estão bem bagunçados na minha mente, mas foi na época em que eu e meus pais ainda morávamos em Busan.” — Jeongguk, amor, vai se atrasar! — J-já to indo, já to indo! – a voz agitada do garotinho irrompeu pela sala da casa, conforme o mesmo surgia descendo as escadas, calçando apenas um dos tênis enquanto o outro se mantinha da mão e a mochila se mantinha pendurada apenas num dos ombros. — Calma, não vai sem mim, ein? O garotinho de fios escuros, que emolduravam o rosto pequeno e delicado, pediu enquanto sentava rapidamente no sofá, tendo largado a mochila de qualquer jeito para enfim acabar de calçar os sapatos. Sabia que o pai era ocupado e sempre estava apressado, não queria correr o risco de ser deixado pra trás. Mas em contrapartida, o ômega que até então apenas observava filhote, só conseguiu rir com o jeitinho do mesmo, tendo a certeza de que estava diante do serzinho mais precioso da Terra. E não era apenas porque seu filho, que dizia aquilo. Era um pai orgulhoso e protetor, tal qual seu marido sempre dizia, mas não achava que fosse um defeito de toda forma. — Eu não vou embora sem você, mas da próxima não ignora o despertador, tudo bem? – indagou, apenas recebendo um murmúrio de concordância em resposta. Relaxou os ombros. — Ótimo. E lembra que eu vou ficar de plantão essa noite, uh? O Eunwoo appa também vai chegar um pouco mais tarde e não vai poder te buscar na escola. Então você vai voltar sozinho. Não esqueça de s- — De seguir a sinalização, olhar pros dois lados antes de atravessar a rua, não falar com estranhos e vir direto para casa. – completou contando nos dedos quase como se tivesse decorado um texto antes daquela conversa. Mas a verdade era que estava acostumado e havia escutado aquelas instruções tantas vezes que já sabia de cor. — Eu sei appa, relaxa. Quieto por um momento, JaeMin exalou o ar que até então havia prendido, acabando por sorrir de lado. Seu menininho estava tão crescido. — Tudo bem, tudo bem. Pronto, então? Podemos ir? Assim que recebeu a resposta que veio em forma de um menear de cabeça, ambos seguiram em direção a saída da casa e em seguida rumo ao carro preto estacionado logo a frente da mesma. O caminho inteiro seguiu-se em um silêncio confortável – sem conversas por parte de ambos – preenchido apenas pela música animada que tocava no rádio e voz baixinha e melódica do garotinho que vez ou outra chacoalhava as pernas ao ritmo do que ouvia, embora a atenção estivesse completamente focada no caminho pela janela. Era sempre daquele jeito quando o ômega o levava à escola. Se fosse o seu pai alfa, provavelmente teriam feito uma festa durante o caminho, mesmo que estivessem a ponto de se atrasar. Eunwoo sempre fora mais enérgico, enquanto JaeMin era o que se contentava em observar a bagunça e felicidade estampada no rosto de seus dois garotos. Não que Jeongguk estivesse reclamando, claro. Ele amava o jeitinho do pai. Na verdade, por mais que não entendesse de relacionamentos ou muito menos estivesse interessado em qualquer coisa do tipo – afinal, tinha apenas dez anos e sua maior prioridade era chegar em casa a tempo de não perder seu programa favorito e manter as boas notas na escola – , sempre gostara de observar os dois pais, juntos principalmente.  Era visível o quanto eram diferentes e contrastantes entre si, e mesmo assim eles pareciam funcionar tão bem quanto era possível. Quase como se tivessem sido moldados um para o outro. Eles se amavam verdadeiramente. Era bonito – claro, quando não estavam se beijando na sua frente, ew –. Jeongguk fez uma careta sutil com a breve lembrança, o que não passou despercebido pelo olhar curioso do mais velho, que vez ou outra o observava através do retrovisor. — Tudo okay, bebê? — Tudo sim, appa. – respondeu, com um pequeno bico nos lábios. Passado poucos minutos – pouco menos de quinze – logo o carro estaria parado a frente da escola, ainda com o motor ligado e apenas esperando que o moreno descesse e se juntasse as outras crianças que também acabavam de chegar no local, todas seguindo para o interior do mesmo, fossem em grupos e conversando ou simplesmente sozinhas em seu próprio mundinho. — Olha só, ainda chegamos na hora. – o mais velho disse com certo humor vendo o menor sorrir pelo retrovisor enquanto abria a porta. — Não tá esquecendo de nada? —  Hmmm… Material, ok. Lembrar que vou voltar sozinho pra casa, de tomar cuidado e não falar com estranhos, ok também… Então não, acho que não. A vozinha infantil e olhar muito sério e pensativo enquanto checava mentalmente sua lista, também contando nos dedos, arrancaram um sorriso do maior. — Certeza? Mais nada? As perguntas conseguiram deixar o menor ainda mais confuso, fazendo com que ele franzisse a testa buscando lembrar o que seria, até que de repente os olhinhos de jabuticaba se arregalaram, piscando algumas vezes, como se finalmente tivesse se tocado. — Aigoo! – resmungou, agora já sem cinto se inclinando na direção do pai e deixando um beijo estalado na bochecha do mesmo. — Te amo, appa, ta bom? — Também te amo. – rindo baixo, o mais velho afirmou. — Cuidado. E pouco mais de um segundo após também afirmar e sorrir abertamente, o garoto desceu do carro ainda acenando ao pai antes de praticamente correr até que estivesse acompanhando os colegas de sala que encontrara pelo caminho. JaeMin observou até que ele sumisse de sua vista, e por um ínfimo instante sentiu o peito apertar com uma sensação o dominando. Foi rápido e assustador, o suficiente para fazer o ômega perder o ar por um momento. E então passou. Com a mão sobre o peito, e respirando fundo, JaeMin olhou mais uma vez na direção da escola, e ainda que um tanto abalado resolveu ignorar aquilo e seguir seu caminho até o trabalho. Afinal, não deveria ser nada demais não é? Talvez paranóia? Preferiu acreditar que sim. Quisera ele não ter ignorado.                                  ᯓ A última aula daquele dia era de matemática, que não era lá a favorita do filhote da família Jeon. Era um garoto inteligente e esforçado, mas quando se tratava de todos aqueles números, fórmulas, regras e afins, simplesmente não conseguia seguir adiante. E justamente por isso ficou preocupado e inquieto quando o Sr. Oh, o professor daquela matéria, pediu que ficasse depois da aula para falar sobre suas notas e desempenho. O homem era alto e tinha um porte físico forte, como alfas geralmente tinham, e era tão respeitado quanto qualquer um conseguia ser, até mais. As feições quase sempre tranquilas e sempre sorridente e atencioso, fazia com que todos parecessem adorá-lo. Mas, embora também o respeitasse bastante – assim como fora ensinado a respeitar os mais velhos –, seria mentira se Jeongguk dissesse que gostava daquele sorriso ou do dono dele. Na verdade, se era pra ser sincero, ele o deixava tenso, como tudo no mais velho. Não sabia se era porque ele era professor da matéria que tanto detestava ou então porque ele tinha uma mania incômoda de sempre tocar-lhe, distraidamente, quando falava consigo – fosse nos ombros, costas, braço ou cintura – e o garoto sempre acabava desconfortável, embora não dissesse nada. — Jeongguk-ssi? Praticamente dando um pulinho por conta do susto, o garoto ergueu o olhar rapidamente, dando de cara com o olhar do mais velho em si e automaticamente encolhendo os ombros. A sala, como então percebeu, estava completamente vazia exceto pelos dois. Ainda era possível ouvir as vozes das crianças que certamente estavam já no andar de baixo, seguindo a saída em grupinhos, prontos para voltarem para casa após mais um dia letivo produtivo. O moreno estava tão distraído, mergulhado nos próprios devaneios e receios que só havia notado que estavam a sós naquele momento. Observou o professor – antes próximo a porta que havia acabado de encostar e agora calmamente seguindo  de volta à própria mesa –, respirando fundo e apertando as alças da mochila que carregava nas costas, só então levantando e seguindo para perto dele a passos lentos como os de que quem queria evitar uma situação r**m ao máximo possível. — Eu… 'To encrencado? A pergunta saiu baixinha e a ansiedade estampada em seu rosto era evidente, e só aumentou quando o mais velho apenas riu. Mas não havia nenhum humor ali. Não havia nada engraçado. — Claro que não, relaxe um pouco. – ajeitou os óculos com o indicador, enquanto apoiava a mão livre sobre o birô tentando tranquiliza-lo. Mas ainda que a fala tivesse feito o menor relaxar um pouco os ombros e lentamente soltar o ar, a tensão ainda se fazia presente, principalmente por estar encurralado entre o braço alheio apoiado na mesa e o corpo grande e adulto agora sentado na cadeira. — Não acho que precisamos contatar seus pais. – continuou, chamando a atenção do menor, que desviou a mão do braço que o "prendia", para em seguida focar no maior. — Você não está tão r**m, mas é o único aluno que ainda está abaixo da média, Jeongguk, e precisamos melhorar isso… Do jeitinho certo nós conseguimos aumentar sua nota. Só tem que fazer o que eu disser… E vamos manter apenas entre nós dois, hm? – indagou, mas logo abriu outro sorriso, quase malicioso, ao ver que mesmo tendo hesitado, o menor concordou. — Ótimo, bom garoto… Não escondia a satisfação enquanto olhava o pequeno serzinho. Já o observava há tanto tempo... m*l conseguia acreditar que finalmente estava ali a sós com ele, tão pertinho e podendo sentir aquele corpinho tão frágil perto de si. Era literalmente o seu dia de sorte. — Você tem um rostinho tão bonito. Já te disseram isso? – disse por fim após um momento o apreciando, tocando de leve o queixo do mais novo e erguendo seu rosto para que o olhasse nos olhos. O mais velho parecia contemplativo. — Parece um bonequinho de porcelana, de tão delicado… — H-hm… – o menor acabou cerrando os punhos quando sentiu o rosto ser erguido até que estivesse olhando nos olhos alheios. — Então vai me ensinar? A-a gente vai começar hoje? – indagou, conforme se desvencilhava do toque em seu queixo, novamente desviando o olhar, só querendo mudar o rumo daquele assunto. Será que estaria sendo desrespeitoso e errado se só saísse dali correndo? O senhor Oh ficaria bravo? Era sua maior vontade naquele momento, mas tinha receios... Em especial um que o fazia acreditar que se tentasse realmente correr, seria impedido pelo braço do professor. E não tinha ideia do que faria se aquilo acontecesse. Aquela sala sempre foi tão pequena e sufocante? O homem observou por um momento, não evitando sorrir diante da reação da criança, só conseguindo pensar em como seria divertido. E logo em seguida afirmou, ponderando por um momento antes de teazer o corpo pequeno e infantil ao seu encontro, o fazendo sentar sobre uma de suas pernas, tão rápido que a criança m*l teve tempo de reação. — Vou sim, fofinho, começando de hoje, vou te ensinar tudo que precisa saber. – disse baixinho próximo ao ouvido alheio. E aquela proximidade, contato e situação deixou o pequeno alarmado, com a respiração pesada e um sentimento r**m pesando no peito que tornava doloroso respirar. Medo, angústia, impotência. Queria chutá-lo, queria correr e gritar. Mas não conseguiu, não entendia porquê, mas não conseguiu fazer nada além de permanecer estático enquanto suas mãos tremiam e tudo aquilo tudo acontecia.” — Ele… Me fez tocá-lo e… também me fez fazer coisas nojentas que ainda me reviram o estômago quando lembro. E quando acabou... Quando acabou, me disse que eu não deveria contar pra ninguém, que deveria ser nosso segredo e que ninguém me amaria se soubesse daquilo, nem meus pais. – fez uma pequena pausa, enquanto o outra rapaz ainda o olhava, digerindo cada palavra. — Eu vomitei quando cheguei em casa e lavei minha boca com tanta força que quase arranquei minha língua e meus lábios fora, tentando tirar ele de mim… além de tudo, eu… Fiquei com medo dele estar certo sobre meus pais me odiarem e ficarem com tanto nojo quanto eu estava… mas ocasionalmente eu contei a eles. “Essa época foi um inferno e algumas coisas agora são um borrão… Mas foi depois disso que nos mudamos para Seul… E eu mudei de escola, conheci o Yoongi hyung. Frequentei um psicólogo por um tempo e me ajudou um pouco.” “Voltei a frequentar ele uns anos depois, quando já estava prestes a completar treze, após o meu primeiro cio… Meus pais ficaram muito preocupados porque eu parecia não sentir nada e me levaram a um especialista, que disse que eu não tinha nenhum problema físico, era completamente saudável, e então me encaminhou a um psicólogo, que depois de algumas sessões acabou deduzindo que após o que eu passei, criei algum tipo de bloqueio. ” “Fosse o que fosse, eu… eu até fiquei feliz, de certa forma. Eu me recusava a sentir qualquer coisa que me lembrasse aquela época ou que fizesse me sentir vulnerável como eu sabia que ômegas ficavam nessa situação. Então eu… Me aproveitei disso e busquei me tornar mais forte, pra evitar que acontecesse de novo comigo ou com qualquer outra pessoa.” Suspirou, por fim, ainda a olhar o próprio colo, notando então as manchas escuras na calça de moletom azul pastel que usava. E foi quando ergueu a outra mão e trocou o próprio rosto, sentindo-o molhado, que notou que estava chorando. Que d***a. Respirou fundo, virando o rosto para o lado enquanto buscava enxugar as lágrimas e se continha para que não se deixasse desabar de vez e chorar ainda mais. Odiava com todas as suas forças se sentir tão vulnerável e afetado, porque só lhe parecia que aquilo ainda tinha poder sobre si. Enquanto isso, o Kim ao seu lado parecia em estado de choque. Mas na verdade estava apenas processando todas aquelas informações. Quando fez a pergunta a Jeongguk, não havia imaginado receber aquela resposta, muito menos ouvir aquela história tão pesada. Queria vomitar, estava tão enojado… Não com o menor sentado ao seu lado, nunca, mas sim com toda aquela situação. Além de tudo, também estava furioso com o desgraçado que havia o machucado da forma mais covarde e desumana possível. Já seria h******l de toda forma, mas com uma criança ainda mais... Ele era só uma criança! Sua maior vontade era caçar aquele predador escroto e destroçá-lo com as próprias mãos, seu lobo estava inquieto e ansiava por isso também, sentia os sangue praticamente queimar em suas veias. Quis perguntar onde aquele crápula estava, o que tinha acontecido com ele e se já tinha pagado por aquilo porque do contrários estava mais que disposto a manda-lo pro inferno adentro. Mas quando o baixo fungando foi ouvido e o alfa novamente focou no menor, a única reação que teve foi se aproximar um pouco, com cautela para não assustá-lo, e sem muito pensar, tocar sutilmente a mão que estava apoiada no batente onde estavam sentados. — Eu… Sinto muito… – disse baixinho, assim que boca foi aberta, recebendo a atenção dele automaticamente. Rosto vermelho, olhos brilhando em lágrimas e uma expressão do cortar coração. Sentiu o seu próprio apertar e seu lobo inquietar-se ainda mais. — Eu… Sinto muito mesmo. E eu sei que é h******l, parece uma frase pronta e nem muda nada de r**m que passou, mas… d***a, eu nem sei o que dizer… Suspirou, frustrado, bagunçando os próprios cabelos e completamente incerto do que fazer. Mas então se surpreendeu um pouco ao sentir a mão que havia tocado apertar a sua de volta, observando ambas unidas por um momento, antes de focar no rosto choroso. E por alguma razão que nem sabia explicar, soube exatamente o que fazer. Porque só bastou que ajeitasse a postura o chamasse pra perto para que o menor se aproximasse de si, envolvendo os braços ao seu redor, se deixando ser engolido pela abraço consolador enquanto se permitia chorar baixinho com o rosto escondido no peito alheio. O som do choro baixo do ômega o fez se sentir da pior forma possível, era cem vezes pior do que levar um soco estômago e só fez ter mais certeza de que queria protegê-lo de qualquer coisa r**m. O aninhou entre seus braços com todo cuidado possível, deixando que ele colocasse tudo que sentia para fora enquanto fazia um carinho sutil em suas em suas costas. Era o que podia fazer naquele momento. Talvez sempre fosse sentir aquele gostinho amargo da impotência por não ter estado lá para impedir o que – infelizmente – já havia acontecido. Mas uma coisa já havia decidido: não deixaria, nunca mais, que nenhum filho da p**a machucasse o seu ômega.
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