ALEXIA
Está ficando escuro lá fora.
Acendo a lâmpada da minha mesa e estico-me na cadeira, tentando evitar a inevitável luz que incomoda do dia se pondo, que atravessa a minha janela. O meu estômago grunhe, por isso que eu abro o último gaveta da minha mesa, olhando para as coisas que tenho guardadas. Ah, sim, a gaveta secreta de lanches.
É segredo não porque eu me envergonhe do quanto que eu gosto de lanches, mas porque Vicky, que está no cubículo em frente, pode por cima da parede divisória se ouvir o barulho de um saco de batatas fritas.
Pego uma do pacote e fecho a gaveta. Eu olho fixamente o cursor que está piscando na tela do meu computador enquanto eu como a minha batata frita. Eu disse ao meu noivo, Gael, que esta noite chegaria tarde em casa porque queria terminar esta história, mas não
estou segura de que realmente eu precise.
É um artigo de pouca importância: A improvável história de como o zelador de um centro comunitário encontrou os mesmos patins que ele usava quando visitava o centro de uma criança. O Sr. Finkel passou a metade da entrevista lembrando o quanto custava tudo naqueles dias (uma lata de refrigerante, 5 centavos; um cachorro-quente, 25 centavos, um sorvete com duas bolas, 10 centavos), e o resto do tempo falando sobre como as crianças de hoje em dia não apreciam o luxo de ter um centro comunitário para ir.
Agora, é o meu trabalho como jornalista local dedicada, converter esse monte de abobrinhas, muito pouco interessantes num artigo que convide à reflexão e que examine o papel dos centros comunitários para a educação da juventude do amanhã.
Ou, pelo menos, é assim que eu decidi dar a volta, mas a minha editora, Débora Harris, só quer que eu escreva a história. De fato, essas foram as suas palavras exatas. — Ninguém vai ler, exceto esse zelador, então é só você se certificar de não escrever errado o nome dele.
Débora não tem objeções ao expressar que não gasta tempo nem energia em artigos de propaganda quando há histórias maiores para ela se preocupar. Eu gostaria que ela confiasse em mim, uma dessas grandes histórias. Até agora, o meu trabalho no
New York-Union não tem tido muito conteúdo.
— Eu tenho uma história para você! Se ouve uma voz cortante na entrada do meu cubículo.
Oh, meu Deus. Falando do Rei de Roma.
Me viro para olhar para Débora, enquanto enfio de uma vez só a batata na minha boca. Ela é uma mulher escocesa de aspecto severo, com o cabelo loiro perfeitamente penteado, olhos delineados em preto e lápis de lábios que nunca está torto. Tem uma louvável e infinita variedade de trajes com calça de cores marcantes. O escolhido de hoje é um blazer roxo e calças, com um top branco por baixo. Parece ter uns quarenta e cinco anos, mas os dois anos que estou trabalhando no jornal, nunca ouvi falar da sua idade.
Ouvi o rumor de que alguém do escritório tentou organizar uma festa de aniversário e nunca mais se soube sobre essa pessoa.
— Como está a história? Ela me pergunta, com o seu forte sotaque.
— Está evoluindo. Eu engulo rapidamente o resto de batata. — Eu estava a ponto de...
Ela faz um gesto, acenando com a mão. — Não, isso é tudo o que preciso saber.
Eu só estou aqui para deixar a sua tarefa para amanhã. Ela sorri. — Você vai gostar desta.
O meu coração acelera. Débora, por fim, vai me dar algo grande.
— É uma exposição canina! Ela anuncia.
— Oh.
— Não fique tão triste. Ela se apoia na parede do meu cubículo. — Você ainda não ouviu a melhor parte.
Eu arqueio uma sobrancelha. O que pode ter de grande em uma exposição de cachorros?
Débora se inclina um pouco. — Todos os cães são imitadores de celebridades.
— É sério Debora?! Eu reclamo, deixando cair a cabeça para trás com frustração.
— É sempre a mesma mer*da que sempre recebo. Por que você faz que eu crie expectativas?
Ela chuta a parte inferior da minha cadeira, o que faz com que eu me levante com o golpe, e então ela cruza os braços e olha para mim com cara feia.
— Outra vez, você e a sua falta de paciência. Ela me repreende. — Você sabe a sorte que você tem em ter esse trabalho? Eu tenho uma dúzia de currículos na gaveta e os donos gostariam de escrever uma reportagem sobre um desfile de cães com trajes chamativos.
— Sim. Suspiro. — Você tem razão. Sinto muito. Obrigado.
Ela sorri e vai embora.
Eu sei que Débora tem razão, mas eu não posso evitar a minha frustração. Eu não consigo ficar grata por escrever sobre um show com cães, quero escrever histórias que marquem a diferença.
O relógio marca cinco e meia e eu começo a recolher as minhas coisas. Hoje não vou ficar até tarde. Eu só quero me jogar no sofá com Gael e uma taça de vinho tinto e assistir um pouco de televisão. De fato, isso é exatamente o que me foi receitado pelo médico.
Eu levo quarenta minutos para chegar do jornal em Manhattan ao nosso loft no Brooklyn.
Gael tem sorte! Acabaram de nomear ele, sócio minoritário num escritório de advocacia no centro de Brooklyn e o seu trajeto ao trabalho é de menos de dez minutos.
É uma tarde muito quente para novembro, mas o ar continua um pouco frio, o que me obriga a me cobrir melhor no caminho desde o metrô até o nosso prédio. Subo os degraus da entrada e entro no elevador, sonhando com um banho quente.
A porta do apartamento não está fechada com chave, o que me parece surpreendente. Apesar de o quão perto o escritório do Gael é, eles são muito exigentes e Gael trabalha em horários difíceis. Eu fico feliz, afinal eu havia dito que ia chegar tarde hoje, e finalmente vou conseguir fazer uma surpresa para ele.
Deixo as chaves numa tigela e entrei na sala, esperando encontrá-lo lá, mas ele não está.
— Gael? Eu chamo. As velhas tábuas do chão range debaixo dos meus pés enquanto vou em direção do quarto, deixando cair a minha bolsa no sofá pelo caminho.
Crackle. Crackle.
Estou discutindo com Gael desde que nos mudamos, para trocar o colchão do nosso quarto. Ele adora, mas eu não suporto essas molas rangendo. O caso é que as molas só fazem barulho quando ele e eu estamos tran*sando. Como estou no corredor, começo a me dar conta com crescente horror o que isso significa...
Oh, Jesus.
Quando eu empurro a porta do quarto com as pontas dos dedos, que de repente ficaram tremulas, encontro com algo que eu nunca, nunca, eu queria ver.
A primeira coisa que vejo é a pálida bun*da do Gael, enquanto ele sobe e desce.
A segunda coisa que vejo é a cara de horror da mulher que está debaixo dele, que acaba de me olhar nos olhos e se deu conta, tarde demais, de que cometeu um grande erro.
O meu queixo cai no chão.
A mulher tenta sair de debaixo do Gael e se cobrir com o edredom, mas o grande pateta leva um segundo para perceber o que está acontecendo.
Quando finalmente ele percebe, e levanta os olhos para ver-me de pé, na porta, o rosto dele muda.