Ato 01
Descobrindo o amor
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2013
Matheus Teles
—Eu volto assim que terminar, cuida do seu irmão. —minha mãe falou antes de me beijar na testa e sair.
Eu sou o filho do meio de três, minha irmã mais velha Lianna acabou de conseguir uma vaga na UFRJ para cursar Odontologia, foi seu presente de aniversário, ela batalhou muito nos estudos para conseguir seguir seu sonho. Minha mãe faz duas diárias por dia para conseguir pagar as contas e o transporte, meu pai é pedreiro, ele sempre que pode me ajuda com dinheiro, mas principalmente o apoio.
Eu estou terminando o ensino médio, correndo atrás de começar a estudar para seguir minha carreira também, se Deus quiser eu vou ser um militar da AMAN, minha família inteira me apoia e eu vivo de cara nos livros, não tivemos condições de pagar um cursinho, mas eu consegui todo o material com uma colega da minha igreja, ela foi uma mão na roda.
Meu irmão mais novo ainda tem treze anos, ele não sabe bem o que quer, mas já começo a colocar na cabeça dele que nossa vida é essa e nós somos responsáveis pelo nosso futuro, precisamos estudar e conseguir sair dessa vida.
Lianna sai cedo para a faculdade e eu fico aqui cuidando da casa e do meu irmão mais novo, depois que chegamos da escola, almoçamos e aí eu começo a estudar mais um dia rumo ao meu sonho, em breve eu farei dezessete anos e aí é ainda mais perto do meu objetivo.
—“Teteus”— meu irmão me chamou, minha família inteira me chama assim. — nós vamos poder ir no retiro da igreja? —ele perguntou.
Eu ainda não sabia bem, não sei como conseguiríamos o dinheiro para isso, eu gosto do ambiente calmo da igreja, gosto de estar no meu canto quieto, acho que eu já nasci para seguir a carreira dos meus sonhos.
—Não sei, não temos dinheiro ainda “n**o”. —o chamei pelo apelido que todo mundo chama, mas seu nome de verdade é Erick.
—Entendi. Talvez podemos vender alguma coisa? —ele deu a ideia.
Erick gosta de música, ele tem vários instrumentos que meu pai comprou de segunda mão e pagou com serviço, tenho certeza que ele vai ter um futuro brilhante nisso.
—Não vai ser preciso, vamos conseguir. —eu garanti.
Ainda não sei como, mas tenho certeza que tudo vai dar certo.
Meus pais são divorciados mas são muito amigos, meu pai sempre vem nos visitar sempre que pode, apesar dele viver no nordeste, sempre que conseguimos nós viajamos para rever a família. Esse ano não vai ser possível porque gastamos tudo com estudos, apesar de ser grátis, Lianna tem um gasto muito grande com materiais.
O telefone fixo de casa tocou e Erick correu para atender enquanto eu voltava a estudar, para minha sorte eu sou muito bom em exatas, as matérias que mais pegam na prova. Estava fazendo os cálculos quando meu irmão veio correndo me chamar.
—Teus, mamãe está na UPA do centro, acho que ela teve uma queda de pressão e desmaiou. —ele veio nervoso avisando.
Larguei os livros e corri para vestir uma roupa decente, pedi a meu irmão que ficasse em casa ou ligasse no celular da minha irmã e avisasse do acontecido. Saí de casa e corri para o ponto de ônibus.
Levou mais ou menos uma hora para que eu chegasse até a UPA do centro, fui direto no atendimento perguntar por ela, quando passei pelas salas, encontrei minha mãe no corredor, ela estava sentada em uma cadeira, parecia bem pálida, estava com um acesso na mão, para a utilização do soro.
—Mãe, o que aconteceu? —eu perguntei.
Ela levantou a cabeça e franziu a testa preocupada.
—Meu filho, o que você veio fazer aqui?
—Ligaram lá em casa, a senhora está melhor? Falaram com o Erick e avisaram que a senhora teve um m*l estar. —expliquei. Sentei no chão da UPA ao lado dela.
—Ah, não foi nada de grave, apenas uma queda de pressão, vou terminar esse soro e vou para casa descansar. Não precisava me buscar, meu filho, você precisa estudar. —ela passou a mão em meus cabelos e sorriu.
Minha mãe é nova demais, teve a gente ainda na adolescência e desde então vem batalhando para conseguir dar o melhor que pode. Lianna já disse que assim que se formar, vai corrigir o sorriso dos nossos pais e cuidar da aparência deles. Bom, eu pretendo cuidar da saúde, meus pais são tudo na minha vida.
—Um dia não vai me reprovar, mãe. —brinquei.
Nós ficamos ali, nós dois, até que o soro acabou e ela foi liberada para ir embora, a volta para casa é outro sofrimento, ônibus lotado, fiquei com medo dela passar m*l novamente, mas deu tudo certo.
Quando chegamos em casa, Lianna já estava lá, tinha acabo de chegar da faculdade e estava quase puxando os cabelos da cabeça.
—Mãe, agora que eu soube, tive prova e desliguei o celular. A senhora está bem? —ela veio passando a mão pelo rosto da mamãe.
—Sim, fiquem tranquilos meus filhos, estou ótima. Vou fazer uma sopa para jantarmos. Delícia. —mamãe comentou e já foi indo para a cozinha.
Se tem uma coisa que a dona Mila sabe fazer é comida, arrisco dizer que minha mãe deveria ter um restaurante, eu pretendo dar a ela, claro, mas isso é surpresa. Ela foi toda animada para a cozinha fazer suas receitas que ela tira não sei de onde. Todo dia é uma comida nova.
Eu voltei ao meu quarto que dividia com meu irmão e caí de cara nos estudos noite adentro, jantei na mesa de estudos mesmo, para recuperar as horas perdidas. Erick entrou para dormir e apagou a luz, eu liguei o abajur da mesa e adentrei firme nos livros.
Quando acordei, Erick estava tocando em meu ombro, me balançando para todo lado.
—Teus, tu não sabe da maior. —ele sorriu.
—O quê? —perguntei desnorteado, ainda acordando, todo quebrado porque dormi na cadeira.
—Teve um sorteio lá na igreja e a gente ganhou o ingresso do retiro. —ele comentou sorrindo.
Aquilo me despertou completamente, foi a melhor notícia da semana, levantei da cadeira e fui correr para lavar o rosto e escovar os dentes enquanto meu irmão me explicava melhor a novidade.
—Hoje cedo a nossa líder veio aqui trazer os crachás, ela disse que eles sortearam cinco e nós dois fomos escolhidos. —ele contou animado.
Internamente eu só podia agradecer a Deus por isso, porque eu já estava pensando em não ir, o retiro seria na semana do meu aniversário, isso já foi como um presente.
Mamãe nem esperou se recuperar direito e saiu cedo para trabalhar, eu já disse que a gente consegue, ela não precisa viver se matando, eu já quis arrumar um emprego mas ela não deixa, ela diz que isso é obrigação dela e do meu pai, nosso papel agora é estudar.
Os dias seguintes foram a mesma coisa, eu sentado na cadeira de frente para os livros, estudando com vontade, as vezes sem nenhuma vontade, mas nesses momentos eu me lembrava que eu era obrigado a passar nessa prova, eu tinha que conseguir e pra isso eu precisava me dedicar de verdade.
Na semana do retiro, até levei alguns livros de inglês para não perder a prática, mamãe organizou nossas coisas nas mochilas e no dia seguinte iríamos a uma chácara onde passaríamos três dias, três dias que eu não sabia, mas que mudariam o rumo da minha vida para sempre.