Laura Narrando
Levanto cedo pros meus últimos dias por aqui. Graças a Deus, vou voltar pro Brasil, onde tá minha família e o meu amor. Já se passaram seis meses desde a última vez que vi ele. Tô cheia de dúvida na mente... será que ele ainda me quer?
Tenho quase certeza que ele não conseguiu me esperar. Mas também, né… não dá pra julgar. A carne é fraca, o homem é gostoso, e com aquele monte de mulher se jogando em cima dele, quem aguentaria ficar só?
Eu sei que é f**a, mas se ele ficou com outra, fazer o quê? Já rolou até sexo virtual entre a gente, comprei uns brinquedinhos pra brincar com ele na chamada… mas homem é safado, gosta é de pele, de contato.
Não posso cobrar também. Fui eu que decidi vir pra Chicago estudar, então não dá pra meter pressão em cima dele. Só que depois que descobri a gravidez, comecei a esconder a barriga. Se descobrissem, iam me arrancar daqui na marra. Mas eu sou cria, não sou de desistir. Comecei, agora vou até o fim.
Não foi fácil… mas cheguei até aqui — penso enquanto tomo banho, alisando a barriga com carinho. Escovo os dentes, passo desodorante e hidratante ali mesmo no banheiro. Visto meu terninho preto com camisa branca por dentro, calço meu scarpin preto, boto argola na orelha, maquiagem leve pro dia e prendo o cabelo num r**o de cavalo bem alto. Pego meu relógio, o fichário, minha bolsa, e desço a escada com o celular na mão.
Aproveito pra fazer minha chamada de vídeo com a minha mãe, sagrada todos os dias.
Chamada on
— Olha, mãezinha — falo animada.
— Oi, filha! Como tá seu último dia de aula? Tô ansiosa pra te ver, minha princesa — Gaby fala com um sorriso, mas abaixa o olhar meio estranha.
Coloco o celular no suporte, numa altura que ela não veja minha barriga. Enquanto isso, boto água e pó na cafeteira e deixo ela fazer o trampo. Pego as frutas cortadas na geladeira e um potinho com cereais.
— O que a senhora tá me escondendo? Fala logo, porque eu não gosto de segredo, ainda mais estando longe — falo desconfiada, encarando ela.
Ela tenta disfarçar, mas eu conheço. Leio expressão facial como ninguém. Tá querendo dizer alguma coisa, mas tá travada. Já fico agoniada. Me levanto, coloco café na minha xícara, pego uma colher e sento de frente pro celular.
— Não, meu amor… não é nada. Vai tomar seu café tranquila, faz tua prova em paz. Mais tarde a mamãe te liga… ou amanhã. Boa aula, e que essa semana passe logo, porque não vejo a hora de te ver e te abraçar, minha menina — Gaby fala com aquela voz de mãe que tenta disfarçar, mas eu sei que tem algo.
— Mãe, mudando de assunto rapidinho… como é que tá o Théo? Queria tanto que vocês tivessem vindo pra minha formatura. Quando eu chegar aí, quero meu baile, hein! Com direito a sacudir a raba até o sol nascer — falo soltando aquele sorrisão, e ela ri junto comigo.
— Ele tá bem. Já tá nos corres com o Erick. Foram receber uma carga que seu pai comprou com o Gurila. Agora vai se arrumar, filha, pra não se atrasar. Te amo, fica bem. Tô aguardando tua chegada com o coração na mão. Te amo, minha princesa — Gaby diz com carinho enquanto eu como minha saladinha com café preto.
— Tá bom, meu amor. Qualquer coisa, se quiser conversar ou só ouvir minha voz, me liga. Te amo — falo finalizando minha salada de frutas com cereais.
Desligo a chamada com aquela sensação de que ela queria me contar alguma coisa, mas não sabia como. Coloco a louça na pia, vou até o banheiro do corredor, escovo os dentes de novo e saio do apê, que é dentro do campus.
Caminho pelo pátio até chegar na sala. Hoje é minha segunda etapa da prova da OAB. Graças a Deus sempre fui apaixonada por Direito. Pretendo exercer, sim. Sei que vou me sair bem. Não saí do Rio pra dar viagem perdida. Vou voltar com minha carteirinha da Ordem no bolso e pronta pra meter marcha na profissão. Não aceito menos que isso.
Vejo uns alunos meio nervosos hoje por causa da apresentação do TCC. Mas eu? Eu sempre fui pra frente. Sou cria da favela, sou do povão. Vergonha pra mim é roubar e não correr atrás.
Não poder carregar tudo sozinha... quanto ao resto, tô no lucro. Saio daquela sala respirando fundo, mente leve, sensação de dever cumprido. Com certeza me saí bem nessa prova.
Chego no meu apê e decido logo fazer as malas. Tô com uma sensação r**m no peito. Acho que vou pro Brasil hoje mesmo. Não vou esperar até amanhã. Daqui três ou quatro meses eu volto só pra buscar minha carteirinha. Por enquanto, dá pra usar a digital.
Mas eu preciso ir pro Rio. Tipo... preciso de verdade. Sinto como se algo lá me chamasse. Tem alguma coisa errada acontecendo, sei lá. E eu não vou ficar parada aqui, esperando pra ver. Pego o celular, abro o app da companhia e vejo que ainda tem passagem pra hoje. Compro na hora.
Esse aperto no peito misturado com os hormônios da gravidez tá me deixando doida. Tô com quase seis meses, e ficar grávida, sozinha, em outro país... não é brincadeira. Não sei nem qual vai ser a reação deles quando souberem que escondi isso por tanto tempo. Mas quero contar com o olho no olho, do meu jeito.
Tento comer alguma coisa, mesmo com o estômago revirado. Coloco pra dentro, forçando. Depois arrumo tudo: limpo o apê, tiro o lixo, lavo a louça. Vou viajar à noite e a viagem é longa — quase 13 horas. Sei que vou apagar assim que sentar no avião.
A tarde voa. Subo, tomo banho, visto uma calça pantalona de pano leve, uma batinha soltinha que disfarça a barriga, e uma sandalinha de amarrar. Passo desodorante, creme, escovo os dentes, prendo o cabelo num r**o de cavalo bem alto, faço só um contorno de leve na boca e guardo meus produtos de higiene.
Depois de fechar a mala, desço puxando as duas rodinhas. Na sala, chamo o Uber. Vejo que tá chegando e já saio puxando as malas. O motorista desce, coloca tudo no porta-malas, e eu só agradeço. Entro no carro, olho pela janela… admirando a cidade que me acolheu, me desafiou, e me ensinou.
Não é um adeus. É só um até logo.
Em pouco tempo, chego no aeroporto. Desço, pago a corrida, o motorista tira minhas malas e sigo direto pro balcão. Faço o check-in, despacho as malas, subo a rampa até o portão de embarque. Não demora muito, já tô dentro do avião. Sento na minha poltrona, respiro fundo, coloco o celular no modo avião, relaxo o corpo, boto o cinto e coloco o tampão no olho. Com o fone no ouvido e minha almofadinha na mão, não demora muito e eu já tô no mundo dos sonhos.
— Senhorita... eii, acorda — diz a aeromoça, me cutucando de leve.
Abro os olhos devagar, ainda meio grogue, e olho pela janela. O dia já clareou. E o melhor: já tô no meu Brasil.
Respiro fundo, boto a almofadinha dentro da bolsa de mão e desço. Como quero fazer surpresa, não avisei ninguém. Nem mesmo que eu já tava chegando. Vou pegar um Uber ou um táxi e vou direto pro meu amor.
Chamo o Uber e o carro já tava parado bem ali onde eu tava. O motorista me ajuda com as malas e eu entro.
— Bom dia! O Rio de Janeiro continua lindo — falo com aquele sorrisinho no rosto, olhando a paisagem.
— Bom dia! Eu sou até suspeito pra falar... sou apaixonado por essa cidade. Mas deixa eu te perguntar: cê tá indo pro morro, né? — ele pergunta, me encarando pelo retrovisor.
— Sim. Tô indo lá pro morro do Borel — respondo com a cabeça erguida.
— Tu sabe que nenhum Uber sobe lá, né? Mas não é só o Borel, é morro nenhum mesmo — ele fala e eu reviro os olhos.
— É sempre assim. Esses Uber morrem de medo da comunidade, acham que vai ter tiroteio a qualquer momento. Só ficam na barreira. Mas tá tranquilo. Chegando lá, peço pra um dos moleques me levar até em casa. Frescura da p***a esses motorista tem, aff... — murmuro, já cansada de 13 horas de viagem e com um cara desse se recusando a subir.
Chego na barreira, desço. Ele deixa minhas malas no chão, agradeço com um aceno e saio puxando.
— Laura? — ouço alguém me chamar.
Levanto a cabeça e vejo o Igor. Ele vem na minha direção, sem acreditar, e pega as malas da minha mão.
— Oi, Igor. Tudo bem? Como tá a Tina e o Victor? — pergunto rápido, já querendo passar direto, mas ele segura meu braço, preocupado.
— Porra... tu tá prenha? c*****o, o NH já sabe disso? Logo agora que — Igor fala sem acreditar.
Antes dele terminar, vejo o carro do Chefe entrando no morro. Ele bate o olho direto na minha barriga, com aquele olhar de interrogação. Certeza já tá me julgando. Tipo: “Quem é o pai dessa criança?”. Saí daqui há seis meses reta, sequinha… e volto assim? É a pergunta que eu não quero responder agora. Não antes de falar com o Noah.
— Não. O Noah não sabe. Na real, ninguém sabe. Só eu... e agora você Laura — falo e respiro fundo. — Você vai me ajudar ou não? Tô exausta. Só quero a minha casa. Depois eu respondo todas as perguntas que tu quiser, tá bom? — falo já com a voz cansada.
Ele balança a cabeça, resmungando.
— Vou pegar o carro pra te levar. Espera aí. Tá ali na boca. Não é pra subir puxando essas malas tudo não, Laurinha... espera que eu te deixo lá em cima
Ele sobe na moto de cara fechada. Menos de dois minutos depois, para o carro do meu lado. Ele desce, joga as malas no porta-malas. Mas quando vou abrir a porta pra entrar, o carro do Chefe passa bem devagarinho do nosso lado.
Meu coração trava. Porque eu vejo ele ali dentro. E ele me vê também. Os olhos do NH se grudam nos meus, e ele quase quebra o pescoço pra olhar pra trás. Só que o carro para lá na frente.
Eu fico congelada. Mão na maçaneta, ainda sem conseguir entrar no carro. O Igor nem entende nada, até que o NH abre a porta do carro dele e desce correndo na minha direção.
— Laura? Você aqui?! — Noah grita meu nome e vem. Meu coração já vai pra garganta. É um turbilhão que explode dentro de mim. Perna trava, garganta seca. Encosto a porta do carro devagar, de frente pra ele. Quando para na minha frente, abre um sorriso... o mais lindo do mundo. Me puxa num abraço. E eu? Eu fico sem reação.
Mesmo sem jeito, envolvo o pescoço dele com os braços. Quando nossos corpos se colam, ele me segura pela cintura, me empurra levemente pra trás… e passa a mão na minha barriga.
— Você tá grávida? Como assim, Laura? Que pørra é essa? Você era minha. Só minha. Como cê teve coragem de fazer isso comigo? —
— Noah fala já se afastando, bravo.
Eu seguro o braço dele, desesperada. Ele me olha com um olhar escuro, pesado. E o motorista do carro que ele saiu buzina.
— Eu posso te explicar... Vai lá, senão tu vai se atrasar. Depois a gente conversa, por favor. Eu te amo — falo e quando vou dar um selinho, ele vira o rosto e o beijo só pega de raspão no canto da boca. Fico parada, sem entender. Por que ele negou meu beijo?
— Preciso sair em missão. E sinceramente... acho que você não tem muita coisa pra me explicar, não. Tô indo agora. E nem sei quando volto. Mas... a gente se esbarra — Noah falou e o tom de voz dele faz meu coração errar o ritmo. As lágrimas descem sem pedir permissão. Ele abaixa a cabeça, entra no carro... e o carro sai do morro.
Fico ali parada, me desmontando por dentro. Desabo no banco do carro. O Igor entra, assustado com minha reação.
— Que isso, Laurinha? Não fica assim, não... O filho é dele, né? — Igor pergunta e eu só balanço a cabeça devagar, confirmando. Sim... é dele.
Continua.....