Pré-visualização gratuita O Começo do Fim
POV Lily
A chuva caía pesada naquela noite, lavando as ruas estreitas da pequena cidade onde cresci. O cheiro de terra molhada misturava-se ao ar frio, criando uma atmosfera sombria, quase premonitória. Eu apertava os livros contra o peito, protegendo-os da água enquanto caminhava apressada para casa. A escola noturna havia se tornado minha única opção depois que minha mãe adoeceu, e eu precisei assumir mais responsabilidades em casa. Meu pai, um homem amargo e ausente, raramente se preocupava com algo além de sua própria dor e do vício que o consumia pouco a pouco.
Ao me aproximar da pequena casa de tijolos simples, vi a luz fraca da sala piscando. Meu coração apertou. Algo estava errado. Meu pai não costumava ficar acordado tão tarde, a menos que estivesse bebendo mais do que o habitual.
Respirei fundo antes de entrar.
Assim que abri a porta, o cheiro forte de álcool me atingiu como um soco no estômago. Meu pai estava afundado no velho sofá, uma garrafa vazia pendendo de seus dedos. Sua expressão era sombria, os olhos perdidos em algo que só ele enxergava. Um arrepio percorreu minha espinha. Minha mãe estava encolhida no canto da sala, os olhos baixos, tentando desaparecer.
— Você demorou — a voz dele saiu arrastada, carregada de ressentimento.
Engoli em seco e fechei a porta atrás de mim.
— Eu estava na escola, pai. Como sempre.
Ele riu, um som amargo e cortante.
— Escola... Como se isso fosse mudar alguma coisa. Como se você pudesse fugir desse buraco.
Minha mãe soltou um suspiro baixo, e ele imediatamente virou a atenção para ela.
— E você? — Ele se levantou cambaleante. — O que tá olhando, hein? Achando que sua filha vai te salvar dessa vida miserável?
— Por favor, João, não comece — minha mãe murmurou, mas eu senti o medo em sua voz.
Ele cerrou os punhos, e o ar da sala ficou mais pesado. Eu sabia o que viria a seguir. Antes que pudesse reagir, a mão dele cortou o ar e acertou o rosto dela com força. O som da bofetada ecoou pela casa, e minha mãe cambaleou para trás. Meu coração disparou.
— Para! — gritei, me colocando entre os dois.
— Você também vai me desafiar agora? — Ele me encarou, os olhos cheios de raiva e álcool.
A garrafa vazia voou de suas mãos, quebrando na parede ao meu lado. Eu estremeci, mas não recuei.
— Ninguém sai dessa vida, Lily! — ele berrou. — Você é só uma menina tola que pensa que pode mudar seu destino! — assim ele bate a porta da sala.
Eu queria responder, queria gritar, mas sabia que qualquer palavra minha só pioraria as coisas. Peguei minha mãe pelo braço e a puxei para o quarto, enquanto ele continuava a murmurar insultos e promessas de que nunca escaparíamos dele.
Tranquei a porta atrás de nós, e minha mãe caiu no colchão, chorando baixinho. Meus olhos ardiam, mas eu não chorei. Não ali. Não na frente dela.
Aos 17 anos, aprendi que nem todas as batalhas podiam ser vencidas com coragem e esperança. Algumas apenas deixavam cicatrizes profundas.
Mas eu também aprendi que não me renderia. Não importava o quanto o mundo tentasse puxar a gente para baixo, eu lutaria. Porque, no fundo, eu acreditava que existia algo melhor para nós. E um dia, eu encontraria esse algo.
Eu só não sabia que esse dia chegaria de uma forma que jamais poderia imaginar.
Na manhã seguinte, acordei cedo para ir ao trabalho na lanchonete, onde trabalho meio período, mas com um nó na garganta. O silêncio da casa era inquietante, e minha mãe ainda dormia, os olhos inchados pelas lágrimas da noite anterior e alguns hematomas de mais surra que ele a havia presenteado. Eu me levantei devagar, tentando não fazer barulho, mas assim que cheguei à sala, meu coração gelou.
Meu pai estava sentado à mesa, bebendo café como se nada tivesse acontecido. Mas não era isso que me assustava. Era o homem com uma idade um pouco avançada, parado ao lado dele. Um estranho, alto e bem-vestido, de olhar frio e distante. Ele segurava um cigarro entre os dedos e me observava como se me analisasse.
— Lily — meu pai chamou, e havia algo diferente em sua voz. Algo que me fez estremecer.
— Quem é esse? — perguntei, mantendo distância.
O homem sorriu de lado, apagando o cigarro no cinzeiro.
— Ricardo. E estou aqui para buscá-la. Seu pai fez uma aposta... e perdeu. — falou de uma forma como se queria que eu soubesse do assunto.
Meu estômago revirou. Eu olhei para meu pai, esperando que ele desmentisse aquelas palavras, mas ele apenas desviou o olhar, envergonhado. Meu coração começou a bater descompassado.
— Isso é uma piada, certo? — minha voz saiu trêmula.
Ricardo balançou a cabeça lentamente.
— Não, Lily. Ele te entregou para pagar a dívida. Agora você vem comigo.
A realidade me atingiu como um soco. Meu próprio pai havia me vendido.
— Não faça drama Lily, ele trará você de volta, não se preocupe, você não vai morar lá. — Ele diz com uma voz como se estivesse despreocupado.
— Como assim? O que você vai fazer comigo? Digo com totalmente em pânico e com as lágrimas caindo em meu rosto.
— Não se preocupe princesa cuidarei muito bem de você — ele diz com um sorriso sinistro que me faz gelar os ossos.
— Pai, não precisa, vou sair da escola e conseguir mais um emprego, por favor papai, não deixe ele me levar - digo meu pai da forma mais desesperada possível.
— Lily o acordo está feito, amanhã você volta pra casa e tudo voltará a ser como antes. — fala como se não se preocupasse com nada.
Porque na verdade para ele eu era isso mesmo: um nada.
Minha mãe acorda com barulho e discussão na sala.
— João, o que está acontecendo aqui? — ela olha para o homem na sala.
— João, já estou cansado dessa conversa toda, já estou indo. — Homens vocês sabem o que fazer.
Os homens que estavam atrás dele vestidos de preto, avançam para cima de mim, e me puxam pelo braço, minha mãe sem entender tenta me ajudar, porém sem sucesso, ela leva outro tapa do meu pai.
Em lágrimas sou forçada a entrar dentro do carro deles, um carro todo preto com vidro fumê, eles colocam uma mordaça em minha boca para que eu não possa gritar, olho para o rosto de todos, o homem mais alto me coloca um capuz para que eu não veja o caminho.
Assim, sigo para meu destino inesperado.