Durante toda a viagem minha consciência insistia em ir e voltar, aquilo era as defesas do meu corpo lutando contra a toxina paralisante que corria em minhas veias, ou pelo menos era essa a minha dedução. Eu sentia frio, calor e depois frio novamente. Por um bom tempo tudo se tornou apenas escuridão absoluta, mas então algo diferente aconteceu. Eu fui arrebatada dessa sensação nebulosa por um balancear diferente do de antes.
Era mais intenso, lento, mas intenso. Foi então que eu percebi que alguém estava me carregando.
Eu queria abrir os olhos e gritar, mas cada vez que tentava fazer isso era puxada para o nada novamente. Pude escutar o som de uma porta se abrindo e segundos depois meu corpo foi colocado sobre uma superfície mais macia do que a anterior.
Era uma cama, eu não podia ver mas tinha certeza de que alguém havia me colocado em uma cama.
Um vapor quente entrou em contato com um de meus ouvidos, alguém estava sussurrando algo para mim, aquilo fez meu coração disparar.
— Eu sei que você está me ouvindo — era uma voz grave e autoritária. Meu Deus, é ele? Só pode ser ele, aquela sensação, aquela presença estranha... Definitivamente estou com medo, quero fugir, quero gritar, quero me distanciar o maximo possível desse ser — eu sinto o cheiro do seu medo — senti um leve beijo em meu queixo e mais uma vez fui tomada pela escuridão enquanto meus ouvidos eram martelados pelas batidas do meu coração.
***
— Kaila — alguém está me chamando, me puxando de volta para a realidade. A voz é feminina e doce. Abro lentamente os olhos e me deparo com uma mulher me encarando. Minha vontade é levantar daqui, mas ainda não tenho forças para isso.
— Quem é você?
— Meu nome é Bety. Sou uma das empregadas da mansão e recebi ordens para desperta-la.
— Ordens de quem?
— Lúcifer.
— Ah que droga — suspirei, tentando processar todos aqueles últimos acontecimentos. Era tão surreal e já que eu não podia fugir, o jeito seria me aprofundar mais e descobrir a verdade sobre o suposto d***o.
— Quer que eu traga o seu almoço? Ou irá descer para a sala de jantar?
— Almoço? Quantas horas são?
— Já passa do meio dia.
Bety está usando um uniforme tradicional de empregada, sempre achei aquelas roupas uma gracinha. Ela possui uma expressão cansada e aparenta ter uns trinta e sete anos. Seus cabelos negros estão amarrados para trás e ela me olha como se eu fosse sua dona.
— Onde ele está?
— Quem?
— Lúcifer.
— Na sala de jantar.
— Ele tem chifres? asas? rabinho vermelho?
Judy sorriu, mesmo eu falando em um tom serio.
— Você logo vai descobrir.
— Ele é mesmo satã?
— Não tenho permissão para falar sobre esse assunto.
— Tem alguma rota por onde eu possa fugir sem ser vista?
— É impossível fugir daqui. A mansão é cercada por um muro de pedra e os portões são vigiados por quatro seguranças.
— Então estou em uma mansão...
— Você ainda não me respondeu.
— O que?
— Sobre o almoço. Quer que eu traga ou irá descer?
— Traga para mim, por favor.
De maneira alguma irei descer e ficar cara a cara com o d***o. Vou evitar esse encontro com todas as minhas forças e se possível fugirei daqui.
— Você não vai conseguir evita-lo por muito tempo — Bety pareceu ler meus pensamentos.
— Por que acha que estou evitando alguma coisa? — tentei disfarçar.
— Está na cara. Vou buscar o seu almoço, está vendo aquela porta — ela apontou para uma porta cor de rosa que havia ali no quarto — é o seu banheiro, caso precise usar.
Eu possuía um banheiro que aparentemente era só meu, as vantagens estavam começando a aparecer. Bety deixou o quarto e eu aproveitei para analisar todo o local. É grande e luxuoso, a minha cama possui um bom tamanho e o dossel rosa a deixa muito elegante. Ao lado da cama há um criado mudo e sobre ele um pequeno caderno de anotações. Também há uma penteadeira, um guarda roupas e uma pequena estante com alguns livros bem enfileirados. Estou coberta por um edredom vermelho e nele vejo alguns desenhos de coroas. Me sinto até uma rainha ou algo parecido. Ao me levantar percebi que não usava as roupas do dia anterior, agora é um pijama marrom. Onde foi parar a droga da minha roupa e quem colocou isso em mim? As lembranças estão voltando aos poucos, me recordo de que alguém estava ali comigo de madrugada, alguém que teve a cara de p*u de beijar meu queixo. Só pode ter sido o maldito Lúcifer, quem ele pensa que é para fazer aquilo e o pior, trocar minhas roupas. Fui em direção ao banheiro e abri sua porta, tenho muitas coisas para falar para aquele pervertido mas antes preciso escovar os dentes.
Me surpreendo ao ver o tamanho do banheiro, é enorme e cheio de acessórios que eu não faço a menor ideia pra que servem. Ao fundo pude ver uma banheira linda e aquilo me atraiu mais que tudo. Mas não posso me deixar levar pela vontade de entrar nela e ligar a agua, ainda não.
Na parede perto a pia tem uma prateleira repleta de objetos e um deles é um porta escovas. Isso facilitou tudo.
Ao sair do banheiro voltei a explorar o quarto e só agora percebi a enorme janela próxima ao guarda roupas. Ela se encontra coberta por uma cortina vermelha, estou curiosa para saber qual cenário me espera ao abri-la.
Mas antes que eu pudesse puxar a cortina alguém me chamou, era a voz de Bety.
— Kaila.
— Oi — me virei para ela.
— Temos um problema.
— Qual?
— Lúcifer exige sua presença no almoço e disse que se você não for ele virá te buscar da pior maneira possível.