Celine nunca pode debutar. Sua mãe tinha vergonha de ter colocado no mundo uma criança defeituosa, o que lhe custou alguns olhares da sociedade. Restava para ela somente o trabalho, a serviço de pessoas que lhe tratavam com misérias; e tinha madame Sabatini, quem lhe tratava com punhos rígidos, mas ainda assim lhe prestava mais cuidados do que qualquer um.
— Devo deixar claro que se alguma coisa sair fora do planejado, cobrarei o prejuízo com varas. — ordenou sua senhoria para uma fila de empregados.
Madame Sabatini era a governanta de uma mulher do tipo carrasco. Uma vez que seu marido foi um combatente reconhecido pela coroa, seus bens aumentaram consideravelmente, encaixando-os assim na alta sociedade. Celine não entendia muito bem o prazer de tratar as pessoas de nível inferior tão m*l, mas nunca viu o caso ser diferente. Miseráveis seriam sempre miseráveis, a menos que o milagre da riqueza os pegasse. E ali, sua senhoria ditava regras para uma suposta visita de suma importância, visita esta que Celine jamais a vira tão ansiosa para receber.
— Clemence. — chamou a senhoria, olhando para Celine em meio a fila de serviçais.
A mulher vestia-se a finos linhos, sempre moldando o leque de vento nas mãos enrugadas, o que roubava a curiosidade da menina. Ela dava ordens a Clemence Sabatini, a governanta, entortando ainda mais as feições sérias do rosto de uma mulher que já não podia mais ter filhos. Vivida e r**m, era sua patroa, mas graças à velha que governava a casa, Celine tinha um lugar para chamar de emprego.
— Sim, minha senhora. — respondeu a governanta..
— Vista-a decentemente. — pediu parando em frente a muda e demonstrando sua negação — Familiares da coroa se compadecem com quem ajuda os menos afortunados, então quero que vejam que, apesar de seus defeitos, ainda lhe dou um trabalho.
— Sim, senhora. — concordou Sabatini.
Celine não frequentava a igreja, pois não tinha coragem, já que não podia rezar. Ela acreditava fielmente que por não ter voz, nem mesmo Deus lhe ouviria. Agora, estar naquela situação, exibida como um objeto de pena, lhe dava apertos que faziam o coração chorar. Ao menos agora teria um uniforme, um privilégio para poucos.
Retirando-se do salão principal sob as ordens de sua senhoria, Celine se encaminhou para os fundos da casa, desceu as escadarias de madeira seca e adentrou os porões de caldeira, ao lado da movimentada cozinha. Tinham três dias para preparar um farto e atraente banquete, manter a prataria brilhante e engajar a boa aparência do casarão. Com isso, a moçoila atiçou o fogo das caldeiras, pegou a grossa colher de p*u e subiu na banqueta de apoio, para mexer os lençóis que estavam a cozer o encardido da peça. Era uma tarefa árdua, mas precisava desocupar a caldeira para ajudar na cozinha, uma vez que o fervido não podia pousar mais uma noite na soda.
— Ponha força nestes braços! — ordenou Sabatini, ao passar ao lado da acalorada fornalha — E ande logo, a de ter muito trabalho pela frente. — E como sempre, Celine concordava, procurando dar sempre o melhor de si.