**Capítulo 3 - Serena Narrando**
Acordei bem cedo e, ao preparar minhas coisas para ir para a escola, percebi que havia deixado alguns itens importantes na minha antiga casa. Decidi ir até o estacionamento onde o carro estava guardado e seguir até a casa no asfalto. Quando estava saindo, encontro minha irmã, Carla.
— Onde você estava, Serena? — pergunta ela, com uma expressão preocupada. — Está sumida desde ontem. Não dormiu em casa?
— Ah, estou envolvida com uma nova escola — respondo, tentando manter a tranquilidade.
— Saiu do seu emprego antigo? — ela pergunta, surpreso. — Achei que era concursada lá. Não estou entendendo o que está acontecendo.
— Lá me lembra muito Antônio. Achei melhor respirar novos ares — explico.
— Onde é? — pergunta, curiosa.
— Aqui perto também, ainda não me acostumei com o novo nome. — digo. — Mas vai ser bom para mim.
— Entendi — ela diz. — Vamos fazer algo hoje à noite?
— Não vai dar, vou chegar mais tarde em casa. Mas fica tranquila, a gente faz algo no final de semana.
— Entendi — ela responde. — Parece que você está me evitando, não? — questiona, com um tom desconfiado. — Você ficou estranha comigo de uma hora para outra. Não entendo por que, sempre fomos amigas.
— Jamais faria isso — sorrio para ela. — Amo você, minha irmã. Fique bem, a gente se fala mais tarde.
— Bom trabalho, Serena — ela diz, antes de hesitar. — Ah, Serena.
— O que foi? — pergunto, voltando-me para ela.
— Preciso te pedir algo. — Ela parece um pouco nervosa.
— O que seria?
— Uma camisa azul que Antônio usava — ela diz. — Era do papai, lembra?
— Ah, sim. Mas por que você quer ela? — questiono, intrigada.
— Quero guardar de lembrança do nosso pai, antes que você se desfaça de todas as roupas.
— Mais tarde eu te dou — prometo.
— Deixa que eu pego — ela oferece. — Depois deixo a chave ali no vaso.
Olho para o vaso e concordo.
— Tudo bem — falo, entregando a chave para ela. — Até mais.
— Até.
Eu amava minha irmã com todas as forças, mas ela sempre dizia que era besteira eu acreditar nas mensagens que estava recebendo. Provavelmente, ela não me deixaria ir para o morro se soubesse. Carla era muito próxima de Antônio. Eram melhores cunhados, e a relação deles era boa. Ela não era casada, morava sozinha e tinha uma vida tranquila, além de ser uma das minhas melhores amigas. Contudo, eram poucas as pessoas em quem eu confiava. Agora, não tenho certeza de mais nada e prefiro guardar tudo para mim.
Às vezes, sinto que estou obcecada por tudo isso e que posso me dar m*l no final. Mas não consigo seguir em frente sem descobrir a verdade sobre tudo.
**Capítulo 3 - Yan Narrando**
Saio da boca e pego meu baseado. Me encosto na porta, observando o movimento do morro. Retiro o isqueiro do bolso e acendo o baseado, guardando o isqueiro novamente. Gosto de ver o morro em movimento: pessoas descendo e subindo, trabalhadores, crianças, idosos, e meus vapores. O movimento constante me dá uma sensação de controle e vigilância.
Vejo os vapores carregando materiais de construção para a obra da quadra. Aqui, os becos são estreitos, carros não conseguem subir, só motos, se muito. Há becos tão pequenos que m*l passa uma pessoa. Esses vapores, que querem grana fácil sem trabalhar, estão errados. Aqui, a grana é suada e o trabalho é duro. Não é só ficar com a arma atravessada na cintura e achar que está tudo certo. Meu morro é diferente dos outros. Há disciplina e é assim que mantemos o morro como um dos maiores.
Vejo a professora chegando novamente. Isso me deixa alerta. Ela saiu tão cedo. Para onde está indo? Por quê? Algo sobre essa mulher me inquieta. Não consigo identificar o motivo exato, mas algo me diz que ela não é confiável.
Pedro se aproxima, carregando alguns relatórios. Olho para ele, impaciente.
— Já vem você com esses relatórios — digo, irritado. — De novo, relatórios e mais relatórios. Parece o RH, cara!
— São sobre o morro, a contabilidade — ele responde, com um tom defensivo. — RH tu me ofende, é contabilidade, p***a!
— É muito papel para olhar — afirmo. — Confio em você, mas se me passar para trás, te mato. Você sabe disso.
— Você sabe que pode confiar em mim — ele afirma. — Se não, não estaria em um cargo importante.
— Eu espero — digo, com um sorriso. Ele começa a rir.
— E a professora? — pergunta Pedro.
— Amiga da sua mulher — respondo. — Quem tem que lidar com isso é você.
— Não vem com essa, Yan — ele me encara. — Você sabe do que estou falando.
Abro um sorriso, mantendo o baseado na boca. Retiro-o e o seguro com a mão.
— Relaxa — falo para ele. — Quem escuta demais, sabe demais, acaba ouvindo e não escutando. — Entrego o baseado para ele. — Guarda esses relatórios lá dentro. Vou dar uma volta pelo morro.
Pedro me encara e eu saio andando, pensando em muitas coisas.