Oliver caminhou até a sala de descanso vazia, fechou a porta e acendeu apenas a luz fraca da bancada. Precisava falar com alguém de absoluta confiança.
Alguém que não usasse uniforme branco.
Alguém que não fizesse perguntas.
Pegou o celular, digitou um número que não chamava havia muito tempo.
Uma única vez.
A ligação foi atendida antes do primeiro toque completo.
— FrankWood. — a voz grave, rouca, sem nenhuma gentileza. — Faz anos que você não me liga. O que aconteceu?
Oliver respirou devagar, tentando manter a calma.
— Preciso que você investigue uma família.Especialmente um homem chamado Henry Flynn
Do outro lado, houve silêncio.
Pesado.
Apenas o som distante de vento, como se o homem estivesse ao ar livre.
— Quem é Henry? — O tom era direto, frio, profissional.
— Noivo — Oliver quase cuspiu a palavra — de uma paciente minha.
Corvo soltou um som breve, quase um riso abafado.
— Desde quando você me chama para drama de hospital, Oliver?
— Não é drama. — Ele passou a mão pelos cabelos, cansado. — Clarice… está em risco. Eu sinto. A família dela é estranha. O noivo é pior. Ela não parece segura com ele.
Corvo ficou em silêncio novamente.
Um silêncio de alguém que estava processando informações, calculando riscos, analisando perfis inteiros em segundos do jeito que sempre fez.
— O que exatamente você quer que eu faça?
Oliver fechou os olhos, a voz ficando mais sombria do que pretendia:
— Quero detalhes. Tudo.Negócios, histórico policial, movimentações recentes, amizades, dívidas, segredos. Quero saber quem é essa família… e o que Henry ganha se Clarice morrer.
Do outro lado, Corvo inspirou profundamente.
— Parece sério.
— É.
— Está envolvido emocionalmente? — Corvo perguntou, sem rodeios.
Oliver não respondeu.
Mas o silêncio dele foi resposta suficiente.
Corvo soltou outro suspiro, mais pesado, antes de falar:
— Eu te devo uma, FrankWood. E você nunca me ligaria se não fosse grave.Vou investigar. Discretamente.Me dê 24 horas.
O alívio que passou pelo corpo de Oliver não foi bonito.
Foi denso, intenso, quase possessivo.
— Aguardo.— murmurou.
— Ah, e Oliver… — acrescentou Corvo, antes de desligar. —
Se esse Henry realmente for um problema… você quer que eu resolva?
O ar no hospital pareceu ficar mais frio.
Por um instante, o coração de Oliver bateu mais forte não de susto, mas de algo muito mais perigoso.
Ele respondeu baixo, firme:
— Ainda não.Primeiro quero saber quem estou enfrentando.
Corvo desligou sem resposta.
Com a respiração pesada e o coração acelerado, Oliver guardou o celular no bolso do jaleco.
Seus olhos, antes cansados, agora tinham um brilho diferente.
Feroz.
Decidido.
Clarice não sabia, mas naquele instante, sem testemunhas, sem promessas ditas em voz alta…
Oliver FrankWood acabou de declarar guerra por ela.
Corvo trabalhava no tipo de escuridão que a maioria das pessoas fingia não perceber.
Enquanto o hospital dormia, enquanto Oliver tentava recuperar o fôlego entre plantões, o homem conhecido como Corvo deslizava pela madrugada como uma sombra experiente.
Ele não era policial.
Não era detetive.
Era aquilo que se contratava quando se queria respostas que o mundo não deveria encontrar e soluções que ninguém jamais daria.
Corvo começou pelo caminho mais fácil e óbvio: dinheiro.
E dinheiro, ele sabia, sempre falava.
Em pouco tempo encontrou aquilo que Oliver talvez temesse, mas que já intuía:
o pai de Clarice devia e muito a Henry.
Não eram dívidas pequenas.
Eram números grandes o suficiente para destruir uma família inteira, números que não surgem de empréstimos amigáveis.
Havia contratos obscuros, cheios de cláusulas e brechas legais.
Henry aparecia como “parceiro comercial”, mas Corvo conhecia pacto de poder quando via um.
Ele anotou tudo, fotos, prints, documentação, e seguiu.
Depois mergulhou nas redes sociais.
E a primeira coisa que notou foi estranha:
Clarice não tinha rede social alguma. Nenhuma. Como se tivesse apagado toda a própria existência digital.
Isso já era peculiar pela idade de Clarice, mas não tanto quanto o que vinha a seguir.
O perfil de Henry…
esse sim era um festival grotesco.
Corvo rolou o feed e seu rosto permaneceu impassível, mas seus olhos frios, calculistas captaram o padrão imediatamente:
todas as fotos eram de Clarice.
Todas.
Clarice na faculdade.
Clarice estudando.
Clarice dormindo no sofá foto nitidamente tirada sem permissão.
Clarice com a família.
Clarice de longe, caminhando, como se fosse observada sem que soubesse.
Clarice sorrindo constrangida, como se alguém tivesse pedido.
Clarice séria, Clarice sem maquiagem, Clarice chorando, Clarice absolutamente invadida em todos os sentidos.
Quase não havia fotos dele, e quanto tinha era com Clarice.
Henry não postava sobre hobbies, amigos, viagens.
Só sobre ela.
E cada legenda tinha o mesmo tom:
“Minha futura esposa.”
“Sempre minha”
“Ninguém além de você, amor"
Corvo pressionou os lábios em uma linha dura.
A coisa estava ficando bem pior do que imaginava.
Depois foi atrás do histórico dela na universidade.
Não demorou muito para encontrar o evento que chamou atenção:
Clarice havia trancado a faculdade de enfermagem há cerca de seis meses.
O motivo oficial era “problemas pessoais”.
Mas Corvo sabia que motivos oficiais só serviam para esconder verdades inconvenientes.
E a verdade veio rápido:
Dois alunos que estavam no campus naquela época postaram comentários antigos, esquecidos, mas rastreáveis sobre uma briga violenta envolvendo Henry.
Testemunhas diziam que Henry apareceu na faculdade, furioso, acusando colegas de estarem “rondando Clarice”.
A briga foi feia.
Um rapaz saiu com o braço deslocado depois de Henry empurrá-lo contra uma mureta.
Outros foram ameaçados.
Quando Clarice tentou interferir, Henry a puxou pelo braço com tanta força que ela caiu no chão.
A faculdade abriu sindicância.
A família abafou o caso.
Clarice trancou o curso no dia seguinte.
Corvo leu tudo em silêncio.
E então murmurou, para si mesmo, o que Oliver certamente não estava preparado para ouvir:
— Esse homem acha que já possui ela.E homens assim não largam fácil.
Ele reuniu os documentos, prints, links, fotos, conversas escondidas.
Colocou tudo em um arquivo criptografado.
E antes de ligar para Oliver, respirou fundo, sabendo que estava prestes a entregar uma bomba nas mãos do médico.
A verdade era simples:
Henry não era apenas alguém perigoso.
Ele era o tipo de homem pelo qual alguém pode e costuma morrer.