04

1829 Palavras
A noite estava muito quente, obrigando Cassie a colocar um dos vestidos curtos que Livian havia comprado, não tinha nada além daquilo para vestir e seus olhos explodiam só de ver. Se olhar no espelho e ver como seu corpo ficava a mostra e ter a certeza de que não era bonita como as outras garotas, a frustrava e deixava ela com mais vergonha ainda. Ela nunca usaria essas roupas, se pudesse compraria agora mesmo moletons e calça jeans, mas tinha no banco apenas o suficiente para terminar de pagar a faculdade e não poderia gastar um tostão, ainda mais agora que não tinha emprego. A música suave que adrentava o quarto era relaxante e preocupante ao mesmo tempo. Tudo parecia calmo demais, porém ela estaria rodeada de demônios e isso a fazia querer sair correndo pela porta e nunca mais voltar. Sky disse que esse jantar com demônios poderosos era necessário para que soubessem que ela estaria em um acordo com ele e que não tentassem nada. Cassie tinha uma teoria de que era porque ela seria sua primeira contratante, ele não sabia que ela sabia. — O que eu faço? — Questionou a Plutão, se sentando ao seu lado na cama. — Eu devo fugir para outro continente? Batidas na porta a interromperam e ela sentiu seu coração parar ao ouvir a voz de Sky: — Cassiopeia, estamos te esperando. — Eu já estou indo — respondeu com um longo suspiro. Quando ouviu ele deixando a porta foi até o espelho novamente, encarando o reflexo da pessoa que ela não era, então forçou um sorriso e abriu a porta, finalmente tomando coragem para ir até a sala de jantar. Todos já estavam reunidos envolta da mesa e Cassie engoliu em seco ao ver todos lhe encarando como se ela fosse um pedaço de carne. — É essa a humana? — Um homem questionou a Sky com as sobrancelhas erguidas e ele assentiu. — Prazer, meu nome é Barzan. — Cassiopeia — respondeu, sentando no lugar vago entre Sky e Livian. — Mas eu prefiro Cassie. — Cassiopeia — outra mulher repetiu com um curto sorriso nos lábios. — É uma constelação, não é? O olhar dela era hipnotizador. O batom vermelho em seus lábios e o lápis preto embaixo dos olhos lhe davam um ar de superioridade. Ela lembrava alguma vilã que todos amavam e que muitos se identificavam. — É. — Sorriu. — Cassiopeia Uttara. Meu sobrenome significa "filha real" ou "uma estrela", minha mãe costumava dizer que eu era feita de poeira estrelar. — Costumava? — Ela morreu quando eu era criança. — E o seu pai? — Nunca o conheci. — Agora eu entendi porquê ela dizia que você foi feita de poeira estrelar — ela comentou, abrindo um sorriso. — Quando eu era humana, minha mãe dizia que eu o anjo da guarda dela viu que ela estava muito só e me mandou para ela. Eu acreditei nisso por muito tempo até descobrir que, na verdade, meu "pai" tinha ido comprar cigarros e nunca mais voltou. Era bem aí que Cassie sabia que ela era daquelas vilãs com um passado triste e que todos os atos ruins eram justificados. — É uma coisa típica dos homens. — Ei! — Livian chamou como se estivesse ofendido. — Não faça drama, não combina com você, Livian — ela disse. — Meu nome é Kiara. — Nós soubemos dos últimos acontecimentos, eu sou Zarek — outro homem falou, sentando na ponta da mesa. — Você está segura aqui, ajudou um dos nossos e por isso vamos lhe proteger. Ele deveria ser o líder deles, o terno perfeitamente liso e o lenço branco indicavam isso. — Eu agradeço, ainda estou tentando entender o que houve. — É complicado — ele concordou. — Nós estamos investigando porque você conseguiu ver a luta sendo uma humana. Mas, Cassie, já lhe explicaram como o contrato é feito? Ela não tinha a mínima ideia e temia por isso. — Não. — Eu vou ser o cerimonialista do acordo e tudo acontecerá em uma sala feita especialmente para isso — ele explicou. — É possível que você desmaie durante o processo, é muito forte para humanos, porém não precisa se preocupar. — Eu tenho uma dúvida — ela falou, mordendo o lábio inferior —, o que eu terei que dar em troca? Todos olharam para Sky, esperando que ele respondesse, então ela se virou para ele e esperou. — Cassiopeia... — ele começou, abrindo e fechando a boca várias vezes. — O que eu pedirei em troca é a sua alma. O silêncio pairou entre eles e ninguém ousou mexer um músculo. Cassie passou a mão pelos cabelos, tentando fingir que suas mãos não estavam tremendo, então respirou fundo e tomou um gole da água na taça a sua frente. — Minha alma? — Questionou, agradecendo por sua voz não ter falhado. — Não existe outra coisa? Sky negou com a cabeça. — São as regras — Barzan respondeu. — Você pede, ele dá e recebe em troca. Quem faz acordo comigo, por exemplo, tem direito a viver as duas primeiras décadas da melhor forma, depois... Ele as matava, concluiu mentalmente. Cada um era terrível de sua forma, mas ela deveria saber disso, afinal são demônios. — E se eu não quiser mais fazer um acordo? — Ela olhou para eles. — Querida, você não pode desfazer um acordo assim. — Kiara sorriu. — O acordo já foi iniciado quando o sangue de vocês se misturaram — Livian revelou. A expressão deles não havia mudado nem por um segundo. Eles não se importavam. — Vamos parar de assustar a garota e comer — pediu Kiara, mudando de assunto para tentar quebrar a tensão do lugar. Mesmo sem fome, ela se forçou a comer, ainda com as mãos trêmulas e o estômago embrulhado. Percebendo seu nervosismo, Livian segurou a mão dela embaixo da mesa e fingiu que nada acontecia, voltando a comer sua comida com tranquilidade. Ela se surpreendeu com aquilo, mas agradeceu com um olhar e tentou normalizar a respiração. O calor das mãos dele aqueceram o gelo das mãos dela. Eles estavam conversando, rindo e bebendo como se Cassie não estivesse ali e fingiram não notar seu desconforto após saber o preço que pagaria por ajudar Sky. — Amanhã, após a cerimônia do contrato, o Barzan dará uma festa em sua casa — Kiara comentou, olhando para ela. — Você vai? — Eu acho melhor não — Sky disse, balançando a cabeça negativamente. — Deveria ir. Somos a nobreza aqui e ninguém ousa tocar na realeza. — Ela vai — Livian respondeu. — É sempre bom fazer novos amigos. — Eu vou — ela confirmou. — Eu ainda não sei diferenciar humanos de demônios, se eu os visse na rua com certeza diria que são pessoas normais. Há mais humanos aqui? — Na verdade, você é a única — Zarek contou. — O seu caso é raro já que um arcanjo prometeu sua morte. — E vocês não tem medo? Quer, eles são mais fortes, não são? Eles podem matar vocês facilmente. Todos riram daquela pergunta como se Cassie tivesse contado uma piada. — Eles podem tentar. — Por que vocês estão em guerra? — Os humanos querem riqueza, fama, coisas que orações não trazem e dessa forma buscam cada vez mais um contrato. Isso tem irritado os anjos e... — O quê? — Uma história não muito boa. — Gosto de ouvir histórias. — Uma das nossas, se apaixonou por um anjo e do amor dos dois nasceu um filho — explicou, franzindo o cenho ao se lembrar. — Amar foi o pior dos atos — Sky falou com voz vaga. — É por isso a guerra? Vocês não podem simplesmente viver em paz cada um no seu canto? — Não é tão fácil. Eles nos culpam pela perdição e pela morte do anjo. — Por que vocês assumem essa culpa? — Porque não vamos nos render aos anjos como covardes. Vamos lutar e acabar com qualquer um que esteja em nosso caminho. O olhar de Zarek era repleto de ódio e raiva. O tom de sua voz era amedrontador e ela soube que aquele assunto lhe arrancava o pior quando as luzes piscaram e as taças sob a mesa tremeram. — É engraçado, eu sempre achei que os anjos eram nosso protetores — ela comentou, balançando a cabeça negativamente. — Qual a sua religião? — Barzan questionou. — Eu não tenho religião — respondeu, pensando a respeito. — Eu fui a igreja algumas vezes, mas quando eu me dei conta de há certas coisas erradas na Bíblia e que muitas pessoas se escondem atrás de religião para serem preconceituosas, parei de ir. Eu rezo todas as noites é claro, mas para ficar perto de Deus eu não preciso ir a igreja ou ter uma religião, entende? Ele assentiu com a cabeça, erguendo as sobrancelhas. — Eu posso falar que acredito em Deus aqui? — Perguntou, tentando não soltar uma risada com o nervosismo. — É claro — Zarek respondeu. — Não somos bárbaros. Lúcifer também acreditava em Deus. — Você é interessante — Kiara falou. — Nunca conheci humanos como você. — Eu vivi a vida inteira convivendo com traumas e aprendi a lidar com eles. — Bem que o Sky disse que você é especial. — Sério? — Olhou para Sky com surpresa. — O Sky não sai muito — Livian respondeu. — Quando ele conhece alguém novo, já acha que é especial. — É isso — Sky confirmou. — Eu agradeço pelo jantar e pela conversa — ela falou, se levantando com um meio sorriso —, mas eu preciso ir dormir. Tenho aula amanhã e ainda tem a cerimônia e a festa. — Foi um prazer conhecê-la. — Kiara sorriu. — Esperamos você na festa amanhã — Barzan disse. — Apenas a realeza, não se esqueça. — Eu te acompanho. — Sky se levantou também. — Não precisa. — Tudo bem. Cassie não negou mais e deixou que ele a acompanhasse no curto caminho até meu quarto. — Eu só quero que saiba que para o contrato dar certo e ambas as partes saírem em vantagem, precisa confiar em mim — ele disse, parando em frente à porta. Ele não havia contado que era um anjo e que nunca havia feito um contrato na vida, e ainda assim esperava que Cassie confiasse nele. — Eu confio — ela mentiu. — Vai dar certo. — Boa noite. Cassie trancou a porta assim que entrou. Não confiava neles e nunca iria confiar. Ela só queria que isso acabasse logo e sua vida voltasse ao normal. Ela só precisava ser uma garota normal novamente. Ela deitou na cama com o corpo dolorido, exausta pelo longo dia de hoje e suas revelações. Repetiu milhares de vezes que tudo ficaria bem e que em breve eu poderia dormir sem medo.
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