Como Nascem os Anjos

05

Cassie não conseguia manter a concentração por mais de dois minutos. Sua cabeça estava doendo de tanto pensar na noite passada e seu estômago embrulhado, como se fosse despejar para fora tudo o que havia comigo pela manhã.

Eram as provas finais e ela precisava urgentemente ligar seu cérebro e se prestar atenção, mas só conseguia pensar em Sky e no que ele pediria em troca.

— Ei! — Livian jogou uma bolinha de papel nela. — Essa aula está muito chata, vamos conversar.

— O quê? — Cassie balançou a cabeça e olhou para ele.

— Você está no mundo da lua?

— Só estou pensando no Sky.

— É nesse momento que você desejaria que eu fosse o demônio contratante, não é?

— Talvez. — Ela deu de ombros.

Cassie não tinha ninguém, nada que amasse com todas as forças, então o preço não seria um problema.

— Cassie — Raf chamou, aproximando o rosto para falar com ela —, quer ir à minha casa hoje? Minha mãe chamou alguns convidados para um almoço especial.

— Ela não pode — Livian respondeu.

— E quem é você? — Raf olhou para o outro como se só tivesse notado ele agora.

— Sou um amigo.

— Hoje eu não posso — Cassie respondeu.

— Vai fazer o quê?

— O Livian vai dar um jantar com uma tia doente dele — ela mentiu, forçando um sorriso. — Eu preciso ir antes de que ela parta dessa para melhor, está muito velinha, coitada.

— Eu entendo — Raf concordou. — Podemos marcar de sair amanhã, então.

— Amanhã...? — Ela pensou por alguns segundos, analisando se não teria nenhuma questão demoníaca para resolver.

— Você nunca sai comigo — ele comentou. — Saiu de fininho aquela vez do pub e não me responde por três dias. E amanhã é sábado, não tem nada melhor para fazer.

— Amanhã, tudo bem — ela confirmou, sabendo que devia mesmo uma a ele.

— Você está ficando louca? — Livian puxou o braço dela e questionou com voz baixa. — O Sky já aceitou que você termine a universidade, e eu estou bancando a babá a pedido dele. Se você ficar saindo assim, não poderemos te proteger.

— Algum problema? — Raf perguntou.

— Ah, não... — Ela soltou um suspiro, se voltando para ele. — Vamos ter que marcar para outro dia. Eu estou cheia de coisas para fazer essa semana, está sendo uma loucura.

— Você está muito estranha, Cassie — ele disse, encarando ela. — Você nunca teve amigos e agora aparece com esse cara estranho.

— Ele não é meu amigo, é só um conhecido.

— Eu não consigo acreditar que está escondendo coisas de mim, eu sempre te conto tudo e...

Cassie colocou uma das mãos sobre a testa e a outra na barriga, fechando os olhos em seguida. Sua cabeça doía, seu estômago estava embrulhado e escutar as reclamações de Raf piorava tudo.

— Professora — ela chamou, ignorando o outro —, eu preciso ir ao banheiro.

Assim que a mulher concordou, ela pegou suas coisas e correu para o banheiro, com a mão sobre a boca para evitar que vomitasse.

Assim que entrou, trancou a porta e correu para o vaso, caindo de joelho assim que o vômito que segurava saiu. Ela estava ficando doente com tudo aquilo, sabia disso e nada no mundo a faria curar.

Ela já havia se olhado tantas vezes no espelho nos últimos dias e não sabia quem era aquela que encarava todas as vezes. Se sua mãe estivesse ali, saberia exatamente o que fazer para acabar com esse desastre todo.

Batidas na porta fizeram seu coração pular de susto, então ela tirou os olhos do espelho e foi até a porta.

— Está ocupado! — Gritou, limpando as lágrimas do canto dos olhos.

— Eu quero falar com você — a voz de Livian atravessou a porta e ela paralisou ao escutá-la. — É importante.

Cassie abriu a porta com a cabaça baixa e se sentou no chão em silêncio assim que ele entrou.

— Não quero conversar, Livian — falou, balançando a cabeça negativamente. — Você nem deveria estar aqui.

— Eu sei o que é isso. — Ele se sentou ao meu lado. — A famosa negação, não é? Olha, eu sei que tudo isso é novo e que esse mundo é louco, estranho e péssimo, mas também é incrível e bonito.

— Eu estou com medo — ela emitiu com voz embargada, olhando para ele. — Vocês são demônios, eu passei a vida inteira temendo isso e agora eu tenho um acordo com um de vocês. Eu só gostaria de poder desfazer tudo isso.

Livian ficou em silêncio, apenas a observando com cuidado.

— Eu estava pensando, seria muito mais fácil fazer contrato com você.

— Por quê?

— Porque você disse que pediria o que a pessoa mais ama na vida. — Ela fitou o chão, pensando a respeito. — Eu não amo nada.

— Você deve amar algo.

— Não. — Deu de ombros. — Não consigo pensar em nada que faça minha vida brilhar. Você acredita em destino?

— Não.

— Bom, eu sim e eu acho que tudo isso aconteceu porque eu não tenho nada. A vida não colocaria uma pessoa boa e com um futuro incrível para ajudar o Sky aquela noite.

— Você mesma disse que era uma pessoa boa.

— Eu menti. Não sei, às vezes eu acho que sou boa, mas tem vezes...

— Todas as pessoas são más pelo menos uma vez na vida. Ninguém é perfeito. E quanto àquela noite... foi muita falta de sorte mesmo.

Livian conseguiu arrancar um sorriso dela com o modo como ele falou, fazendo uma careta no final. Ele era o único que sincero com ela, na verdade.

— Ontem você segurou a minha mão.

— O que tem?

— É você é tão grosso e mau humorado. Eu esperaria isso do Sky, mas de você não.

— Você acha que só porque eu sou um demônio eu não posso ter sentimentos? — Ele colocou a mão no peito, ofendido. — Eu vi que estava apavorada e perto de homens poderosos, você precisa se manter como se nada a afetasse, então eles não vão te intimidar. Acha que eu não tenho medo deles de vez em quando também?

— Você vai estar na cerimônia?

— Apenas o contratante, o demônio e o cerimonialista podem participar. Mas não se preocupe, eu já fiz isso milhares de vezes e nunca deu errado.

Ela concordou com a cabeça, sorrindo sem mostrar os dentes. Talvez fosse verdade e nada daria errado, mas era novidade para Sky também.

No fim das contas, o Livian parecia ser um cara legal. Talvez ela tivesse se enganado e, na verdade, o emocional era ele e não o Sky.

O sinal indicando o fim das aulas tocou e Cassie percebeu que havia perdido a última aula e nunca perdia uma aula. Aquilo realmente estava afetando sua cabeça.

— Vamos? — Livian se levantou, estendendo a mão em sua direção.

Cassie segurou a mão dele com um meio sorriso e se levantou, abrindo a porta que estava trancada.

Os dois seguiram pelo corredor movimentado de pessoas e finalmente saíram da universidade movimentada pelo fim das aulas.

— E agora? — Ela questionou.

— Vamos para Hellion — ele respondeu, indo com ela para os fundos da universidade. — Eu e Kiara vamos te ajudar a se arrumar para a cerimônia e o baile.

Quando não havia mais ninguém por perto, ela tirou o livro da bolsa e disse as frases que já estava decorando, então em um piscar de olhos eles estavam envoltos por um brilho e haviam chegados em casa.

— Que bom que voltaram — Sky disse, colocando as mãos na cintura com um suspiro cansado. — Você tem uma hora para se arrumar, Cassie.

Ele nem esperou ela responder, saiu em passos largos pela porta entreaberta.

— Nossa, o que foi isso? — Ela perguntou.

— Foi aqui que pediram uma v***a por delivery? — Kiara entrou cantarolando pela porta em um vestido de festa.

— Acertou — Livian respondeu rindo.

— Vamos, não temos muito tempo. — Ela empurrou Cassie em direção ao seu quarto. — Eu faço a maquiagem enquanto você procura um vestido, Livian.

Cassie sentou na cadeira em frente a penteadeira e deixou que Kiara passasse as mãos pelos seus cabelos, analisando o que faria neles.

— Isso é mesmo necessário? — Ela questionou.

— É claro que é. É o seu primeiro contrato, precisa estar radiante — a outra respondeu, espalhando maquiagem sobre a mesa. — Talvez faça o demônio se apaixonar pela bela.

— Eu duvido. — Cassie soltou uma risada.

— Já aconteceu antes — Kiara contou. — Está escrito no livro que quando acontece, a ligação se torna mais forte e ambos os lados ficam poderosos.

— É sério? — Cassie olhou para ela.

— Sim, e é por isso que a cerimônia é feita assim. Depois que descobriram as vantagens do amor de humanos e demônios, as contratantes passaram a ser apresentadas tão belas quanto já eram. Durante a oficialização do contrato, vocês vão estar conectados por completo.

— Porém isso é muito raro — Livian concluiu, exibindo um vestido preto cravejado de pedras brilhantes. — Gostaram desse?

— Esse é ótimo! — Kyria respondeu.

— Não sei se é o meu estilo — Cassie disse. — Tem muito brilho, é muito justo.

— E você quer ir de jeans e moletom para a cerimônia? Não mesmo. Você precisa mostrar o que é bonito.

Cassie decidiu que não adiantaria discutir com Kiara, então ficou em silêncio e fechou os olhos para que ela pudesse fazer a maquiagem.

Enquanto o pincel deslizava em seu rosto, ela pensou se seria mesmo possível que Sky se apaixonasse por ela, então concluiu que isso seria impossível. Em outros tempos, ele poderia ter sido um anjo, mas agora era um demônio como todos os outros.

— Pode olhar — Kiara disse, se afastando.

Cassie abriu os olhos e olhou para o espelho. Ela demorou alguns segundos para se reconhecer, estava bonita como nunca esteve. O batom vermelho marcava sua boca e a sombra preta destacava seus olhos.

— Nossa. — Livian parou assim que entrou no quarto. — Você está bonita, Cassie.

— Não me agradeçam. — Kiara sorriu. — Eu tenho mãos de fadas.

Quando Cassie tirou seus olhos do espelho e olhou para Livian, o viu em um terno preto e o cabelo arrumado.

— Obrigado — ela respondeu, se levantando. — Você também está.

— Coloque o vestido — Kiara falou, empurrando Livian para fora do quarto. — Sairemos em dez minutos.

Quando ela fechou a porta, Cassie levou alguns segundos refletindo sobre aquilo, sem o sorriso que estava em seu rosto em momentos atrás, então balançou a cabeça e colocou o vestido.

Ao se olhar no espelho, viu que estava parecida com Kiara e com as mulheres daquele lugar. Era assim que elas eram: bonitas e corajosas. Cassie queria ser como elas e por aquela noite era.

— Estou pronta — ela anunciou, indo até a sala segurando seu vestido para não tropeçar sobre os saltos.

— Ficou linda. — Kiara abriu um sorriso. — Eu vou esperar na festa.

Ela saiu, deixando Livian e Cassie em um silêncio constrangedor, então limpou a garganta e olhou para ela.

— Vamos?

Ela concordou, segurando o braço dele e seguiram em diração à casa de Zarek, onde seria realizado a cerimônia.