Capítulo 10 - Olhares e Vergonha

1507 Palavras
Narrado por Lorena O ônibus nem tinha parado direito e o Raví já pulou pra fora, ajeitando a camisa meio aberta e rindo com o produtor que o acompanhava. Ele virou o rosto só pra me lançar aquele olhar cúmplice e travesso antes de sumir por uma entrada lateral do palco. A porta bateu, e eu fiquei ali, do lado de fora, com o coração na garganta. Segui com um funcionário até o backstage, onde me deixaram num cantinho improvisado, perto das caixas de som e de uma cortina preta que escondia a parte técnica. As luzes já piscavam no ritmo do beat de a******a e a energia que vinha da plateia era de arrepiar, típica festa de rua onde a cidade inteira ia para curtir. Eu estava me sentindo completamente fora d’água, não entendia nada de como funcionava os bastidores de um show para tentar me misturar e segurar meu “disfarce” na frente das outras pessoas que ali estavam, e também não tinha ninguém que eu pudesse falar ali além dele. Logo Raví ia entrar e quando entrou... foi como se o mundo parasse por um segundo, a aura dele de cantor era surreal. Raví Rocha surgiu no palco com a presença de um furacão. Camisa preta de botões com manga longa e um desenho no peitoral que brilhava, calça jeans escura apertada mas nem tanto, bota no pé de vaqueiro e aquele sorriso gigante que deixava qualquer um bambo. O cabelo estava alinhado mas também estava bagunçado do jeito certo, eu não sabia explicar, só sei que ele estava lindo, o palco era o lugar dele. O microfone na mão e a confiança no corpo inteiro. Ele começou cantando um dos sucessos novos, e a multidão foi ao delírio. Eu me perdi nele, em cada detalhe. Nos passos esquisitos que só ele sabia fazer, aquele forró dançado de um jeito meio solto, meio torto, mas com tanto charme que virava sua assinatura. Ele brincava com o público, puxava refrões junto com a galera, fazia graça com os fãs da primeira fileira. O carisma dele era uma coisa de outro mundo. Enquanto isso, eu… Eu me sentia cada vez mais deslocada naquele ambiente. Não pelos gritos das fãs. Nem pelo som ensurdecedor, mas pelos olhares que eu estava recebendo. Alguns membros da equipe passavam por mim com expressões difíceis de descrever, não eram simples julgamentos. Era como se eu estivesse fazendo algo errado e todos soubessem, e de fato eu estava. Entendi que todos da equipe dele sabiam quem eu era, a amante dele, por mais que essa definição me doesse não tinha o que fazer, era isso. Sabiam que eu era a outra. Um cara da equipe técnica cochichou com outro e os dois olharam diretamente pra mim com um meio sorriso cínico. A moça da maquiagem fez questão de me fitar de cima a baixo como se quisesse dizer algo que não podia. E de fato não podia mesmo, eles estavam presos por contrato, tinham que ter sigilo. Engoli em seco e tentei focar apenas no show mesmo não sendo uma tarefa fácil. No final do show, Raví agradeceu o público, se ajoelhou no palco, mandou beijo pra plateia e tirou várias fotos com fãs que invadiram o camarim. Ele sorriu pra todos, fez graça com uma menina que tremia só de chegar perto, fiquei com um pouco de ciúmes pois lembrei de mim, minha reação quando o vi pela primeira vez era idêntica, ele também elogiou um bebê que uma moça levou nos braços. Era o Raví Rocha carismático, envolvente, artista completo. Mas quando ele me levou com ele para o quarto dele no camarim, voltou a ser só... o meu Raví. — E aí, mocinha? Curtiu o show ? — perguntou com aquele sotaque gostoso, a voz ainda rouca da força do show. — Curti demais... Tu é muito f**a Raví, o melhor de todos. — respondi, sem conseguir esconder o brilho nos olhos e o sorriso fácil. — Tu que é f**a preta. Ficasse me olhando com uma carinha... quase me desconcentrou, viu? — ele riu e me puxou pela cintura. — Tô com vergonha — sussurrei sem nem me segurar, às vezes eu falava umas besteiras que dava vontade de enfiar minha cara num buraco. — Vergonha por quê, mulher? Sou louco por tu. — Adorava quando ele falava isso, que era louco por mim, me fazia sentir importante pra ele. — Sei lá... — desviei o olhar, tentando fazer o assunto morrer. Ele não insistiu, não deu muita importância. Logo seus lábios tomaram o meu num beijo terno, que me envolveu por completo. No ônibus, sentamos no fundão. Os músicos estavam em silêncio, cansados. Alguns dormiam, outros viam vídeos no celular, já eu e ele parecíamos em outro mundo. Ele deitou no banco, me puxou pra cima do peito dele, e ficamos ali, trocando conversa boba. — Quando tu for minha oficialmente, vou te levar num trio elétrico só nosso. Imagina? Nós dois dançando e eu te mostrando para o Brasil inteiro como minha mulher. — A imagem na minha cabeça era linda mas a realidade era muito diferente. — Tu fala como se isso fosse possível… — fui sincera, eu me iludia com a nossa relação e Raví me incentivava. — E por que não seria? — Pergunta curioso pagando de doido. — Porque... cê tem uma namorada, Raví e na real acho que você não vai largar dela por mim não. — Ele ficou em silêncio por um tempo. Depois soltou uma risadinha abafada, como quem tenta suavizar a tensão. — Já te falei, né? Aquilo ali tá por um fio. Só falta resolver de vez e eu vou resolver, se preocupa não mulher… - — Hum. — Respondi apenas para não prolongar o assunto e acabar virando uma discussão. Ele virou o meu rosto pra ele e beijou minha testa. — Confia em mim, mocinha. — Mas algo dentro de mim já começava a questionar se eu devia mesmo confiar, por mais que eu quisesse. Chegamos no hotel e fomos direto pro quarto. Tomamos banho juntos, num silêncio bom, só sentindo a água quente escorrer entre nossos corpos. Foi um banho sem pressa, cheio de carinho, toques demorados e abraços que apertavam mais do que deviam, como se marcássemos um ao outro pois depois não sabíamos quando iríamos nos ver novamente Depois, fomos pra cama. Ele me puxou pra perto, me encaixando no peito dele em conchinha, com aquele jeitinho que me fazia sentir segura. E foi ali, com a cabeça no seu peito e o coração apertado, que eu vi a oportunidade para falar: — Raví… — chamei levantando minha cabeça para olhá-lo. — Hum? — — Tu reparou nos olhares hoje? Lá no show. Da tua equipe… — Ele demorou, mas respondeu, sem me soltar. — Reparei. — apenas isso. — E? — — E o quê? — ele perguntou me olhando sem entender mas na verdade quem estava com dúvidas ali era eu. — Eles me olham como se eu fosse uma intrusa, como se soubessem de tudo entre nós. Como se... eu fosse errada, eu sei que eu sou mas o olhar de julgamento… — Não sabia nem porque estava falando aquilo pra ele, não sabia se eu esperava que ele me protegesse ou sei lá… Ele ficou me encarando por um tempo. A expressão dele era calma demais pra quem devia estar se importando. — Eles sabem que tu tá comigo, só isso. E se estão incomodados, o problema é deles. — Diz como se fosse óbvio. — Ou sabem que tu não vai largar a Clara, talvez devam me achar uma interesseira que só está contigo por dinheiro ou sabem que eu sou só um passatempo sem importância. — minha voz acabou saindo embargada. Ele não me respondeu na hora. Passou a mão no meu rosto, com aquele toque manso, quase paternal. — Mocinha... Eu e ela já era bem dizer. Eles só tão acostumados a sempre verem ela nos shows comigo, entende? Mas o que importa o que eles acham ou deixam de acabar, o que importa é isso aqui, nós dois. — ele diz me abraçando mais a ele. — Mas tu vai deixar ela mesmo pra ficar comigo ou eu sou só um passatempo ? — Ele ficou em silêncio por alguns segundos, como se pensasse em qual versão da mentira ia me contar agora. Depois sorriu, me deu um selinho e murmurou: — Tu é mais do que isso. Só me dá tempo, confia em mim Lorena só te peço isso, tudo vai se ajeitar mas você precisa entender minha situação e ter paciência, você entende ? — eu balancei minha cabeça concordando e voltei a encostar minha cabeça no peitoral dele. Mesmo com a alma me alertando, mesmo ainda lembrando da sensação dos olhares ardendo nas minhas costas... Eu continuei confiando. Porque Raví mentia com tanto cuidado e sabia me manipular tão bem que... Que a mentira dele parecia um abraço me engolindo.
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