CAPÍTULO 04- VIDA COM DIGNIDADE

2292 Palavras
AQUILES : A clínica de reabilitação, era o meu porto seguro. Era onde eu encontrava refúgio, onde não me sentia envergonhado pois todos ali também haviam errado tanto quanto eu, e em alguns casos até mais que eu, isso me colocava em uma zona de conforto, de certo modo! Porém, tive que sair antes de o tratamento ser finalizado, e isso me gerou grandes inseguranças e crises de ansiedade. Era como se eu voltando para casa, estivesse suscetível a viver tudo novamente, ou coisas piores. Eu me senti inseguro, apesar de morrer de saudade da minha família, eu só conseguia sentir medo, muito medo do que me aguardava! Em minhas crises, eu tinha visões com a Greyce me culpando pela sua morte, ou até mesmo via a figura demoníaca que a levou para o abismo vindo me buscar também, ou rindo da minha cara de forma assustadora,ainda dizendo que eu seria o próximo. Recebi um choque imenso, ao saber que a empresa do meu pai faliu, só nos restava uma floricultura na garagem de casa, e muitas dificuldades financeiras pela frente. Me culpei, óbvio! Invés de estar dando gastos fazendo eles pagarem uma clínica de reabilitação para curar o meu vício, eu poderia estar trabalhando, estudando, e sendo alguém de verdade, alguém de valor. A culpa era um sentimento inevitável! Se de uma coisa eu tenho certeza,esta coisa é que Deus me colocou à prova novamente. Lógico, que me reconciliei na congregação, de todo o meu coração foi um momento de grande comoção ainda mais de quem já me conhecia, e sabiam da pessoa que eu fui, e estavam vendo quem eu era, o fracassado que me tornei, vendo o tamanho da minha queda. A vergonha, os olhares me matavam por dentro, mesmo eu não demonstrando. Todos sabiam da minha queda, fui fraco demais.. Mas, mesmo me reconciliando, a culpa me invadia, me maltratava, envergonhava, mas eu tinha a certeza de que queria recuperar tudo o que perdi um dia, e também nunca mais queria voltar para a vida de antes, era nisso que eu me apegava. Eu não queria mais ver os meus pais chorando, a minha irmã preocupada comigo, eu não queria mais desperdiçar o meu tempo com coisas que invés de me edificar, iriam me destruir ainda mais. Só lamentava, ter que chegar ao mais profundo do poço, para querer ser uma boa pessoa, coisa que eu já era antigamente. Diante da prova que a minha família estava passando, tudo ficou ainda mais difícil quando "estourou" um escândalo imenso com o nome do papai, ele perdeu a posse da igreja, e eu precisava ser útil pra minha família de alguma maneira. Ver os insultos, fofocas, xingamentos me causavam uma revolta, uma v*****e imensa de partir para a agressão, já com os nervos à flor da pele, e por muito pouco não me compliquei ainda mais, entrando em uma briga de trânsito com uma certa pessoa de uma outra igreja, que falava de meu pai para quem quisesse ouvir, debochava, e ridicularizava a minha família. Eu nunca tive interesse em mexer com flores, com terra, e nunca imaginaria viver da venda disso um dia, mas foi o que aconteceu! Então, quando retornei da clínica,vi que estava tudo um caos, principalmente a nossa casa! Parecia que um furacão tinha passado por ali:Roupas por todos os lados, sapatos jogados, meias sujas até em cima da mesa, a pia já não dava nem pra lavar as mãos de tanta louça suja, e o almoço? Pão com queijo e presunto, ou macarrão com salsicha, eles comiam muitos enlatados, a minha mãe e irmã dedicavam 100% do tempo com a lojinha de flores da garagem, e a nossa casa parecia mais um lugar de acúmulo exacerbado de lixo e objetos. O ambiente estava deplorável, era como se a sujeira deixasse o clima que já não estava dos melhores, ainda mais pesado. Eu não conseguiria viver em paz com tanta sujeira, m*l cheiro e desorganização. Em momento algum, culpei minha mãe ou irmã, pois eu soube que elas estavam dando o sangue para ter uma renda em casa. Foi daí, que partiu a idéia de eu ser o "homem da casa" enquanto todos trabalhavam pelo nosso sustento. Passei mais de uma semana jogando muito lixo fora, e coisas velhas, sem utilidade nenhuma, até chegar a uma casa habitável, deixando a todos de queixo caído. Fui pegando gosto pela coisa, fazendo comida de verdade para as refeições, até porquê alguém que trabalha tanto, n******e chegar na hora do almoço e comer pão com salsicha, não é mesmo? Sinto dizer, que é um absurdo sim! Sei que muitos não têm nem o que comer mundo a fora, mas nós tínhamos sim, só não havia quem fizesse. Cuidar da casa, de um novo sentido à minha cabeça que não parava de pensar um só minuto, distraía um pouco, tirava um pouco da ansiedade, já que a abstinência me deixava muito agitado, e eu não conseguia passar muito tempo quieto. Eu sentia como se estivesse acontecendo uma "rave" em minha cabeça o tempo inteiro, uma desorganização de pensamentos que me faziam muito m*l. Organizar, limpar tudo, e cozinhar tornou - se a minha mais nova terapia, a minha maneira de escapar do mundo, de fugir da minha realidade, e principalmente esquecer que eu tinha um vício a pouquíssimo tempo atrás, e ainda estava em uma luta constante contra ele. Enquanto eu trabalhava em minha própria casa, eu ia ouvindo a palavra de Deus em vídeos na tv ou em meu próprio celular, e me derramava em lágrimas, pois sempre tinha algo que tocava o meu coração de alguma maneira muito profunda. O que mais me deixava grato, era saber que Deus ainda poderia falar comigo, mesmo depois de eu ter destruído a minha vida com ele, mesmo na minha rebelião, em meio ao meu arrependimento, eu conseguia me sentir amado por Ele. E era assim que íamos vivendo, com muita dificuldade pois nem sempre havia comida o bastante, ou alimentos para eu colocar em prática alguma receita que vi na Internet e queria tentar fazer. Eu me sentia um peso, mesmo sendo muito elogiado pela minha mãe, mesmo ela me dizendo todos os dias que estava muito orgulhosa de mim, que eu estava fazendo um belo trabalho em nosso lar, eu queria prover também! Queria mostrar serviço, trabalhar, mas sabia que ainda não era a minha hora. Ainda estava muito fragilizado pelo vício, e o desmame das medicações estavam mexendo a cada nova hora com o meu humor. Até que, de forma meio que repentina eu diria, os meus pais decidiram que nós iríamos embora para um lugar desconhecido, uma cidade pequena, localizada no interior. Óbvio que para eu e a minha irmã, foi uma grande surpresa, achamos uma loucura de início, mas não contestamos com rebeldia ou reclamamos em momento algum, pois se era para uma suposta melhora de vida, não teríamos nada a dizer. Seria até injusto de minha parte, querer questionar algo, depois de tudo que fui capaz de fazer. Àzlin, que ainda deixava alguns comentários nas entrelinhas, mas acho que ela também precisava mudar de ares tanto quanto eu, ela passava um tempo triste, decepcionada com os seus amigos que ela achava serem amigos, e na verdade só se aproveitaram enquanto tínhamos algo para oferecer. Conversamos um pouco sobre, ela abriu - se comigo, e eu me senti bem com isso. Depois de tudo, era como se eu não me sentisse mais digno de nada, e ter a minha irmã desabafando algo comigo, me dava uma confiança de eu que poderia sim, resgatar o antigo Aquiles. Na nova cidade, era tudo menor, e mais simples do que éramos acostumados em toda a nossa vida, mas eu aceitei e até gostei, eu queria mesmo recomeçar tudo do zero independente de localização, e o meu pai também precisava depois de todas as humilhações, e de seu erro em ter desviado verbas da igreja para seus assuntos pessoais. Em tudo há consequências, e ele estava sofrendo com as dele, mesmo que em silêncio, e eu me sentia péssimo pois sabia que todos sofriam com as minhas também. Todos sofríamos em silêncio, mas a cara de desolamento, insatisfação era nítida durante as refeições. Todos estávamos enfrentando monstros internos, mas o bom no meio disso tudo, é que continuávamos nos amando, tendo uns aos outros. Com certeza para a mamãe não foi menos doloroso o erro de seu marido, fiquei com um medo imenso de que ela pedisse o divórcio, mas pelo contrário, ela se fortalecia na oração, sempre a via de longe orando baixinho. Eu jamais quis c********r às pessoas que mais amo na vida. E a minha atitude, foi me calar e aceitar sair da zona de conforto, me permitir reiniciar uma vida completamente nova. E sabe qual é a parte mais legal? Conseguimos graças à um grande amigo de meu pai, grande homem que nos cedeu uma casa, e um local incrível para ser a floricultura da nossa família. As coisas mesmo em meio ao furacão, estavam evoluindo lentamente, tinha a provação, a adiversidade, mas tinha também o cuidado do nosso Deus. Continuei responsável pelos serviços doméstico da casinha agora pequena, em menos de uma hora eu já conseguia deixar tudo brilhando, fazia a comida,lanches, e levava até o local para as duas mulheres da minha vida. Nos meus momentos de "folga", sugeri que eu poderia fazer entregas na caminhonete. Eu só queria ser útil, e preencher 100% do meu dia, nem o cansaço me deixava parar. Meu pai à princípio questionou,não gostou por medo de que eu pudesse procurar drogas ou alguém que me vendesse, mas a mamãe foi incrível, achou a idéia ótima, e disse que faríamos entregas também, para facilitar a vida dos seus clientes. Era bom, ganhar um voto de confiança! Mesmo tendo medo de cair em tentação, procurar a desgraça novamente. Tudo ia bem até demais, até eu precisar usar algo, ou enlouqueceria de vez, e de verdade! Eu não queria ferir a minha família e fiz esse juramento a mim mesmo, mas não me controlei, e o pouco de dinheiro que eu ganhei do meu pai como uma ajuda para comprar itens de higiene pessoal ou até mesmo uma roupa que eu precisasse, fui até o centro da cidade e comprei sim, mas entre as compras, levei três carteiras de cigarros, e estava fumando escondido enquanto fazia os meus deveres diários. Fumar me acalmava, tornava um pouco mais leve aquele fardo mental imenso que eu estava carregando em minhas costas. Quando a mamãe me pegou no flagra, apareceu sem avisar um dia em casa e me viu fumando, ela chorou muito, ficou desesperada, pensando muitas coisas erradas, e até me bateu, de tanto desespero. Mas, até eu conseguir explicar para todo mundo que estava sofrendo muito, que não estava conseguindo sozinho, que os meus monstros internos estavam quase me vencendo, eles "aceitaram", sem aceitar e disseram que assim que fosse possível, procurariam algum profissional capacitado ou uma outra clínica que pudesse me ajudar. Que o cigarro também era um vício, e óbvio que não agradava a Deus, e eu tinha consciência e sofria muito por aquilo, por mais que não demonstrasse o tempo todo. A abstinência era a pior parte de tudo, ela me tirava completamente do eixo, da minha racionalidade. -Meu filho, meu menino! Você ainda vai ser tão feliz! Eu oro tanto por ti, meu garoto! Que Deus te dê uma mulher honrada, uma mulher de Deus, que você limpe de sua mente tudo isso que te causou tanta perdição! - Mamãe disse chorando, em um abraço longo. -Eu recebo a sua bênção, minha mãe! Mas, entretanto não quero me apaixonar por ninguém novamente. Eu não nasci pra isso, e não sou merecedor. Eu tenho o famoso "dedo podre" para escolher mulher. Eu não sou digno de uma boa esposa, e nem quero uma! Já decepcionei demais vocês, e não quero ser a decepção para uma outra família. - Eu disse sem graça. -Dedo podre por ter feito UMA má escolha? Não seja fraco, meu filho. Eu ainda vou te ver casando, todo lindo de terno, gravata à espera de uma jovem linda, na igreja! Ainda virá grandes bênçãos para você, quero te ver sendo pai, quero netinhos lindos, correndo pela casa! - Ela disse sonhando, e eu a beijei rindo. Eu estava sendo 100% verdadeiro quando falei que amar novamente não era mais um plano, ou uma meta. Me fechei, realmente não queria nunca mais me aproximar de alguém, como foi com a Greyce,e foi um fracasso total. Uma r*****o falida, que terminou em tragédia. Já não sonhava mais com a minha própria família, com filhos, pois coloquei tudo à perder, quando quebrei o meu maior princípio que era conservar a castidade para a minha futura esposa. Eu até cheguei a gostar de algumas jovens da igreja antes de tudo, cheguei a orar por um relacionamento, mas quando a Greyce apareceu em minha vida, eu descartei qualquer possibilidade de me unir à uma mulher cristã. Enfim, eu sou o Aquiles e esta é a minha história até aqui. Pretendo me reconstruir da melhor maneira possível, e recuperar ao menos 50% da minha dignidade. Não está sendo fácil, são dias de muita culpa, ansiedade, e a v*****e de usar novamente as drogas sempre estavam ali. Uma verdadeira luta da mente, contra o corpo! Eu estava tentando descontar um pouco na comida, por estar muito magro, precisaria recuperar um pouco de massa muscular, os meus exames antes de sair da clínica haviam apresentado uma anemia acentuada, e eu então focaria dali em diante, em me curar. Pois você só consegue curar o outro, se primeiro curar à si próprio.
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