Julia/ Lorena narrando
capítulo 04 cont...
O corredor parecia se estreitar a cada passo. As paredes, pintadas com cores vivas, tinham marcas de mãos, pichações e frases riscadas por cima. O som de vozes foi ficando mais baixo, substituído por um silêncio que parecia pesar no ar. Ele caminhava na frente, sem pressa, como quem sabia que eu estava exatamente onde ele queria.
O chão de cimento frio, e o cheiro de fumaça misturado com o de comida vinda de algum lugar próximo se grudava no meu nariz. Cada detalhe era uma fotografia mental que eu guardava a lâmpada pendurada balançando, a porta entreaberta de onde saía um rastro de música abafada, os olhares rápidos de dois caras sentados num banco, observando sem se apresentar.
Ele parou diante de outra porta, mais reforçada, e bateu duas vezes. Um som metálico ecoou antes de ela se abrir. Lá dentro, a iluminação era baixa, e o ar cheirava a gasolina e couro. As paredes exibiam fotos antigas da Grota, alguns rostos conhecidos dos arquivos da operação, outros que eu nunca tinha visto.
- Esse é o bonito .disse ele, abrindo os braços como se estivesse apresentando uma obra de arte. - O lado que todo mundo gosta de ver. Aqui, a gente cuida da quebrada, garante que ninguém passe fome, que as crianças tenham onde brincar.
Ele falava como um político, com calma e convicção, mas eu sabia que metade das promessas dele estava manchada de sangue. Ainda assim, havia algo no jeito como ele se colocava que mexia com as pessoas… e comigo também, mas não do jeito que ele pensa. Vi uma grande quantidade de caixas e suspeitei de coisas ilícitas e ele pareceu ler minha mente .
- Aqui é um dos estoques de mantimentos , pra doações de roupas , brinquedos , tem de tudo um pouco . Oque precisar se caso... Vamos supor se acontecer uma enchente igual já teve e deixou morador meu sem nada só com a roupa do corpo. E aqui que guardamos pegou a visão? passei o olhar vendo um monte de coisas e fiquei surpresa com isso .
- Muito bom , mas e o perigoso? perguntei, sem tirar os olhos dele.
Um meio sorriso apareceu, mas dessa vez ele não respondeu. Apenas me fez sinal para sair e segui novamente. Voltamos pro corredor, viramos à esquerda, e o cenário mudou. O chão estava mais gasto, a pintura das paredes descascada.
Quando ele abriu uma porta e deu espaço pra eu passar.Senti a tensão e a adrenalina percorrer no meu corpo inteiro. O lugar tinha a vista da favela la embaixo, uma sacada alta sem parapeito de proteção. A vista é linda isso eu não podia negar .
- Esse… é o perigoso. disse ele, ficando tão perto que sua voz parecia vibrar no meu ouvido. - E quem pisa aqui, pisa sabendo que não tem volta. Segurei firme a bolsa, controlando o impulso de dar um passo para trás. Ele me estudava como quem queria descobrir se eu ia recuar. Eu mantive o olhar fixo na vista , como se nada fosse novidade.
- Certo ! falei entendendo o recado. Controlei a respiração, e virei o pescoço pra encarar ele.- Minha intenção aqui são as melhores. falei com a voz suave . O sorriso voltou, mas dessa vez tinha algo diferente. Ele não estava só satisfeito com a resposta ele parecia intrigado. E isso, eu sabia, poderia ser tanto uma vantagem quanto uma sentença. Ele se afastou e apontou pra uma cadeira de plástico.
- Então senta aí. Quero ver como você se comporta quando a beleza e o perigo estão no mesmo lugar. Eu sabia que aquilo não era um passeio , era um teste… e que eu já estava jogando, mas com minhas próprias cartas escondidas.
Sentei, mantendo a postura reta, como se aquele lugar não me afetasse. Mas a cada segundo sentia a pele arrepiar com a mistura do vento que batia pela altura ou talvez fosse pela tensão. Ele sentou do meu lado pegou um cigarro de maconha e ascendeu com uma naturalidade. observando com um interesse silencioso que incomodava mais do que qualquer provocação explícita.
- Bonito, né? perguntou, sem tirar os olhos de mim.
- É… respondi, sem entregar emoção. - Toda beleza tem seu preço. Ele soltou um riso baixo, quase sem som, como quem acha graça de algo que não vai compartilhar. Ele inclinou pra frente devagar , e por um instante pensei que ele fosse levantar e diminuir a distância. Mas ele parou olhando lá pra baixo, como se a favela fosse um quadro e ele o único interessado apreciando cada detalhe .
-Tem gente que acha que aqui é terra sem lei, que as minhas regras são só para o m*l e mando porque tenho arma. falou, calmo. - Eu mando porque conheço cada esquina daqui… e porque eles confiam em mim, tem respeito .
-Confiança é frágil ? rebati firme. -Basta uma escolha errada e… cai. Ele desviou o olhar pra mim, e por um segundo senti que podia ter ido longe demais. Mas, em vez de se irritar, ele pareceu ainda mais curioso.
-Tu fala como quem já viu muita queda.
- E você como quem já provocou algumas. soltei, medindo as palavras. O silêncio que veio depois foi pesado, mas não ameaçador… ainda. Ele encostou as costas no encosto e abriu um sorriso de canto e disse. A prova não era sobre altura, nem medo de cair. Era sobre não perder o controle, não dar a ele a satisfação de me ver recuar. Então, respirei fundo, cruzei as pernas de um jeito parecendo natural , mais sabia que ele ia ver como uma provocação. Apoiei o braço no apoio da cadeira, como se aquele fosse o lugar mais comum do mundo. Ele me olhou de cima a baixo devagar, como se cada segundo fosse parte de um cálculo silencioso. Um meio sorriso surgiu no canto da boca, e ele se inclinou na minha direção, o cotovelo apoiado no braço da cadeira.
- Tá confortável aí? perguntou num tom que soava mais como desafio do que preocupação. - Porque, se quise, eu posso deixar mais… interessante.
- Interessante como? mantive o olhar firme, mas senti o ar entre nós esquentar. Ele passou a ponta dos dedos no meu cabelo , como se estivesse apenas afastando um fio de cabelo que estava fora do lugar , e a proximidade fez meu coração acelerar, embora meu rosto não entregasse nada.
- Interessante do jeito que faz a pessoa esquecer onde tá… disse baixo, o hálito quente misturado com o cheiro da fumaça do cigarro da erva. Ele tem um jeito intenso de olhar ,mais eu não vou dar esse gostinho dele jogar comigo assim , não tão fácil. Em um impulso fiquei de pé, e o movimento alto me fez tontear , senti mãos firmes na minha cintura .- Eiei ...tá querendo morrer ? Meu corpo voltou pra trás em um movimento rápido, senti minhas costas bater de leve na parede áspera. O nosso rosto ficou a centímetros de distância o ar dele se misturou com o meu , vi ele encarando meus olhos bem de perto como se quisesse me decifrar , m*l sabe ele que até a cor dos olhos é falso.
Eitaaaaaaaa começamos vamboraaaa add na biblioteca , indique pras amigas e deixe um comentário.