Rodolfo mexeu a peça e esperou que Manuella fizesse alguma coisa, ela observou o que poderia fazer ali. Estavam ambos sentados, um de frente para o outro, jogando xadrez, o mundo estava tranquilo pra eles, o trabalho deles estavam pronto e devido a ser apenas um que foi passado, estava feito e terminado.
- Eu sou ótimo nesse jogo, não vai ganhar novamente - Rodolfo era competitivo, só na entendia a destreza que ela tinha.
Manuella havia fechado dois xeque-mate, ele apenas um, se sentia r**m em não empatar com ela agora, ficava agora a questão da honra. Não era muito bom perder dela, ele sabia que se perdesse seria seu fim ali.
Manuella não era competitiva em nenhum jogo que ela conhecia, ela gostava da presença das pessoas em volta de um jogo, da conversa e de todo momento descontraído.
Ela aprendeu a jogar com oito anos, isso é meio nostálgico para ela, veja, ela aprendeu com a mãe, mesmo hoje elas não tendo tanto contato. A mãe era uma ótima jogadora, não só naquele jogo, mas em vários, talvez isso fosse um traço que Manuella havia puxado dela, não se sabia dizer, o pai dela também era muito esperto.
Manuella havia crescido em uma casa boa e tradicional. O irmão dela não gostava de jogos daquele tipo, ela havia tido um irmão, mas já não tinha, foi levado de um acidente, Rodolfo sabia disso, ele se identificava com ela, com o que ela passou quando perdeu o irmão.
Os dois sendo julgados por um acidente e só aumentando a culpa que eles já carregavam.
O irmão de Manuella havia ido buscar ela e na volta pra casa os dois se envolveram em um acidente, Manuella teve ferimentos leve, ele se foi na hora com uma batida na cabeça forte.
Aos quinze anos ela perdeu o irmão e depois viu a mãe se afastar, se afastar de forma abrupta, que deixou ela sem chão e sem estrutura alguma. Depois veio as brigas e conflitos em casa, até ela sair, depois daquilo nunca houve um dia que puderam parar e se sentar na varanda da casa e jogar o jogo. Nada.
Manuella precisou aprender rápido a ganhar o seu dinheiro, ela aos dezessete saiu de casa e nunca mais voltou, trabalhou e estudou ao mesmo tempo, havia dias que ela sobrevivia com cinco dólares apenas, onde seu salário devia ser destinado ao futuro ou a comida do dia. Talvez algumas pessoas que vissem ela de fora não entendesse aquela forma de ela ver algumas coisa, como o fato dela não conseguir criar laços facilmente com o simples medo de perder essa pessoa ou ser rejeitada.
Em um ano viu isso acontecer, perdeu seu irmão e viu sua mãe rejeitar ela sem piedade nenhuma, como se ela fosse de verdade a culpada.
Outro problema que também apareceu quando ela se afastou da família, foi as conversas que saíram no nome da garota, da índole e até do caráter, para muitos Manuella saiu da cidade por falta de oportunidade, mas ela sabia que muita gente olhava ela com quase os mesmos olhos que a mãe dela.
A mãe dela tinha algo bom dentro dela, tinha um bom caráter, ela inteligente e na época era professora. Mas quando o filho mais velho morreu, ela perdeu o chão e foi jogado em uma caverna, um abismo profundo que levou ela a uma depressão e a negação da filha.
Se Manuella ligasse pra mulher, ela não atenderia, ela não gostava nem em pensar na mãe. As vezes Manuella pensava em como seria ver a mãe depois de tanto tempo, mas não se permitia fazer isso, porque as vezes pensava que se a mãe e ela estivesse em uma calçada, ela trocaria de lado.
Mas aquilo deixava uma marca, nem sempre foi daquela forma, antes do acidente as duas eram felizes e sabiam disso, eram amigas, amigas de verdade, daquela que se ela fizesse algo de errado teria liberdade e confiança pra falar, não apenas por ser a sua mãe. Sua mãe também era habilidosa, podia se lembrar da mãe fazendo tranças no cabelo dela e até quando as dias iam tomar sorvete perto de casa ou assistiam algum filme bom.
Mas aquilo se encerrou no acidente.
Era vazio, doloroso e escuro aquela parta da vida dela. No começo de tudo ela até pediu perdão, mas perdão do que? De pedir ajuda pro irmão ou pela pista molhada aquela noite, pelo buraco que caíram ou pela árvore que parou o carro que girava? Não havia culpados, apenas ocasiões ruins, ela nos comandava isso.
Pelos céus, algumas vezes ela pensou como poderia ter mudado aquela noite, pensou em até criar uma máquina do tempo, pensou em pedir tanto pra Deus que ele concertasse. Mas ela não iria ter ele de volta. Sua mãe talvez iria culpar ela pelo resto da vida.
Aquele fato não dava pra mudar, a única coisa que ela poderia fazer era apenas lidar com aquilo tudo. Com o fato do irmão ter ido embora.
As vezes ela pensava nele, na forma tranquilo que ele era, ele não bebia, não fumava e também não gostava de sair, ele era seis anos mais velho que ela, estava no auge da faculdade de engenharia e também havia comprado seu primeiro carro. Fazia estágio em uma firma e amava o cachorro dele, que estava com ele no dia do acidente e nunca mais foi encontrado.
Manuella se lembrava do vira-lata marrom claro assim que entrou no carro.
Aquele cachorro havia salvado ela. Ela havia pensado naquilo por anos, anos demais pra poder afirmar que sem aquele animal não estaria naquela mesa jogando xadrez.
Manuella naquela noite deixou de sentar no banco da frente pelo cachorro, que latiu de forma desenfreada assim que ela entrou no carro. Parecia que ele sabia o que iria acontecer, ainda mais quando parou quando Manuella colocou o cinto e o animal colocou a cabeça no colo do irmão dela, fechando os olhos. O carro percorreu cerca de quinze minutos antes de uma curva deslizar pela pista, estourar um pneu e começar a girar na pista, até parar em uma árvore.
Manuella conseguiu abrir os olhos logo depois do barulho todo que o acidente provocou, a sensação que ela se lembrava era de uma agonia profunda e bizarra, seus ouvidos doíam e seus olhos pesavam uma tonelada, suas pernas estavam presas e ela escutava naquele momento um bipe.
Ela não conseguiu mexer a cabeça, ela não conseguiu mexer o corpo, mas soube reconhecer o poste na frente, que entrou em cheio na lataria, quase partindo o carro em dois, deixando ela comprimida no lado direito do veículo, no banco de trás.
Manuella balançou a cabeça quando a mente voltou ao lugar, observando o grande pensador a sua frente.
Rodolfo estava sorrindo, mas ela sabia que já havia ganhado dele.
- Senhor, não precisa ser competitivo - Ela fez uma pausa, suspirando fundo. - Nem sempre ele é competitivo. É um mundo de 64 casas, você só tem que saber como arrumar elas.
Rodolfo mexeu a peça.
Um cavalo.
Então Manuella sorriu, pegou a sua peça final e bateu sobre a dele, fazendo novamente um cheque-mate, vencendo a quinta partida.
-Pronto, agora sim terminamos.
- Você ganhou, mas eu ainda vou me recuperar, só ganhou por que eu estou a bastante tempo sem jogar.
- Eu joguei isso a última vez aos meus quinze anos senhor.
Manuella viu ele se levantar e ela pegou o tabuleiro e começou a guardar as coisas. Havia sido bom, ela só não entendia por que ele não ia atrás de mais alguma coisa pra fazer. O acordo foi feito antes do almoço daquele dia, havia sido até arquivados as cópias e mandado enviar o relatório pra parte de cima.
Rodolfo não estava disposto a subir lá, ele havia fechado algo que ninguém pensava que ele iria fechar, com um acordo verbal e formal em papel com Olavo, não havia tido tanta dificuldade depois de analisar os lados envolvidos.
Quando fecharam o dia decidiram apenas cumprir horário. Rodolfo poderia dispensar a secretária, mas decidiu fazê-la fixar e fazer a graça pra ele.
Mas o que ele realmente estava querendo era fazer um convite pra ele, na verdade o convite que ele estava ansioso pra fazer um dia era onde ele ia tomar café da manhã com ele, aquela coisa de ser na cozinha dela ou na dele. Era até engraçado lembrar disso, se lembrava das noites passadas, aquelas que ele terminou sozinho vendo uma série na televisão.
A única coisa que ele sabia era que Manuella era difícil, ela não iria aceitar um convite, na verdade era bem capaz dela nem ao menos deixar ele falar.
Manuella tinha muita moral, isso dificultava pra masculinidade dele, até deixava o ego dele ferido por algo que ele não conseguia.
Ele queria levar ela pra cama, mas ele não sabia como fazer isso, não sabia o tipo de coisa que poderia fazer ela sorrir e aceitar ou o tipo de coisa que ela iria enfiar a perna da cadeira na b***a dele ou até pior, atirar ele pela janela abaixo.
Manuella era o carrasco de Rodolfo naquela altura do campeonato, ele começava a achar que estava virando um viciado em Manuella, de verdade? Aquilo estava estranho. Na manhã passada ele foi até a cafeteira ali perto, ao esperar eu pedido viu a moça chamando mais um nome, ele teve que olhar pra ver se era a Manuella dele, mas não era. O fato não foi esse, foi a análise do lugar em segundos apenas por ouvir um nome similar ao dela.
Ele não se lembrava de passar por isso antes.
Poderia ser aquele tanto de convívio, mas talvez não, as últimas secretárias dele não teve a mesma atenção que ela estava tendo, pelo contrário, ele não ligava se elas fossem embora ou não, mas ela não, parecia que ele poderia aumentar o salário dela numa boa se ela falasse que estava indo embora ou até diminuir a carga de trabalho dele, sim, isso era uma coisa que ele faria pra ter ela na mesa dela, com o casaco r**m azul e os cabelos castanhos naquele desperdício de amarração que ela fazia.
- O que fará no fim de semana, acho que tenho um trabalho para nos dois.
- Sua agenda está - Manuella parou de falar, quando escutou o barulho da porta e se virou, encarando William entrar bufando na sala.
- Sabia que portas servem pra serem usadas? - Rodolfo ficou de pé, atrás da mesa dele, enquanto Manuella se moveu até as estantes embutidas e colocou o jogo no lugar.
- Usaria se a sua secretária estivesse na mesa pra me anunciar - William se aproximou e jogou uma pasta na mesa. - Acordo bobo que você proporcionou, não?
- Visualizei o caso, recebi os fatos e usei os fatos para conseguir o que eu queria - Rodolfo acenou pra Manuella e ela saiu da sala. - Assinei um papel que vai nos deixar como sócios gerentes dele, sem interferência interna e externa até um subordinando de confiança dele faça parte da equipe gestora.
- Grande coisa inútil esso foi pra gente em longa data.
- Algumas pessoas não querem que o negócio da família saia da família.
- Experiência própria?
Rodolfo rangeu os dentes pelo comentário, se continuasse assim, poderia ter que ir para uma sala de apoio pra expressar sua raiva não em William, mas em coisas que eram inanimada e que não poderia se machucar tanto e nem sair sangue.
- Vou ignorar sua alfinetada. Já passamos por isso.
- Você conheceu o filho dele, Rodolfo? Se ele ficar envolvido em algo...
- Primeiro, eu sei os riscos e ele só vai entrar quando o pai autorizar, em caso de morte será avaliado minuciosamente se está apto a fazer parte, caso contrário apenas nos, Vinelly, podemos tomar qualquer decisão sobre aquela empresa.
-Você findou um péssimo acordo.
- Segundo, sabendo das coisas que eu acho que você sabia antes de me entregar o caso, foi negligente e imprudente William, atrasou pelo menos dois dias do meu tempo. Isso não é leal e nem justo. Não omita informação de mim, não vou gostar da próxima vez.
- Vamos ver se não vai gostar - Rodolfo se sentou e se inclinou, pegando a pasta, lendo o cliente que ele teria que cuidar.
William ficou parado observando o primo, até que Rodolfo fez algo já esperado por ele, jogando a pasta de volta pra mesa.
- Esquece, passo esse caso e você sabe dos motivos que me levam a fazer isso.
- Sua imagem depende disso, vamos, isso não é um pedido, se não consegue esconder o passado e melhor não estar aqui na segunda.
Ele leu o nome do homem em negrito na primeira linha da folha dentro da pasta.
Trinder, Ruler Trinder.
- Não posso pegar por motivos éticos.
- Você pegou a ex namorada do carro, apenas isso.
- Não fala assim dela e nem do que você não sabe, ela não está aqui pra se defender.
- Exato Rodolfo, ela não está aqui - O homem ruiu na cara dele, com todo desprezo que tinha. - Ela não está aqui, mas você, mais que ninguém sabe, não é mesmo?
Rodolfo fechou os punhos por baixo da mesa.
Aquele nome não era nada estranho pra ele.
Foi eles que prestaram uma homenagem pra Karen depois do acidente, ela havia terminado o relacionamento com Ruler Trinder, isso levou ela a esbarrar com Rodolfo e aproveitar a companhia dele, até sofrer um acidente.
Aquele negócio na ia ser passado nem perto de Rodolfo pelo conflito de interesses que poderia surgir, todos sabiam disso, todos menos William, que poderia saber, mas ignorava apenas pra sacanear o primo.
-Não posso pegar esse negócio. Eu lamento.
- Se negar ele, eu vou fazer cada pessoa daquele conselho não dar mais um negócio pra você nos próximos meses.
Rodolfo deu uma risada, se lembrando do jogo de xadrez e cada movimento que ele tinha que pensar em fazer, a vida era como um jogo de xadrez, você apenas tinha que pensar onde mexer e como mexer.
- Acha que isso vai me abalar de alguma forma? Entrei aqui nessa empresa faz oito anos, posso pegar férias e voltar só pra chutar sua b***a daqui a alguns tempos. Aqui não é seu lugar.
- Acha que seu pai é o conselho vai pegar e dar uma gerência pra você? Acho que você conhece bem seu pai, pra saber as cartas que ele tem na manga, eu sei que sou apena uma, mas sou importante, mas é você? Como está o conceito confiança entre você e ele? Ele nunca vai te colocar no lugar dele. Esqueça isso.
- Sai da minha sala.
- Você deve estar frustrado pra caramba, não é? Eu também estaria - William se inclina pra pegar a pasta e Rodolfo coloca a mão antes nela. - Hora, mudou de ideia quando?
- Eu farei isso.
- Isso, faça seu trabalho - William de as costas, antes de chegar na porta parou. - Aliais - Ele olhou por cima dos olhos. - Peça sua secretária fazer o trabalho dela.
- Suma daqui antes que quebre seus dentes - Dessa vez ele foi irritado demais, alto e em bom som.
Ali na mesa suspirou fundo, até encarar a pasta e a puxar.
Ele iria aceitar aquela transação. Ele iria fazê-la acontecer.
Ele não estava pronto, mas iria ficar.