Capitulo 4

1108 Palavras
Ayala A loja era tão chique que até o ar cheirava a dinheiro. Vidro espelhado, vendedora de unha pintada e sorriso de plástico, e umas luzes que deixavam até a minha sombra com cara de rica. Eu e o Angelo estávamos lá, escolhendo presente de casamento pra família do Augusto. Sim, meu cunhado me trouxe ao shopping ele e irmão mais velho, de Augusto. Ele é uma pessoa agradável comigo, diferente da mãe deles que sempre foi uma megera.Mas eu estava disposta a passar uma imagem legal para ela e fazer a mulher gostar de mim. — Ayala, olha esse relógio pro Augusto — ele apontou pra uma vitrine onde um Rolex dourado brilhava igual isca de peixe. — Combina com ele: caro e sem personalidade. Dei uma risada abafada. — Você fala assim do próprio irmão? — É pra isso que serve irmão, princesa. — ele encostou no balcão, o cheiro do perfume dele era doce demais, tipo bala Halls de melancia. — Mas vamos ser sinceros: você não aguenta mais esse negócio de mórmon, né? Olhei pra ele de lado. — Quem disse? — Toda vez que você fala "casamento", sua boca faz um treco igual a essa vendedora quando fala "cartão de crédito". — ele riu, e eu não pude negar. O Angelo era chato, mas observador. — Eu não achei que iria ter que ser a dona de casa mórmon estilo anos 40, so isso — Eu te entendo, a minha família as vezes e um saco. — Eu não diria um saco, e sim difícil. Augusto riu alto — Dificil, você esta sendo gentil. Bom então vamos a s compras. No fim, escolhi uma caneta de ouro para o Augusto (ele adorava escrever cartas chatas), um charuto cubano pro Antônio (o sogro), e um colar de pérolas pra Celia (a sogra). Pras minhas raízes, comprei duas correntinhas de ouro iguais à minha — uma pro meu pai, Preto, e outra pra minha mãe, Olivia. Pingente em forma de coração partido ao meio, escrito "Sempre juntos". Coisa brega, mas minha mãe ia chorar igual novela das seis. — Você tem bom gosto, sabia? — o Angelo tentou pagar tudo, porem tirei meu cartão black, e paguei. Ele riu, querendo medir comigo quem teria o p*u maior — Bom gosto é relativo. Minha mãe diz que o seu irmão é que tem bom gosto — retruquei, segurando as sacolas. — Augusto tem bom gosto pra negócio, não pra mulher. — ele abriu a porta do carro pra mim. — Você é demais pra ele. Entrei sem responder. O Angelo era igual miragem no deserto: bonito de longe, perigoso de perto. Naquela noite, o Augusto ligou. Eu tava deitada na cama, vendo TV e comendo pipoca doce, quando o celular vibrou. — Amor, amanhã no almoço com meus pais, quero que você use aquele vestido azul marinho. O decote é mais discreto — ele falou, sem nem dar bom dia. Engoli a pipoca com raiva. — Azul marinho? Pareço funcionária de banco com esse negócio. — Ayala, minha mãe é tradicional. E seus brincos... por favor, não use aquelas argolas grandes. — Tá falando dos meus brincos de favela? — levantei da cama, sentindo o sangue ferver. — Não é isso. Só quero que você se sinta... adequada. Adequada. A palavra dele preferida. — Beleza, vou botar uma roupa de freira então. Combinado? — desliguei na cara dele. Minha mãe apareceu na porta, com a xícara de café fumegando. — Tá brigando com o playboy de novo? — Ele quer que eu vista um saco de batata amanhã. — E você vai? — Vou. Mas não vou gostar. No dia seguinte, acordei cedo pra fazer o cabelo. Lavei as tranças, e fiz um penteado alto, e deixei armado pra guerra. Coloquei um vestido vermelho — sim, vermelho, azul marinho que se exploda — e as argolas que o Augusto odiava. Quando ele chegou na porta , de BMW e terno cinza, quase teve um treco. — Ayala, combinamos azul marinho! — Combinamos nada. Você deu ordem, eu ignorei. — entrei no carro antes que ele reclamasse mais. O almoço era num restaurante gourmet na urca, com vista pro Cristo Redentor. A mesa era de mármore, os talheres pesavam mais que meu celular, e a Celia, mãe do Augusto, tava sentada como uma rainha em julgamento. — Ayala, querida. Que... ousado seu vestido — ela disse, sorrindo com os lábios e não com os olhos. — Obrigada, Dona Celia. Vermelho é cor de sorte, né? — sentei do lado do Augusto, que tava mais esticado que cabo de aço. O Antônio, pai dele, salvou a pátria. — Ficou linda, minha filha! Parece aquelas atrizes de Hollywood. — ele deu um abraço que quase esmagou minhas costelas. Distribuí os presentes. O Antônio amou o charuto, a Celia olhou o colar de pérolas como se fosse de plástico, e o Augusto guardou a caneta sem nem abrir. — Ayala escolheu tudo com minha ajuda — o Angelo soltou, tomando um gole de vinho. A Celia congelou. — Você ajudou ela? — Claro. Ela queria algo que realmente combinasse com cada um — ele sorriu, malicioso. O Augusto apertou o garfo até os dedos ficarem brancos. Eu? Só comi o risoto de camarão, pensando em como aquela família era mais falsa que nota de três reais. Na volta, o Augusto não falou uma palavra. Só quando chegou na porta da minha casa é que ele soltou: — Por que você não usa as roupas que eu escolho? — Porque não sou boneca, Augusto. — Minha mãe não gostou do seu jeito hoje. — Eu sei que ela não gosta de mim. Ele deu uma risada seca. — Isso é coisa da sua cabeça, Ayala. Você tá inventando problema onde não tem. Inventando? A mulher me olhou como se eu fosse um rato entrando na sala dela. — Sua mãe me olha de cima pra baixo toda vez! — Ela só quer o melhor pra gente. — ele tentou pegar minha mão, mas eu puxei. — O melhor pra você. Pra mim, ela quer é que eu suma. Augusto suspirou, cansado. — Você tá exagerando. É só… adaptação. Adaptação. Como se eu fosse um bicho selvagem precisando de treinador. — Tá bom, Augusto. Vou me adaptar. Amanhã compro um tailleur e p***o o cabelo de loiro. Saí do carro antes que ele respondesse. Minha mãe tava na janela, assistindo tudo. — E aí, filha? — Acho que vou ter que comprar umas roupas novas, mãe. — Ou um par de bolas. — ela riu, jogando uma casca de laranja pela janela.
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