Ayala
A loja era tão chique que até o ar cheirava a dinheiro. Vidro espelhado, vendedora de unha pintada e sorriso de plástico, e umas luzes que deixavam até a minha sombra com cara de rica. Eu e o Angelo estávamos lá, escolhendo presente de casamento pra família do Augusto. Sim, meu cunhado me trouxe ao shopping ele e irmão mais velho, de Augusto.
Ele é uma pessoa agradável comigo, diferente da mãe deles que sempre foi uma megera.Mas eu estava disposta a passar uma imagem legal para ela e fazer a mulher gostar de mim.
— Ayala, olha esse relógio pro Augusto — ele apontou pra uma vitrine onde um Rolex dourado brilhava igual isca de peixe. — Combina com ele: caro e sem personalidade.
Dei uma risada abafada. — Você fala assim do próprio irmão?
— É pra isso que serve irmão, princesa. — ele encostou no balcão, o cheiro do perfume dele era doce demais, tipo bala Halls de melancia. — Mas vamos ser sinceros: você não aguenta mais esse negócio de mórmon, né?
Olhei pra ele de lado. — Quem disse?
— Toda vez que você fala "casamento", sua boca faz um treco igual a essa vendedora quando fala "cartão de crédito". — ele riu, e eu não pude negar. O Angelo era chato, mas observador.
— Eu não achei que iria ter que ser a dona de casa mórmon estilo anos 40, so isso
— Eu te entendo, a minha família as vezes e um saco.
— Eu não diria um saco, e sim difícil.
Augusto riu alto — Dificil, você esta sendo gentil. Bom então vamos a s compras.
No fim, escolhi uma caneta de ouro para o Augusto (ele adorava escrever cartas chatas), um charuto cubano pro Antônio (o sogro), e um colar de pérolas pra Celia (a sogra). Pras minhas raízes, comprei duas correntinhas de ouro iguais à minha — uma pro meu pai, Preto, e outra pra minha mãe, Olivia. Pingente em forma de coração partido ao meio, escrito "Sempre juntos". Coisa brega, mas minha mãe ia chorar igual novela das seis.
— Você tem bom gosto, sabia? — o Angelo tentou pagar tudo, porem tirei meu cartão black, e paguei. Ele riu, querendo medir comigo quem teria o p*u maior
— Bom gosto é relativo. Minha mãe diz que o seu irmão é que tem bom gosto — retruquei, segurando as sacolas.
— Augusto tem bom gosto pra negócio, não pra mulher. — ele abriu a porta do carro pra mim. — Você é demais pra ele.
Entrei sem responder. O Angelo era igual miragem no deserto: bonito de longe, perigoso de perto.
Naquela noite, o Augusto ligou. Eu tava deitada na cama, vendo TV e comendo pipoca doce, quando o celular vibrou.
— Amor, amanhã no almoço com meus pais, quero que você use aquele vestido azul marinho. O decote é mais discreto — ele falou, sem nem dar bom dia.
Engoli a pipoca com raiva. — Azul marinho? Pareço funcionária de banco com esse negócio.
— Ayala, minha mãe é tradicional. E seus brincos... por favor, não use aquelas argolas grandes.
— Tá falando dos meus brincos de favela? — levantei da cama, sentindo o sangue ferver.
— Não é isso. Só quero que você se sinta... adequada.
Adequada. A palavra dele preferida.
— Beleza, vou botar uma roupa de freira então. Combinado? — desliguei na cara dele.
Minha mãe apareceu na porta, com a xícara de café fumegando. — Tá brigando com o playboy de novo?
— Ele quer que eu vista um saco de batata amanhã.
— E você vai?
— Vou. Mas não vou gostar.
No dia seguinte, acordei cedo pra fazer o cabelo. Lavei as tranças, e fiz um penteado alto, e deixei armado pra guerra. Coloquei um vestido vermelho — sim, vermelho, azul marinho que se exploda — e as argolas que o Augusto odiava. Quando ele chegou na porta , de BMW e terno cinza, quase teve um treco.
— Ayala, combinamos azul marinho!
— Combinamos nada. Você deu ordem, eu ignorei. — entrei no carro antes que ele reclamasse mais.
O almoço era num restaurante gourmet na urca, com vista pro Cristo Redentor. A mesa era de mármore, os talheres pesavam mais que meu celular, e a Celia, mãe do Augusto, tava sentada como uma rainha em julgamento.
— Ayala, querida. Que... ousado seu vestido — ela disse, sorrindo com os lábios e não com os olhos.
— Obrigada, Dona Celia. Vermelho é cor de sorte, né? — sentei do lado do Augusto, que tava mais esticado que cabo de aço.
O Antônio, pai dele, salvou a pátria. — Ficou linda, minha filha! Parece aquelas atrizes de Hollywood. — ele deu um abraço que quase esmagou minhas costelas.
Distribuí os presentes. O Antônio amou o charuto, a Celia olhou o colar de pérolas como se fosse de plástico, e o Augusto guardou a caneta sem nem abrir.
— Ayala escolheu tudo com minha ajuda — o Angelo soltou, tomando um gole de vinho.
A Celia congelou. — Você ajudou ela?
— Claro. Ela queria algo que realmente combinasse com cada um — ele sorriu, malicioso.
O Augusto apertou o garfo até os dedos ficarem brancos. Eu? Só comi o risoto de camarão, pensando em como aquela família era mais falsa que nota de três reais.
Na volta, o Augusto não falou uma palavra. Só quando chegou na porta da minha casa é que ele soltou:
— Por que você não usa as roupas que eu escolho?
— Porque não sou boneca, Augusto.
— Minha mãe não gostou do seu jeito hoje.
— Eu sei que ela não gosta de mim.
Ele deu uma risada seca. — Isso é coisa da sua cabeça, Ayala. Você tá inventando problema onde não tem.
Inventando? A mulher me olhou como se eu fosse um rato entrando na sala dela.
— Sua mãe me olha de cima pra baixo toda vez!
— Ela só quer o melhor pra gente. — ele tentou pegar minha mão, mas eu puxei.
— O melhor pra você. Pra mim, ela quer é que eu suma.
Augusto suspirou, cansado. — Você tá exagerando. É só… adaptação.
Adaptação. Como se eu fosse um bicho selvagem precisando de treinador.
— Tá bom, Augusto. Vou me adaptar. Amanhã compro um tailleur e p***o o cabelo de loiro.
Saí do carro antes que ele respondesse. Minha mãe tava na janela, assistindo tudo.
— E aí, filha?
— Acho que vou ter que comprar umas roupas novas, mãe.
— Ou um par de bolas. — ela riu, jogando uma casca de laranja pela janela.