ADAM SCOTT
Fechei a porta com cuidado, mas não consegui me afastar.
Fiquei ali, a mão ainda na maçaneta, como se minha pele estivesse colada ao metal frio. Do outro lado daquela madeira fina, que m*l isolava os sons da cidade, estava ela. Catarina Piromalli. A Catarina que, meses atrás, eu teria pedido em casamento. Teria, se ela não tivesse sido sequestrada por seus irmãos e eu não tivesse descoberto quem ela era de verdade. Ou melhor, quem ela sempre foi.
Mas aquela ali, do outro lado, não era a Catarina que me fazia rir ao tomar sorvete de casquinha no inverno. Não era a garota que lia Tolstói comigo e me fazia perguntas sobre ética com a testa franzida e um lápis na boca. Não, aquela era a mulher do diário. Aquela que escondia segredos. Que tinha sangue seco nas mãos e um nome temido na costa italiana. Aquela que se deitou comigo enquanto o coração dela batia por outro homem — o próprio meio-irmão.
E ainda assim, ali estava eu. Parado como um i****a.
O que me impedia de entrar naquele quarto e me declarar para ela?
Samantha. Era por causa da Samantha. Ela era tudo o que Catarina não era — previsível, boa, estável. Eu já tinha lhe dado o anel. A data estava quase marcada. A bênção dos pais. Fiz questão de checar o histórico criminal dela antes de começarmos qualquer coisa. Aprendi da forma mais difícil. Com Catarina, eu não fiz isso. Fui cego. Ingênuo. Burro.
E agora a mulher que carrega o filho de outro homem estava dormindo no mesmo quarto onde, um dia, dissemos que nos amávamos.
Eu encostei a testa na porta, sentindo a madeira vibrar levemente com o som da respiração dela do outro lado. Estava mesmo surtando. Eu precisava dormir. Amanhã cedo tinha aula, mas algo dentro de mim… não me deixava ir.
O sofá me esperava, estreito e c***l.
Soltei o ar pela boca, cansado. Saí do corredor e voltei para a sala, como um condenado indo para a forca. Meus pés arrastavam no chão de madeira, os passos pesados como se cada um me lembrasse que eu estava pagando por tudo que ignorei no passado. Tirei os sapatos, um de cada vez, jogando-os ao lado do sofá. Me sentei e fiquei ali, encarando a lareira apagada.
As molduras ali em cima eram meu relicário.
Uma com meus pais, sorrindo orgulhosos na minha formatura. Outra com os meus alunos. E no canto… o porta-retrato com a foto do Toby. Dobrado. Porque era isso que eu fazia com minha dor: dobrava, escondia, fingia que não existia.
Me levantei devagar e caminhei até ele. Minhas mãos hesitaram antes de tocar o vidro. Retirei a moldura com cuidado e a virei. O papel estava amarelado nas bordas, como se o tempo tivesse deixado marcas que nem a memória ousava apagar.
Desdobrei devagar.
Ali estava o rosto dela. Sorridente. O cabelo bagunçado pelo vento, o sol iluminando as sardas que só apareciam nos dias quentes. Era o dia no parque. Eu me lembrava. Um domingo. Levamos um cobertor, vinho barato e passamos a tarde falando sobre o futuro.
Mas não era só aquela foto. No verso, presa com uma fita que eu mesmo esquecera, estava outra.
Eu e ela. Encostados um no outro. Cabeça dela no meu ombro, meu braço ao redor da cintura fina. O olhar perdido no horizonte. Aquela imagem capturava algo que nenhuma outra conseguia: a sensação de lar. De pertencimento.
De amor.
Voltei para o sofá com as fotos nas mãos. Me deitei e fiquei ali, encarando as imagens sob a luz fraca do abajur. Aquela era a vida que eu gostaria de ter vivido. Aquela era a versão da Catarina que eu escolhi amar. A que não existia. Ou talvez existisse — sufocada debaixo de anos de lealdade a uma família que usava sangue como moeda de troca.
Apertei as fotos contra o peito. E me perguntei: naquela tarde no parque, será que aquele brilho nos olhos dela… era por mim ou por outro?
Nunca saberei.
Virei de lado no sofá, tentando encontrar uma posição em que minha coluna não reclamasse da escolha. Era irônico. Eu cedia meu quarto para a mulher que destruiu minha vida e dormia desconfortável no sofá da sala. Isso devia constar em algum manual de burrice emocional. E ainda assim, era o que parecia certo.
Não. Não era paixão. Era algo pior. Mais profundo. Catarina era o tipo de mulher que marcava a alma. E mesmo quando eu pensava ter me livrado dela, ela voltava. Em fotos. Em lembranças. Em visitas inesperadas.
Grávida de outro homem.
Fechei os olhos, mas o sono não veio fácil. Minha mente estava em guerra. Samantha era tudo o que eu deveria querer. Catarina era tudo o que eu deveria evitar. Mas havia algo naquela mulher… uma força, uma tragédia, uma verdade crua e cortante que me atraía como um farol em noite de tempestade.
De repente, ouvi um barulho baixo. Talvez passos. O ranger discreto da madeira.
Minha respiração parou.
Talvez fosse ela. Vindo até a sala. Talvez tivesse sentido meu cheiro no travesseiro. Talvez estivesse com insônia como eu.
Mas os passos se afastaram.
Não era nada.
Voltei a encarar o teto. As fotos ainda comigo. Eu deveria colocá-las de volta no porta-retrato. Esconder de novo. Fingir que minha vida tinha seguido em frente. Mas pela primeira vez em meses, não quis fingir. Quis lembrar. Quis me permitir sentir, mesmo que doesse.
Porque era real. Porque foi verdade. Mesmo que por pouco tempo.
Catarina me amou, de algum jeito. E eu ainda a amava, mesmo quando tudo gritava para não amar.
Fechei os olhos outra vez, apertando as fotos contra o peito.
E então, finalmente, o sono me encontrou.
Mas não me salvou dos sonhos.
Sonhei com ela, é claro. Deitada ao meu lado. A barriga crescendo, minha mão sobre ela. Nossos corpos juntos, nossas promessas de um lar. E nenhuma guerra. Nenhuma máfia. Nenhum Dante Mancuso entre nós. Apenas a Catarina que ria dos meus trocadilhos ruins e me chamava de i****a com carinho nos olhos.
Catarina.