O telefone tocou, seco e direto. Atendi no primeiro toque.
— Mudança de planos. Ela vai sair pela lateral. Sigam.
Fechei os olhos por um segundo e inspirei. A voz do outro lado da linha era certeira, sem margem para dúvida. Fiz um leve sinal com a cabeça, e o homem de terno preto ao meu lado passou as novas coordenadas para os demais. A equipe já estava posicionada em pontos estratégicos no aeroporto de Teterboro, e as câmeras — todas hackeadas com perfeição — exibiam as imagens em tempo real.
O rosto dela apareceu em uma das telas, de perfil, andando devagar, com a mão repousando sobre a barriga.
Catarina.
Não a via assim há meses. Não desde... Desde que tudo explodiu. Desde a traição. Desde a morte de Luca e de nosso pai. Mas ali estava ela, andando como se o mundo não estivesse desmoronando ao seu redor. Como se não tivesse sangue nas mãos.
— Já conseguiram recuperar as imagens do prédio de onde ela saiu? — perguntei ao capanga à esquerda, sem desviar os olhos das telas.
— Estamos tentando, Don Mancuso. O sistema de segurança é reforçado, difícil de invadir.
Soltei o ar pesadamente pelo nariz. Não gostava de desculpas. Muito menos quando envolviam ela.
— Consiga-as logo. Precisamos saber o que ela foi fazer ali.
Então uma voz familiar ecoou ao fundo.
— Não precisa ser gênio. É só olhar para a barriga dela, está mais do que explicado o que foi fazer nesse prédio.
Me virei devagar. Massimo. Claro.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, mantendo a voz sob controle.
Ele ignorou a minha pergunta.
— Don Miguel mandou te chamar.
— Diga a ele que já estou indo. — Respondi, firme. — Só preciso saber para onde Catarina está indo.
— Agora, Dante. — disse ele, cortando minha linha de raciocínio.
Meus dentes rangeram. Eu queria mandá-lo à merda. Queria mandar Don Miguel à merda. Mas não podia. O acordo ainda era recente, frágil. Ele me fez o novo Don da família Mancuso. e pelo bem do que restou da família Mancuso, de Massimo e Matteo, eu engolia meu orgulho diariamente.
— Tudo bem — murmurei.
Seguimos juntos até o escritório de Don Miguel. À porta, me detive e falei baixo, encarando meu irmão.
— Preciso te pedir uma coisa.
Massimo arqueou uma sobrancelha, desconfiado.
— O quê?
— Não conte o que viu nas imagens.
Ele franziu a testa, confuso.
— Depois de tudo o que essa mulher fez com a gente... Você ainda quer protegê-la? Qual é o seu problema, Dante?
— Não estou protegendo ninguém. — menti. — Só não quero dar uma pista errada. Vai saber o que um pequeno detalhe m*l interpretado pode custar pra gente.
Massimo revirou os olhos, mas não disse mais nada, apenas entrou. Eu o segui.
Don Miguel estava sentado à sua mesa. Um homem de meia-idade com uma cicatriz profunda cortando o lado direito do rosto. Fumava um charuto como se estivesse à beira de um final de tarde ensolarado e não liderando uma das organizações criminosas mais letais da Europa.
— Don Miguel — disse, fazendo um leve aceno. — Pediu para nos ver?
Ele soltou a fumaça devagar, os olhos se fixando nos nossos.
— Pedi. Quero saber como estão as coisas. Já encontraram a c****a da Camorra?
— Estamos analisando as imagens — respondi, rápido.
— Ela está em Nova York — completou Massimo, antes que eu pudesse impedi-lo.
Don Miguel arqueou uma sobrancelha.
— É mesmo? Onde?
Olhei de canto para Massimo, tentando avisar, mas ele ignorou o sinal.
— No aeroporto. Está tentando sair da cidade, mas o mau tempo impediu. Antes disso, foi vista saindo de um prédio cheio de clínicas.
— Clínicas?
— Médicas — Massimo enfatizou, mirando direto o Don. — Inclusive, obstetra.
Senti meu sangue ferver. Interrompi:
— Ainda não temos confirmação disso. São apenas suposições.
— A localização sugere uma obstetra. — insistiu Massimo.
— Chega, Massimo. — rosnei.
— Mas suposições embasadas. A postura dela, o jeito que caminha, a mão sempre na barriga...
— Massimo, chega — interrompi. — Está falando demais.
— Don Miguel precisa saber. Ela deve estar de pelo menos sete meses.
— Chega! Agora você está chutando.
— CALADOS! — Don Miguel ergueu a voz. O silêncio caiu como um trovão.
Ele respirou fundo, lentamente, e voltou os olhos para Massimo.
— Massimo — disse ele, calmamente. — Fale.
— Pelas imagens... Catarina está grávida.
Fiquei imóvel. Por dentro, meu sangue fervia. Por fora, permaneci frio.
Don Miguel se encostou na cadeira.
— Grávida?
— É só achismo. — disse, tentando recuperar o controle. — Ela está usando isso como disfarce. Já vi esse truque antes, em Moscou. Grávida, ferida, indefesa... Ela sabe manipular. Isso não é uma gravidez de verdade.
Don Miguel tragou mais uma vez, pensativo.
— Por que usaria esse disfarce agora?
— Para ganhar tempo. Para confundir. Se fosse capturada, alguém poderia hesitar em atingi-la.
Don Miguel parecia dividido.
— Hm... — Ele se levantou. — Vamos ver as imagens. Quero confirmar com meus próprios olhos.
Caminhamos juntos de volta à sala de monitoramento. Quando entramos, as telas foram ajustadas. A imagem de Catarina preencheu todos os monitores: ela se levantando da poltrona do lounge, a mão em concha sobre a barriga saliente. O rosto sereno, quase... materno.
Don Miguel observava.
Massimo observava.
E eu…
Eu também.
Mas meu olhar era outro.
Amor.
Rancor.
Desejo.
Medo.
Ela matou meu irmão, Luca. Entregou meu pai a morte.
E ainda assim… ainda assim…
Don Miguel observou em silêncio.
— Massimo estava certo. Ela está grávida
— Eu discordo. — insisti.
— Aquilo é uma barriga enorme, Dante. Ou é um verme quilométrico, ou é um bebê.
— Com o devido respeito — insisti — é um disfarce. Uma armadilha.
Don Miguel me analisou.
— E por que a v***a usaria um disfarce de grávida?
— Para nos manipular. Para jogar com nossas emoções. Para termos pena dela.
Don Miguel pensou. Muito. Ele virou-se para Massimo.
— E se não for disfarce? — murmurou. — Massimo, alguma ideia de quem pode ser o pai?
Meu estômago virou.
— Sim. — disse Massimo, a voz firme.
— Quem? — perguntou Don Miguel, já encarando diretamente a mim.
— Adam Scott. — disse Massimo.
— Quem? — Don Miguel franziu o cenho.
— O noivo dela. — explicou.
— Isso é um absurdo. — retruquei.— Ele não era noivo dela!
— Ele tinha um anel. — insistiu Massimo. — E praticamente moravam juntos. Se Catarina está grávida, é dele.
— Eles terminaram há meses. — falei entre os dentes. — E monitoramos Adam. Catarina não fez contato até hoje.
Don Miguel cruzou os braços, olhando de mim para Massimo.
— Faz mais sentido o que Massimo diz. Talvez você, Dante, não conheça Catarina tão bem quanto acha que conhece.
As palavras dele me feriram mais do que eu gostaria de admitir.
— Com todo respeito, Don Miguel. Isso é um erro. Estamos caindo numa armadilha. De novo.
Don Miguel se aproximou, os olhos escuros cravados nos meus.
— Como todas as outras vezes, você quer dizer? Quando confiamos em você... e perdemos?
Engoli seco. O gosto amargo da culpa na garganta.
— Don Miguel, eu conheço Catarina melhor do que qualquer um. Sei quando ela está armando. Essa suposta gravidez é uma isca. Mas se o senhor duvida… eu posso provar.
— Como?
— Deixe-me ir até Nova York. Eu mesmo trago Catarina. E o senhor poderá dar o fim que ela merece.
— Agradeço a oferta, mas não. Desta vez, agiremos diferente. Quero todos os homens em Nova York. Vasculhem a cidade inteira.
Deu um passo à frente.
— E se não encontrarmos a vadia... usaremos o tal Adam como isca. Vamos ver até onde ela vai pelo pai do filho dela.
Meu peito se apertou.
— Está cometendo um erro.
— Está cometendo um erro. — murmurei.
Mas ele já se retirava, em silêncio. Voltei-me para Massimo, tomado pela fúria. Agarrei-o pelo colarinho do terno e o empurrei contra a parede.
— Você ferrou tudo!
— Você é quem está protegendo ela! — ele retrucou, empurrando minhas mãos. — Até quando vai fingir?
— Não estou protegendo a Catarina. Estou protegendo você! Matteo! Se isso der errado, um o Adam morre. E aí? Vai ser você o responsável?
Massimo me empurrou.
— Essas são as consequências da guerra que ela começou! Está mais do que na hora dela perder alguém. E se for o i****a do Adam... azar o dele.
Minha mão tremeu de raiva, mas soltei o colarinho dele. Virei as costas e saí da sala sem dizer uma palavra.
O corredor parecia mais longo do que nunca.
Cada passo ecoava dentro de mim.
Se ela estivesse grávida...
Aquele filho não era de Adam.
Era meu.
E se fosse meu…
Então o mundo inteiro estava prestes a sangrar.
E eu com ele.