CAPITULO 19

1002 Palavras
O sol já estava se pondo quando desci do carro, e o céu tingido de laranja não conseguiu suavizar o fogo que queimava dentro de mim. Minhas mãos cerravam e abriam em punhos conforme eu atravessava o pátio. O cascalho estalava sob meus sapatos italianos, mas tudo que eu ouvia era o sangue pulsando nos meus ouvidos. A p***a da minha boate em Roma tinha sido metralhada na noite anterior. Uma chacina. Um banho de sangue. E tudo por causa dela. Catarina Piromalli. Aquela maldita v***a. A audácia, a impudência. Atacar um negócio legítimo da ’Ndrangheta, um terreno neutro. Mais que isso, um território onde eu — Don Miguel Mancini, o Capo di tutti i Capi — estava prestes a fechar um dos maiores acordos da minha carreira. Giancarlo Baresi, banqueiro de Roma, Jean-Baptiste Delacour, o rei da moda franco-italiana, e Olivier De Beaumont, dono de metade da mídia europeia. Três tubarões. Três homens que não se movem por moedas — e sim por impérios. Uma reunião que vinha sendo preparada há meses e que, ironicamente, não aconteceu porque me atrasei. Um atraso que salvou minha vida. Mas não me senti salvo. Me senti humilhado. Dezenas de mortos. Uma fachada destruída. O nome da família manchado. E agora eu tinha que conter os outros chefes da ’Ndrangheta, justificar o injustificável e limpar um sangue que não deveria ter sido derramado. Tudo por culpa daquela mulher. Entrei no prédio e subi direto à sala de monitoramento. O cheiro de café e suor me bateu no rosto como um tapa, mas ignorei. Encontrei Massimo lá dentro, ladeado por seus homens. — Dov’è la troia Piromalli? — rosnei assim que cruzei a porta. Massimo virou-se para mim com o rosto tenso. O olhar cansado. — Non lo so, Don Miguel. Senti o ódio subir pelas minhas veias como veneno. Atravessei a sala e o agarrei pela gola do casaco. — Come sarebbe a dire che non lo sai? — grunhi. Massimo não resistiu, mas tampouco baixou os olhos. — Seguimos Catarina na noite passada, mas ela nos levou a uma emboscada. Escapou. Soltei um meio riso, curto e sem humor. — E os homens? — Mortos. Todos. — Inferno. — Soltei-o com violência, empurrando-o contra a cadeira. Caminhei até os monitores. Imagens da cidade, rotas, câmeras de rua, tudo monitorado. E mesmo assim… ela tinha sumido. Massimo ajeitou a gola do casaco e se aproximou. — Estamos fazendo de tudo para encontrá-la, Don Miguel. — Onde está a isca? — perguntei, sem tirar os olhos das telas. — Isca? Virei lentamente para ele. — O pai da criança, p***a. A menos que tenha outro homem engravidado minha inimiga, só pode ser esse... Massimo hesitou. Só um segundo. O suficiente para o meu instinto saber que vinha merda. — O Adam. Scott.Houve um problema. — Qual? — O tom saiu cortante. Minha paciência já era uma sombra do que foi. — A polícia de Nova York recebeu uma chamada do apartamento dele. Foi a noiva. Samantha Klein. Revirei os olhos e bufei. — Não tô nem aí pro melodrama, Massimo. Chega logo na parte que importa. — Adam desapareceu esta manhã, segundo o policial informante. E ao que parece... Catarina passou a noite no apartamento dele. E também desapareceu. Mas não juntos. — Como assim, não juntos? Massimo apontou para a tela. Uma gravação granulada começou a rodar. Catarina saía pela porta de um prédio, usava um casaco claro e óculos escuros e pegava um carro preto. — Ela saiu da casa dele por volta das nove da manhã. Nossos homens a seguiram até o Aeroporto de Teterboro, em Nova Jersey. A imagem congelou. — E então? — Perdemos acesso às câmeras do aeroporto. Todas. Por duas horas. — p***a! — fechei os punhos. — E só conseguiram restabelecer agora? Massimo assentiu. — Sim. Estamos cruzando os dados com as companhias aéreas agora, mas... — Mas não sabem p***a nenhuma. Ele nada disse. E isso era tudo. Virei de costas para os monitores, tentando controlar a fúria que crescia no meu peito como um animal enjaulado. — Ao menos me diga que sequestraram Adam. Que ele está nas nossas mãos. Massimo balançou a cabeça. — Não foi nenhum dos nossos, Don. Permaneci em silêncio por alguns segundos. A boca seca. As têmporas latejando. — Isso foi coisa dela. — murmurei, mais para mim do que para ele. — Catarina orquestrou tudo. — Não posso afirmar isso — respondeu Massimo, baixo. — E por quê não? Você é irmão dela, c*****o! Foi criado com ela!Devia saber como ela pensa. Ele me olhou com algo próximo de raiva. — Eu fui criado com ela, sim. Mas quem a conhecia de verdade... era Dante. O nome soou como uma batida surda no fundo do peito. Dante Mancuso. Maldito seja aquele filho da p**a. — E onde está Dante? — perguntei, com a voz mais baixa, mas carregada de veneno. Massimo hesitou de novo. Isso me deu uma resposta antes mesmo das palavras. — Eu não sei... Era para ele estar aqui, mas — Mas ele não está. — completei. O silêncio entre nós cresceu. Olhei para o monitor mais próximo e, por um instante, encarei meu próprio reflexo no vidro escuro. Um homem envelhecido, mas ainda perigoso. Ainda no controle. Ou quase. — Vocês deixaram Catarina escapar. — Deixaram Adam escapar. — Dante está fora do radar. Virei de volta para Massimo. — Quero ela. Viva ou morta. Quero o filho dela. E quero saber onde raios Dante está. — Sim, Don Miguel. — Não me dê obediência agora. Me dê resultados. Massimo assentiu, tenso. A dor de cabeça latejava. Aquela boate em Roma me perseguia como um pesadelo. Eu tinha enterrado corpos, comprado silêncio, tapado buracos que Catarina abriu — e tudo aquilo parecia só o começo. Mas eu era Don Miguel Mancini. Se Catarina queria jogar guerra, ela não fazia ideia do que era ser inimigo de um verdadeiro Capo di tutti i Capi.
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