O sol já estava se pondo quando desci do carro, e o céu tingido de laranja não conseguiu suavizar o fogo que queimava dentro de mim.
Minhas mãos cerravam e abriam em punhos conforme eu atravessava o pátio. O cascalho estalava sob meus sapatos italianos, mas tudo que eu ouvia era o sangue pulsando nos meus ouvidos. A p***a da minha boate em Roma tinha sido metralhada na noite anterior. Uma chacina. Um banho de sangue. E tudo por causa dela.
Catarina Piromalli.
Aquela maldita v***a. A audácia, a impudência. Atacar um negócio legítimo da ’Ndrangheta, um terreno neutro. Mais que isso, um território onde eu — Don Miguel Mancini, o Capo di tutti i Capi — estava prestes a fechar um dos maiores acordos da minha carreira.
Giancarlo Baresi, banqueiro de Roma, Jean-Baptiste Delacour, o rei da moda franco-italiana, e Olivier De Beaumont, dono de metade da mídia europeia. Três tubarões. Três homens que não se movem por moedas — e sim por impérios. Uma reunião que vinha sendo preparada há meses e que, ironicamente, não aconteceu porque me atrasei.
Um atraso que salvou minha vida.
Mas não me senti salvo.
Me senti humilhado.
Dezenas de mortos. Uma fachada destruída. O nome da família manchado. E agora eu tinha que conter os outros chefes da ’Ndrangheta, justificar o injustificável e limpar um sangue que não deveria ter sido derramado. Tudo por culpa daquela mulher.
Entrei no prédio e subi direto à sala de monitoramento. O cheiro de café e suor me bateu no rosto como um tapa, mas ignorei. Encontrei Massimo lá dentro, ladeado por seus homens.
— Dov’è la troia Piromalli? — rosnei assim que cruzei a porta.
Massimo virou-se para mim com o rosto tenso. O olhar cansado.
— Non lo so, Don Miguel.
Senti o ódio subir pelas minhas veias como veneno. Atravessei a sala e o agarrei pela gola do casaco.
— Come sarebbe a dire che non lo sai? — grunhi.
Massimo não resistiu, mas tampouco baixou os olhos.
— Seguimos Catarina na noite passada, mas ela nos levou a uma emboscada. Escapou.
Soltei um meio riso, curto e sem humor.
— E os homens?
— Mortos. Todos.
— Inferno. — Soltei-o com violência, empurrando-o contra a cadeira.
Caminhei até os monitores. Imagens da cidade, rotas, câmeras de rua, tudo monitorado. E mesmo assim… ela tinha sumido.
Massimo ajeitou a gola do casaco e se aproximou.
— Estamos fazendo de tudo para encontrá-la, Don Miguel.
— Onde está a isca? — perguntei, sem tirar os olhos das telas.
— Isca?
Virei lentamente para ele.
— O pai da criança, p***a. A menos que tenha outro homem engravidado minha inimiga, só pode ser esse...
Massimo hesitou. Só um segundo. O suficiente para o meu instinto saber que vinha merda.
— O Adam. Scott.Houve um problema.
— Qual? — O tom saiu cortante. Minha paciência já era uma sombra do que foi.
— A polícia de Nova York recebeu uma chamada do apartamento dele. Foi a noiva. Samantha Klein.
Revirei os olhos e bufei.
— Não tô nem aí pro melodrama, Massimo. Chega logo na parte que importa.
— Adam desapareceu esta manhã, segundo o policial informante. E ao que parece... Catarina passou a noite no apartamento dele. E também desapareceu. Mas não juntos.
— Como assim, não juntos?
Massimo apontou para a tela. Uma gravação granulada começou a rodar. Catarina saía pela porta de um prédio, usava um casaco claro e óculos escuros e pegava um carro preto.
— Ela saiu da casa dele por volta das nove da manhã. Nossos homens a seguiram até o Aeroporto de Teterboro, em Nova Jersey.
A imagem congelou.
— E então?
— Perdemos acesso às câmeras do aeroporto. Todas. Por duas horas.
— p***a! — fechei os punhos. — E só conseguiram restabelecer agora?
Massimo assentiu.
— Sim. Estamos cruzando os dados com as companhias aéreas agora, mas...
— Mas não sabem p***a nenhuma.
Ele nada disse. E isso era tudo.
Virei de costas para os monitores, tentando controlar a fúria que crescia no meu peito como um animal enjaulado.
— Ao menos me diga que sequestraram Adam. Que ele está nas nossas mãos.
Massimo balançou a cabeça.
— Não foi nenhum dos nossos, Don.
Permaneci em silêncio por alguns segundos. A boca seca. As têmporas latejando.
— Isso foi coisa dela. — murmurei, mais para mim do que para ele. — Catarina orquestrou tudo.
— Não posso afirmar isso — respondeu Massimo, baixo.
— E por quê não? Você é irmão dela, c*****o! Foi criado com ela!Devia saber como ela pensa.
Ele me olhou com algo próximo de raiva.
— Eu fui criado com ela, sim. Mas quem a conhecia de verdade... era Dante.
O nome soou como uma batida surda no fundo do peito.
Dante Mancuso.
Maldito seja aquele filho da p**a.
— E onde está Dante? — perguntei, com a voz mais baixa, mas carregada de veneno.
Massimo hesitou de novo. Isso me deu uma resposta antes mesmo das palavras.
— Eu não sei... Era para ele estar aqui, mas
— Mas ele não está. — completei.
O silêncio entre nós cresceu.
Olhei para o monitor mais próximo e, por um instante, encarei meu próprio reflexo no vidro escuro. Um homem envelhecido, mas ainda perigoso. Ainda no controle. Ou quase.
— Vocês deixaram Catarina escapar.
— Deixaram Adam escapar.
— Dante está fora do radar.
Virei de volta para Massimo.
— Quero ela. Viva ou morta. Quero o filho dela. E quero saber onde raios Dante está.
— Sim, Don Miguel.
— Não me dê obediência agora. Me dê resultados.
Massimo assentiu, tenso.
A dor de cabeça latejava. Aquela boate em Roma me perseguia como um pesadelo. Eu tinha enterrado corpos, comprado silêncio, tapado buracos que Catarina abriu — e tudo aquilo parecia só o começo.
Mas eu era Don Miguel Mancini.
Se Catarina queria jogar guerra, ela não fazia ideia do que era ser inimigo de um verdadeiro Capo di tutti i Capi.