A primeira coisa que senti foi a dor. Uma pontada aguda na lateral da cabeça, seguida daquela pressão incômoda que só vem quando alguém tem a infeliz ideia de apagar você com um golpe. Suspirei, resmungando alto.
— Vocês realmente precisam encontrar outro método. Isso de bater na minha cabeça tá ficando bem... repetitivo.
Minha voz soou rouca, pesada, como se eu tivesse sido afogada em algodão. Pisquei os olhos, devagar, forçando a visão a focar.
Não era um porão.
Não era um cativeiro.
O lugar era limpo. Organizado. Móveis modernos, cores neutras, tudo com um ar de hotel de luxo ou consultório caro. Mas ainda assim, desconhecido. Nenhuma janela, nenhuma referência que me ajudasse a saber onde, diabos, eu estava. E principalmente... nada que se parecesse com o local onde Adam havia sido filmado.
Revirei os olhos.
Ótimo. Me sequestraram com estilo.
Eu estava sentada numa poltrona grande, confortável demais para um interrogatório, desconfortável o bastante para ser um assento para visitas. Meus pulsos estavam presos por suas cintas discretas aos braços do móvel. Inteligente. Sutil. Mas não o suficiente para me impedir, se eu decidisse reagir de novo.
O som da maçaneta girando me fez levantar os olhos.
Um homem entrou.
Terno impecável, barba feita, expressão calma. Trazia um copo com alguma coisa — água, provavelmente — nas mãos. Eu ergui uma sobrancelha.
— Então... onde é que eu estou agora? — perguntei, secando o canto dos lábios com sarcasmo. — Já que o outro da delegacia pelo visto foi dispensado.
Ele nada disse. Apenas caminhou com passos meticulosos até uma bancada, abriu uma gaveta e retirou um canudo ainda embalado. Desembalou com calma. Aquela calma irritante de quem não tem pressa. De quem tem o controle. De quem acredita que você vai quebrar eventualmente.
— Voto de silêncio? — perguntei, inclinando o rosto para o lado. — Tudo bem. Eu respeito cultos estranhos. Mas antes disso, onde está Adam?
Nenhuma resposta.
Ele apenas colocou o canudo dentro do copo e veio em minha direção.
Meus olhos o seguiam com atenção. O modo como caminhava dizia que ele era treinado. Milimetricamente treinado. Provavelmente ex-forças especiais, segurança particular, alguma peça solta no tabuleiro de alguém com muito dinheiro. Mas havia algo a mais... ele não tinha pressa. Não era um peão.
Quando ele parou diante de mim e estendeu o canudo na direção do meu rosto, fiz minha parte no jogo.
Aproximei os lábios lentamente, como se fosse aceitar a gentileza.
E então, com a força de um raio, lancei o canudo contra o rosto dele — não pelo impacto, mas pela provocação. Ao mesmo tempo, levantei o pé direito e empurrei com força contra sua perna.
Ele não esperava a reação.
Cambaleou.
Derramou metade da água no próprio peito e braço, manchando a camisa branca sob o blazer.
Eu ri. Gargalhei, na verdade.
— Ops. Você devia ter me conhecido antes da gravidez. Eu era bem mais agressiva.=, eu teria furado seu olho com o canudo.
Ele me olhou por um segundo, como se ponderasse algo. Então se abaixou, pegou o copo e o canudo do chão, afastou o cabelo da testa com a mão molhada e limpou a camisa com um lenço de bolso. Depois, sem dizer uma palavra, girou nos calcanhares e foi em direção à porta.
— Ei! — gritei antes que ele saísse. — Você pode fingir que não me ouve, pode continuar com esse teatrinho de mordomo silencioso, mas escuta bem: quem quer que tenha me trazido pra cá, é bom que o Adam Scott esteja vivo. Porque se ele não estiver... — minha voz ficou mais fria — eles vão aprender muito rápido com quem estão lidando.
Ele não olhou para trás. Apenas saiu. E trancou a porta.
O clique da fechadura ecoou no silêncio.
Fiquei ali, por alguns segundos, tentando conter a adrenalina. Eu sabia que estava em desvantagem — grávida, sem armas, sem aliados por perto. Mas também sabia que não haviam me matado. Ainda.
Isso significava algo.
Significava que eu ainda era valiosa.
A dúvida era: para quem?
Encostei a cabeça no encosto da poltrona e fechei os olhos por um momento, como se isso me ajudasse a pensar. Minhas suspeitas se estreitavam a cada segundo. Aquilo tinha a marca da família Mancuso. E mesmo que Dante estivesse morto, alguém havia assumido. Alguém próximo o suficiente para saber cada passo meu.
Massimo? Matteo?
Ou outro?
O que me corroía era o vídeo. Adam amarrado. Visivelmente machucado. E o falso policial dizendo que se eu o quisesse vivo, teria que cooperar.
Mas cooperar com o quê?
E por quê agora?
Abri os olhos e olhei ao redor de novo. Nenhuma câmera visível. Nenhum som além do ar-condicionado. Tentei mexer os pulsos — a cinta que me prendia à poltrona era firme, mas flexível. Feita para contenção discreta, não tortura.
Eles queriam que eu estivesse calma. Queriam que eu esperasse.
Eles subestimaram o quanto eu odeio esperar.
Inclinei o corpo, buscando possíveis formas de me soltar. Mentalmente, comecei a revisar tudo que aprendi ao longo dos anos: disfarces, contenção, formas de sabotar ambientes fechados. Talvez pudesse soltar um parafuso da estrutura da poltrona. Talvez o abajur servisse para algo. O que quer que eu fizesse, precisava ser rápido. E certeiro.
Porque se esse era o jogo deles, eu também sabia jogar.
E por Adam, eu moveria o mundo.
Aliás… se estavam me provocando com ele, era sinal de desespero. Um sinal de que sabiam que tocar nesse ponto era a única maneira de me tirar do eixo. Talvez fosse justamente isso que eles queriam.
Mas comigo, tudo tem preço.
E eles iam pagar.
Com juros.
A porta se abriu de novo.
Outro homem, desta vez. Mais jovem, com um tablet nas mãos. Vestia preto, olhava fixamente para mim com um tipo de reverência contida. Como se me conhecesse. Como se tivesse ouvido falar de mim.
Ele não disse nada. Apenas se aproximou e deixou o tablet sobre uma pequena mesa ao lado da poltrona. A tela se acendeu sozinha.
Um arquivo de vídeo.
Adam.
De novo.
Amarrado.
Respirando.
Ainda vivo.
Meus punhos se fecharam. Os olhos queimaram, mas eu não deixei cair uma lágrima sequer. Só encarei a imagem e murmurei:
— Aguenta, Adam. Eu vou te tirar daí. Seja onde for.
O homem pegou o tablet de volta, como se fosse apenas um recado, e saiu sem dizer uma palavra.
A porta se fechou mais uma vez.
Mas agora eu sabia.
Aquele não era um sequestro.