CAPITULO 8

1180 Palavras
Fechei os olhos por um instante, permitindo que minha mente voltasse até o momento em que o plano teve de ser criado — um plano improvisado, desesperado, mas necessário. Eu não me orgulho do que fiz, mas aprendi que, quando se trata da 'Ndrangheta, orgulho é um luxo. Sobrevivência, não. Essa é a verdadeira moeda de troca. Foi quando olhei para trás, ainda nos degraus do New York-Presbyterian Hospital-Columbia e Cornell, e vi os carros. Não era paranoia — não mais. Eu sabia como a ‘Ndrangheta se movia. Discreta, persistente. E lá estavam eles. Um carro preto, vidros escuros. Sempre a mesma distância, como um predador educado, à espera da chance de atacar. Meus olhos baixaram para o pulso, onde meu relógio repousava. Tarde demais para ignorar, cedo demais para fugir. Eu precisava de um desvio. Um disfarce. Um milagre. Fiz Lorenzo atravessar três pistas de uma vez, apenas para ter certeza de que eles nos seguiam mesmo. Bingo. Mas eu precisava confirmar outra variável. Adam. Entrar naquele mercado não foi uma coincidência. Nada do que eu fazia ultimamente era. Encontrá-lo lá dentro, fazendo compras para a noite temática, não me surpreendeu. Mas ver a loira ao lado dele, com um anel de compromisso reluzente no dedo, foi algo que eu não esperava. Por um instante, meu instinto foi recuar. Deixá-los em paz. Deixar que saíssem por aquela porta juntos, felizes e longe de mim. Mas se eu saísse do mercado com meu carro, eu sabia o que me esperava: os homens da 'Ndrangheta. Eles não fariam cena no estacionamento, mas bastava me afastar dali para que o fim da linha começasse. Então eu fiz o que precisava ser feito. — Adam, espera! — chamei. Ele se virou, com aquela expressão de surpresa genuína. Sempre foi péssimo em esconder emoções. Já Samantha me lançou um olhar que poderia ter incendiado a ala de congelados. — O que foi? — ele perguntou, confuso. — Será que eu... posso ir com vocês? Comer massa? Eu gosto muito de massa... e... Eu titubeei. Foi por escolha. Vulnerabilidade gera confiança. Adam, como eu previa, foi rápido. — Claro. — Como é?! — Samantha quase engasgou. Foi nesse momento que vi a mulher. Mesma altura que eu. Cabelos castanhos. Entrando no banheiro. O destino sussurrou. Eu escutei. — Eu só preciso ir ao banheiro rapidinho, mas já volto. — sorri. Adam assentiu. Lorenzo já vinha atrás de mim. Dentro do banheiro, o plano ficou claro. Esperei enquanto lavava as mãos. A mulher saiu da cabine e foi até a pia ao meu lado. Me encarou, de canto de olho. Ela tremia levemente. Ansiosa. Culpada. — Está tudo bem? — perguntei. Ela me encarou, desconfiada. — Sim. Por quê? — Dá pra ver. — Ver o quê? Apontei para o reflexo dela no espelho. — Dá pra ver. — respondi, apontando discretamente para o reflexo dela no espelho. A moça seguiu meu olhar, arregalando os olhos. — Do que está falando? — Dos produtos. Escondidos por baixo da roupa. Roubo. Prisão. — disse as palavras devagar, como quem oferece uma escolha. Ela empalideceu. — Você é policial? — Não. Mas tem um homem lá fora prestes a entregar você. Eu posso impedir isso. Se você me ajudar. Ela hesitou. — Como? — Trocamos de casaco. Você sai com o meu. Dentro tem mil dólares. E um motorista esperando. Ele te leva para onde quiser. — E o que você quer em troca? — Nada. Só o casaco. — dei de ombros. — Não acredito em você. — Então saia. Seja presa. A escolha é sua. Porém, eu estou te oferecendo a sua melhor escolha. — encostei na pia, de braços cruzados. — Assim que sair daqui, um homem vai te entregar para a polícia. Eu só quero o seu casaco. Ela me olhou como se eu fosse louca. Talvez eu fosse mesmo. — Em troca, você vai encontrar mil dólares no bolso e o meu motorista vai te levar para onde quiser. — Por que faria isso? — Digamos que é uma troca de favores. Você troca de casaco e sai livro. Eu fico com o casaco e... bom, o resto é problema meu. Ela hesitou, como uma presa tentando decidir se o lobo estava oferecendo ajuda ou apenas uma morte mais lenta. — Tudo bem. Aceito. Ela praguejou em voz baixa. Por fim, tirou o casaco. Fiz o mesmo. Trocamos. Ela vasculhou os bolsos. Seus olhos brilharam ao ver o maço de dinheiro. — Saia agora. — instruí. Ela foi. Lorenzo a interceptou. Vi o olhar confuso dele para mim. Cheguei perto, fingindo ver uma lata qualquer atrás dele. — Plano de contingência. Ele apenas assentiu, levando a mulher com ele. Eu não podia garantir que a ‘Ndrangheta cairia no truque, mas pelo menos agora tínhamos tempo. Voltei até Adam e Samantha. Eles discutiam baixinho, interrompendo-se assim que me aproximei. — Pronta? — perguntou ele. — Sim. Samantha me analisou dos pés à cabeça. — Você não estava com outro casaco? Fiz cara de desentendida. — Não. — Eu podia jurar... — Pode perguntar ao Adam. — sorri. Adam riu, constrangido. — Acho que ela estava com esse mesmo... melhor a gente ir, senão vamos nos atrasar. Enquanto caminhávamos para o carro de Adam, vi Lorenzo saindo com o meu carro. A mulher no banco de trás. Dois carros a seguiram, como previsto. Meus dedos apertaram o tecido novo do casaco. Eu torcia para que ela soubesse seguir direções, e Lorenzo soubesse como despistá-los. Era perigoso para ela, mas não havia outra saída. Voltei ao presente com o som da campainha. Abri os olhos, lentamente. O calor da lareira me envolvia, e por um instante, desejei não ter lembrado de nada. —Os meus amigos, Catarina. Pode atender? — gritou Adam da cozinha. — Claro! Levantei e fui até a porta. Olhei pelo olho mágico. Dois casais, roupas sociais, sorrisos prontos. Abri. O sorriso deles desapareceu ao me ver. A mulher ruiva quase deixou cair a garrafa de vinho. O homem de barba me olhou de cima a baixo, como se tentasse entender em que realidade alternativa eu existia. — Oi. — disse, com um sorriso inocente. — Entrem. Adam está na cozinha. Eles entraram, em silêncio, como se atravessassem uma zona de guerra. Voltei para o sofá. Peguei o celular e abri a tela da conversa com Lorenzo. Nenhuma nova mensagem. Droga. Fiquei olhando para a tela, esperando por algum sinal de vida. A cozinha seguia cheia de vozes. Risos forçados, copos tilintando, a voz de Samantha um tom acima dos demais, como se quisesse provar a todos que ainda era a mulher da casa. Talvez fosse. Por enquanto. Droga, hormônios. Não demorei a ouvir alguém se aproximando. Era Adam, com um copo na mão. — Água. — disse, entregando. — Obrigada. Ele hesitou. Seus olhos caíram sobre minha barriga, e por um instante, achei que fosse dizer algo. Mas apenas assentiu e voltou para a cozinha. Bebi a água devagar, como se pudesse diluir a tensão, mas ela só estava começando.
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